Por Osvaldo Bertolino, no site da Fundação Maurício Grabois:
O programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, emissora estatal que em tempos passados tinha grande prestígio, é conhecido como poleiro de tucanos. Na segunda-feira (26), quem sentou no centro do cenário foi o chefe das ditas aves, o ex-presidente neoliberal Fernando Henrique Cardoso (FHC), que deitou falação golpista, corroborando os processos viciados que abrem caminho para as marchas que desafiam abertamente a democracia.
Ele ficou à vontade, cercado por “entrevistadores” da revista Veja e dos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo; a laia passou o tempo todo fazendo escada para as diatribes do “entrevistado” contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidenta Dilma Rousseff, o Partido dos Trabalhadores (PT) e a esquerda em geral. Os ataques chegaram à Venezuela e à Argentina. Quando os comerciais eram chamados, um deles mostrava as notórias qualidades do Bolsa Família.
Às tantas, FHC disse que a presidenta deveria “renunciar com grandeza”, assumindo que a “a situação econômica é desesperadora” e exigindo do Congresso Nacional a aprovação de medidas urgentes. E passou a enumerar quais seriam, sacando da algibeira sua receita neoliberal, cujos resultados são amplamente conhecidos. A prioridade seria a restrição à democracia, com cláusula de barreira e voto distrital.
Desafeto histórico
As má-criações dessa figura subqualificada têm o mérito de revelar as reais intenções da direita. É facilmente perceptível que eles querem cumprir as ameaças de manter Lula “sub judice” para inviabilizar sua candidatura em 2018. FHC disse isso abertamente ao chancelar as acusações desclassificadas de envolvimento do seu desafeto histórico em casos de “corrupção”. A pergunta que se deve fazer é singela: manter Lula “sub judice” interessa a quem? À turma que se banqueteou na festa da corrupção promovida pela “era FHC”, evidentemente.
Esse filme é antigo e FHC quer reeditá-lo. Está bem viva ainda na memória nacional sua lamentação pela falta de um Carlos Lacerda — o virulento jornalista e líder político que agredia Getúlio Vargas sem escrúpulos — na atual conjuntura. Seria alguém com verve e ousadia suficientes para mostrar a superioridade do neoliberalismo — a administração do país centrada na macroeconomia financeira e na redução do papel dos mecanismos do Estado que atuam nas ações sociais e nacionais. Os resultados bem sabemos: perda de empregos, da soberania nacional, limitações à democracia e aumento da precariedade dos serviços públicos, como saúde, segurança, educação.
O ex-presidente neoliberal abusou do seu mantra sobre a "inoperância gerencial" dos governos Lula e Dilma, que não teriam “projeto de longo prazo", e apelou para a "valentia moral" (sic) necessária para tirar o país da “crise”. Como sempre, não faltou a FHC franqueza para expor seus anátemas no que toca às questões nacionais — como de resto tem sido a sua prática desde antes de ele assumir a Presidência da República em 1994. Sempre, evidentemente, mostrando suas tradicionais duas caras — uma para o povo e outra para seus amos.
Brasil vicinal
Ao contrário de FHC, Lula sempre fez suas campanhas com honestidade. Costurou alianças, cortou o Brasil vicinal com a Caravana da Cidadania e discutiu o futuro econômico do país. Não desceu aos subníveis do discurso de Fernando Collor de Mello, em 1989, e da mídia, em 1994, quando o seu candidato a vice, José Paulo Bisol, foi acusado de manipular verbas do orçamento para beneficiar suas terras — o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, teve de pagar indenização de R$ 1,191 milhão ao ex-candidato a vice de Lula por causa dessa acusação publicada em 1994 —, e se esforçou para forjar um amplo bloco político de centro-esquerda de oposição ao projeto neoliberal.
Naquele episódio de 1994, ficou claro que o ataque sem escrúpulos a este bloco continuava sendo uma das principais armas da direita. Só que de maneira mais sofisticada, menos explícita do que a usada por Collor. Na mesma ocasião, o tropeço de Rubens Ricupero — aquele que faturava o que era bom e escondia o que era ruim —, sucessor de FHC no Ministério da Fazenda, não representou qualquer arranhão à campanha tucana. A mídia viu no primeiro caso um "tropeço" de enorme gravidade e quase nenhuma no segundo.
Dimensão micro
Quando FHC se reelegeu em 1998, logo ficou claro que o país havia embarcado naquele bonde novamente porque havia a esperança de uma mudança de rumo tacitamente prometida por FHC. Quando ficou nítido que era uma impossibilidade evidente, à primeira chance houve a baldeação e Lula foi eleito em 2002. O povo cansou de esperar o resultado da promessa de que em nome de uma pretensa boa administração macroeconômica era preciso postergar as ações vigorosas na área social e na retomada do desenvolvimento.
O problema é que quando os índices da dimensão micro da sociedade — emprego, renda, segurança, saúde, educação — começam a azedar, começa-se também a perguntar qual o sentido do sacrifício em áreas que poderiam melhorar a vida imediata de milhões. Era uma falsa contradição, está claro. Só que do tipo que influenciava decisivamente no futuro do país; o neoliberalismo é movido somente pela macroeconomia, o que inviabiliza as promessas populares da sua propaganda. A maioria dos brasileiros viu isso nitidamente. E, do ponto de vista econômico, jamais se arrependeu de ter feito a baldeação de 2002: a “era Lula-Dilma” manteve o país estável e atuou fortemente na área social.
Lula foi eleito prometendo uma reorganização interna para que o Estado pudesse operar de forma mais eficiente no que toca à aplicação dos recursos. A prioridade às questões sociais e o início da remoção das grandes nódoas na infra-estrutura e a condução do processo de retomada do desenvolvimento nacional eram suas grandes bandeiras para começar a corrigir as graves injustiças do país. O sucesso é inegável. Por aí, a desconstrução da “era Lula-Dilma” nunca teve a menor chance de êxito.
FHC pode ter êxito
A opção, como sempre, foi pela via do falso moralismo. E por aí o jogo tem sido pesado, uma situação que exige do campo governista resultados políticos mais perceptíveis. Os movimentos sociais têm um papel preponderante nesse processo — principalmente o movimento sindical. Basicamente, eles precisam buscar uma participação efetiva na vida nacional, ajudando a fermentar o desenvolvimento do país. É preciso uma compreensão coletiva de que esse discurso pragmático, matreiro e nada ético da direita é um perigo.
Em outras ocasiões, essa disputa foi arrastada para o campo da violência — como ocorreu no regime militar. Desde as eleições de 1989, a direita optou pelo espetáculo circense e a luta-livre. Mas depois da primeira eleição de FHC, o projeto neoliberal, embora apelando para os mesmos métodos nos bastidores, sofisticou a linguagem, agora usada de maneira torpe para esconder seu descarado golpismo. FHC, como sempre, olha para a câmera certa, faz pose e sorri falso. Não há responsabilidade cívica em suas intervenções e ele quer ver o circo pegar fogo. Pode ter êxito.
O programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, emissora estatal que em tempos passados tinha grande prestígio, é conhecido como poleiro de tucanos. Na segunda-feira (26), quem sentou no centro do cenário foi o chefe das ditas aves, o ex-presidente neoliberal Fernando Henrique Cardoso (FHC), que deitou falação golpista, corroborando os processos viciados que abrem caminho para as marchas que desafiam abertamente a democracia.
Ele ficou à vontade, cercado por “entrevistadores” da revista Veja e dos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo; a laia passou o tempo todo fazendo escada para as diatribes do “entrevistado” contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidenta Dilma Rousseff, o Partido dos Trabalhadores (PT) e a esquerda em geral. Os ataques chegaram à Venezuela e à Argentina. Quando os comerciais eram chamados, um deles mostrava as notórias qualidades do Bolsa Família.
Às tantas, FHC disse que a presidenta deveria “renunciar com grandeza”, assumindo que a “a situação econômica é desesperadora” e exigindo do Congresso Nacional a aprovação de medidas urgentes. E passou a enumerar quais seriam, sacando da algibeira sua receita neoliberal, cujos resultados são amplamente conhecidos. A prioridade seria a restrição à democracia, com cláusula de barreira e voto distrital.
Desafeto histórico
As má-criações dessa figura subqualificada têm o mérito de revelar as reais intenções da direita. É facilmente perceptível que eles querem cumprir as ameaças de manter Lula “sub judice” para inviabilizar sua candidatura em 2018. FHC disse isso abertamente ao chancelar as acusações desclassificadas de envolvimento do seu desafeto histórico em casos de “corrupção”. A pergunta que se deve fazer é singela: manter Lula “sub judice” interessa a quem? À turma que se banqueteou na festa da corrupção promovida pela “era FHC”, evidentemente.
Esse filme é antigo e FHC quer reeditá-lo. Está bem viva ainda na memória nacional sua lamentação pela falta de um Carlos Lacerda — o virulento jornalista e líder político que agredia Getúlio Vargas sem escrúpulos — na atual conjuntura. Seria alguém com verve e ousadia suficientes para mostrar a superioridade do neoliberalismo — a administração do país centrada na macroeconomia financeira e na redução do papel dos mecanismos do Estado que atuam nas ações sociais e nacionais. Os resultados bem sabemos: perda de empregos, da soberania nacional, limitações à democracia e aumento da precariedade dos serviços públicos, como saúde, segurança, educação.
O ex-presidente neoliberal abusou do seu mantra sobre a "inoperância gerencial" dos governos Lula e Dilma, que não teriam “projeto de longo prazo", e apelou para a "valentia moral" (sic) necessária para tirar o país da “crise”. Como sempre, não faltou a FHC franqueza para expor seus anátemas no que toca às questões nacionais — como de resto tem sido a sua prática desde antes de ele assumir a Presidência da República em 1994. Sempre, evidentemente, mostrando suas tradicionais duas caras — uma para o povo e outra para seus amos.
Brasil vicinal
Ao contrário de FHC, Lula sempre fez suas campanhas com honestidade. Costurou alianças, cortou o Brasil vicinal com a Caravana da Cidadania e discutiu o futuro econômico do país. Não desceu aos subníveis do discurso de Fernando Collor de Mello, em 1989, e da mídia, em 1994, quando o seu candidato a vice, José Paulo Bisol, foi acusado de manipular verbas do orçamento para beneficiar suas terras — o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, teve de pagar indenização de R$ 1,191 milhão ao ex-candidato a vice de Lula por causa dessa acusação publicada em 1994 —, e se esforçou para forjar um amplo bloco político de centro-esquerda de oposição ao projeto neoliberal.
Naquele episódio de 1994, ficou claro que o ataque sem escrúpulos a este bloco continuava sendo uma das principais armas da direita. Só que de maneira mais sofisticada, menos explícita do que a usada por Collor. Na mesma ocasião, o tropeço de Rubens Ricupero — aquele que faturava o que era bom e escondia o que era ruim —, sucessor de FHC no Ministério da Fazenda, não representou qualquer arranhão à campanha tucana. A mídia viu no primeiro caso um "tropeço" de enorme gravidade e quase nenhuma no segundo.
Dimensão micro
Quando FHC se reelegeu em 1998, logo ficou claro que o país havia embarcado naquele bonde novamente porque havia a esperança de uma mudança de rumo tacitamente prometida por FHC. Quando ficou nítido que era uma impossibilidade evidente, à primeira chance houve a baldeação e Lula foi eleito em 2002. O povo cansou de esperar o resultado da promessa de que em nome de uma pretensa boa administração macroeconômica era preciso postergar as ações vigorosas na área social e na retomada do desenvolvimento.
O problema é que quando os índices da dimensão micro da sociedade — emprego, renda, segurança, saúde, educação — começam a azedar, começa-se também a perguntar qual o sentido do sacrifício em áreas que poderiam melhorar a vida imediata de milhões. Era uma falsa contradição, está claro. Só que do tipo que influenciava decisivamente no futuro do país; o neoliberalismo é movido somente pela macroeconomia, o que inviabiliza as promessas populares da sua propaganda. A maioria dos brasileiros viu isso nitidamente. E, do ponto de vista econômico, jamais se arrependeu de ter feito a baldeação de 2002: a “era Lula-Dilma” manteve o país estável e atuou fortemente na área social.
Lula foi eleito prometendo uma reorganização interna para que o Estado pudesse operar de forma mais eficiente no que toca à aplicação dos recursos. A prioridade às questões sociais e o início da remoção das grandes nódoas na infra-estrutura e a condução do processo de retomada do desenvolvimento nacional eram suas grandes bandeiras para começar a corrigir as graves injustiças do país. O sucesso é inegável. Por aí, a desconstrução da “era Lula-Dilma” nunca teve a menor chance de êxito.
FHC pode ter êxito
A opção, como sempre, foi pela via do falso moralismo. E por aí o jogo tem sido pesado, uma situação que exige do campo governista resultados políticos mais perceptíveis. Os movimentos sociais têm um papel preponderante nesse processo — principalmente o movimento sindical. Basicamente, eles precisam buscar uma participação efetiva na vida nacional, ajudando a fermentar o desenvolvimento do país. É preciso uma compreensão coletiva de que esse discurso pragmático, matreiro e nada ético da direita é um perigo.
Em outras ocasiões, essa disputa foi arrastada para o campo da violência — como ocorreu no regime militar. Desde as eleições de 1989, a direita optou pelo espetáculo circense e a luta-livre. Mas depois da primeira eleição de FHC, o projeto neoliberal, embora apelando para os mesmos métodos nos bastidores, sofisticou a linguagem, agora usada de maneira torpe para esconder seu descarado golpismo. FHC, como sempre, olha para a câmera certa, faz pose e sorri falso. Não há responsabilidade cívica em suas intervenções e ele quer ver o circo pegar fogo. Pode ter êxito.
Todo mundo sabe que por fogo no circo é a alegria do palhaço.
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