Por Flávio Tonelli Vaz, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:
Em agosto, o IBGE divulgou os resultados do PIB do segundo trimestre. A economia caiu 1,2% [1]. Essa queda se somou a perdas de 0,9% ocorridas no trimestre anterior. No acumulado do semestre, o PIB caiu 2,1%.
Os dados do mercado de trabalho do primeiro semestre também não vieram bons. A queda histórica do desemprego foi revertida. Nas regiões metropolitanas, em todos os meses de 2015, o número de desocupados cresceu quando comparado ao mesmo período do ano anterior, fato inédito desde 2010.
A Secretaria do Tesouro Nacional apontou uma queda, em valores reais, nas receitas do governo federal de R$ 23 bilhões no semestre. Desde 2013, desonerações e renúncias diminuem a arrecadação. Mas, em 2015, a queda na economia pesou mais. Perdendo receitas, pelas medidas de enfrentamento à crise e pela diminuição da atividade econômica, cresceu o discurso pelos cortes nos gastos sociais.
O processo recessivo se agrava e, contrariando o prometido no começo deste ano, quando o governo anunciou sua opção pelo ajuste fiscal, é improvável a superação desse quadro a curto prazo.
Essas políticas de ajuste marcam uma inflexão. Até então, mesmo durante esta que ainda é uma das maiores crises internacionais, o país conseguiu diminuir a interiorização dos seus efeitos, com medidas anticíclicas.
Por outro lado, as dificuldades políticas e, principalmente, as opções governamentais por políticas monetárias e fiscais recessivas agudizam os problemas. Não se pode afirmar quanto os cortes dos gastos públicos determinaram a queda na produção nacional – uma das maiores dos últimos tempos. Mas, certamente, a opção governamental por um ajuste recessivo conduz o conjunto das expectativas dos agentes econômicos para um agravamento da situação, como uma profecia autorrealizável.
As medidas em prol de uma “marolinha”
Em outubro de 2008 – no início da mundialização da crise –, o presidente Lula afirmou que seus efeitos seriam de um tsunami nos Estados Unidos e uma “marolinha” no Brasil. À época, muito provavelmente não se tinha ainda a exata dimensão dessa crise internacional. Entretanto, ele tinha uma certeza: o governo brasileiro faria o possível para que o resultado aqui se aproximasse dessa sua previsão. E assim o fez.
Ao contrário das ações que Fernando Henrique adotara em situações semelhantes, o governo Lula, a partir de 2008, agiu para diminuir os efeitos da crise. Não subiu juros nem impostos, ampliou o crédito a famílias e empresas, protegeu a produção, o emprego e a renda do trabalho. Ao se afastar do receituário clássico do FMI, o Brasil pôde colher resultados econômicos e sociais muito diferentes dos verificados no resto do mundo, especialmente nas economias mais avançadas, onde se privilegiou o endividamento público para salvar a banca.
O governo utilizou os bancos públicos para aumentar o crédito; incentivou a carteira de trabalho como instrumento de aval para empréstimos às famílias; manteve a política de aumento real para o salário mínimo; incrementou os investimentos em infraestrutura; valeu-se da Petrobras para desenvolver vários segmentos da indústria nacional; ampliou os gastos sociais e os programas de combate à pobreza; favoreceu a inclusão produtiva de amplos segmentos; e distribuiu subsídios e renúncias fiscais.
Algumas facilidades no enfrentamento dos efeitos da crise decorrem de políticas públicas que a antecederam: o aumento da formalização e da renda do trabalho, e a diminuição da pobreza; um novo ambiente para a produção nacional de bens e serviços; as centenas de bilhões de reservas; as exigências de conteúdo nacional nas políticas de exploração do petróleo e no setor automobilístico; a descentralização do comércio exterior; entre outras.
A partir de 2014, também como um instrumento da disputa eleitoral e depois em prol do ideário de ajuste fiscal, a agenda anticíclica passou a ser fortemente atacada. A voz reinante nos quer fazer crer que esse conjunto de iniciativas, programas, despesas públicas, renúncias e subsídios foi um grande desperdício de dinheiro e oportunidade. Qual foi mesmo o saldo dessas políticas?
Crescimento durante a crise não foi pequeno
A produção nacional cresceu muito no quadriênio anterior à crise. Segundo dados do FMI, de 2004 a 2007, foram 20,1%, uma média de 4,7% ao ano. Poucos países entre as dez maiores economias alcançaram essa marca.
Com a crise, o Brasil diminuiu o ritmo, mas a Tabela 1 mostra que continuamos crescendo com destaque. Nesses sete anos, de 2008 a 2014, o Brasil cresceu 22,7%. Entre os dez maiores, somente China e Índia foram melhores. No último quadriênio (2011 a 2014), a economia brasileira perdeu o dinamismo e cresceu apenas 8,8%. Nesse mesmo período, em relação a 2008-2010, o Brasil diminuiu, enquanto os demais países cresceram.
Nos anos de 2015 e 2016 (segundo previsões do FMI), a economia brasileira demonstra seus problemas e faz uma internalização tardia dos efeitos da crise mundial – em um cenário em que não podem ser desconsideradas as causas da crise política. Aquele que observar os dados acumulados de 2008 a 2016 encontrará apenas China e Índia como detentoras de desempenho superior.
Não é objeto deste artigo analisar por que o crescimento da economia nacional diminuiu nos últimos quatro anos. Uma resposta a essa questão deve incorporar tópicos relacionados aos efeitos da crise internacional e de políticas. Alguns pesquisadores acrescentam o aumento exponencial das renúncias fiscais, um importante instrumento desse período, porque a perda de receitas diminuiu a capacidade econômica dos governos e impediu investimentos e muitos outros gastos públicos que possuem, em relação às renúncias, maior poder multiplicador na economia. Outro fator nada desprezível foi o câmbio valorizado, um resultado direto da ação dos Estados Unidos, União Europeia, Japão e China em busca de suas respectivas saídas para a crise.
No fundamental, o governo viu diminuir sua capacidade de induzir o setor privado em investimentos e na geração de demanda agregada.
Melhor ainda foram os resultados do emprego
O PIB brasileiro poderia ter apresentado maior crescimento? Essa também não é uma resposta simples, porque não se devem ignorar aspectos do progresso social, em um cenário de profunda crise.
Segundo o Unicef, os níveis de pobreza infantil aumentaram em mais da metade dos 41 países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da União Europeia. Nos mais prósperos, são 2,6 milhões a mais de crianças nessa condição. No mundo desenvolvido, há 76,5 milhões delas, como resultado da queda do rendimento familiar e do emprego. Esses números retratam prioridades da ação desses governos durante a crise.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho, ao final de 2014, havia no mundo 201 milhões de desempregados. Esse número, respectivamente, cresceu 1,2 milhão e 31 milhões em relação a 2013 e 2007. A partir de 2012, houve aumento de 27 milhões de trabalhadores com ocupações de tempo parcial ou sem direitos, uma explosão de subemprego e precarização.
Ao contrário do que ocorreu no resto do mundo, aqui a pobreza caiu, o Brasil saiu do mapa da fome, o desemprego e a informalidade diminuíram, enquanto a renda do trabalho ampliou.
No Brasil, segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), entre 2008 e 2014 foram criados 10,2 milhões de empregos formais, diminuindo o desemprego e o subemprego. A Tabela 2 apresenta os números do desemprego em diversos países. Poucos deles conseguiram reduzir o desemprego durante a crise, e em nenhum deles essa queda foi tão alta quanto no Brasil (4,5 pontos percentuais).
Assim, antes de aderir às críticas ao conjunto das políticas anticíclicas adotadas pelo governo nesta crise, é melhor verificar de onde partem as reclamações. Para fugir dos embates sobre o resultado das ações governamentais sobre o crescimento econômico e o emprego, setores mais à direita dirigem seus argumentos para o debate fiscal.
Os números não apontam crise fiscal
O fato de o Brasil, em 2014, ter apresentado um déficit de R$ 20,4 bilhões (0,4% do PIB) em seu balanço orçamentário primário (que exclui receitas e despesas de origem financeira) foi transformado em uma celeuma sem precedentes.
Não houve um descumprimento das metas da Lei de Diretrizes Orçamentárias porque a meta anual permitia abater dos valores originalmente previstos (R$ 116 bilhões) os recursos despendidos com o PAC e com as desonerações tributárias.
Exigir que um país apresente superávit depois de sete anos de políticas anticíclicas é absurdo. Segundo dados do FMI, Austrália, Canadá, França, Japão, Países Baixos, Nova Zelândia, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos, zona do euro, os países do G7 e os avançados do G20 apresentaram déficit primário em todos os anos da crise, desde 2009, seguidamente, até 2014. E, em 2014, o 0,4% do PIB verificado no Brasil não possui paralelo com os 7% do Japão; 2,6% da Austrália; 3,8% do Reino Unido; 3,2% dos Estados Unidos; os 2,7% médios do G7 ou os 2,6% da média do G20 Avançados. Dos grandes, apenas a Alemanha e o Brasil apresentaram superávit de 2009 a 2013.
Ademais, o Brasil acumulou superávits em sucessivos anos da crise. A lógica da ação anticíclica é exatamente exigir menos quando as condições são mais desfavoráveis. Tudo em prol da produção, do emprego e da renda.
Então o problema real não é a falta de superávit primário em 2014. Que outros indicadores fiscais poderiam indicar uma crise no país? Aqueles que defendem um ajuste fiscal com rigor bradam que a dívida pública brasileira cresce sem controle.
Até pouco tempo atrás, esses ortodoxos adotavam como parâmetro principal o endividamento líquido (dívidas menos haveres financeiros). Era um bom parâmetro para fugir do aumento explosivo da dívida mobiliária produzido pelos governos FHC. Mas esse critério não permite a construção do discurso do ajuste, pois a dívida líquida dos governos no Brasil, em relação ao PIB, passou de 36% em 2008 e para 36,7% em 2014.2 Ficou praticamente inalterada.
Hoje esse discurso se baseia na dívida bruta. Mas, entre 2008 e 2014, a dívida bruta dos governos no Brasil passou de 62% para 65% em relação ao PIB. Trata-se de um aumento pequeno depois de sete anos de ações anticíclicas – ainda mais medido sob a ótica dos resultados sociais constatados durante a crise. A real motivação para esse argumento é fustigar o aumento do endividamento derivado das medidas de acúmulo de reservas e do aumento da capacidade de financiamento do BNDES – medidas de enfrentamento da crise.
A Tabela 3 mostra os dados do aumento do endividamento dos diversos países pelo mundo. Se, no Brasil, o endividamento cresceu 3,3 pontos percentuais do PIB, no resto do mundo, dos grandes, apenas a Índia apresentou um melhor resultado. A média mundial foi um crescimento de quase 15 pontos.
Em relação à dívida bruta brasileira, ainda é preciso ressaltar alguns pontos. Recentemente, a S&P rebaixou a nota brasileira, decisão interpretada como reafirmação do descalabro do endividamento público nacional. O país tinha em julho US$ 370 bilhões de reservas. A uma cotação de R$ 3,80, essas reservas equivaleriam a R$ 1,4 trilhão, ou 26%, do PIB. Diante de uma dívida bruta de R$ 3,6 trilhões, pode-se ver que 40% dessa dívida corresponde a haveres financeiros em moeda de curso internacional. Difícil alegar dificuldades ou incertezas para seu pagamento.
O problema da dívida pública brasileira não é seu tamanho. Descontadas as reservas, ela seria inferior a 40% do PIB. O gargalo está no pagamento de juros, que este ano deve corresponder a 8% do PIB. Em 2012, quando o governo praticou os menores juros reais das últimas décadas, essa conta foi de 4,5% do PIB. Em 2013, foi de 4,8%.
Entre os economistas ortodoxos e na oposição, não se encontram críticas às altas taxas de juros. Essas vozes exigem maiores superávits primários, pois é uma boa forma de estabelecer garantias para os credores e, principalmente, um mecanismo infalível de determinar privatizações e exigir uma nova agenda de cortes de direitos sociais.
Seja por parte da S&P, seja por parte da oposição derrotada, o maior interesse é deixar o governo refém de uma agenda conservadora e, depois, ainda acusá-lo de trair seu discurso de campanha.
O governo perde na política e na narrativa
Diante do tamanho da crise, as opções políticas do governo conseguiram afastar os piores cenários, especialmente para o emprego e a renda. O país cresceu com investimentos em infraestrutura e na produção durante a maior parte desse período, apesar das dificuldades em relação ao câmbio valorizado e das disputas eleitorais e políticas.
Essa não é a compreensão das ruas. Seja pela incapacidade de dialogar com a sociedade, seja pela ação uníssona da mídia em oposição, a narrativa preponderante é pela incapacidade da ação governamental em conduzir o país a uma melhor direção.
Não se fez o discurso na hora certa e, depois que se assumiu a agenda de ajustes, encontrou-se maior dificuldade para fazê-lo. Afinal, demonstrar quão acertados foram gastos e renúncias das políticas anticíclicas afetaria a credibilidade do ajuste. São cortes e medidas recessivas quando, na verdade, a economia ainda demanda ações em prol do crescimento.
É fácil perceber que, em uma economia grande, diversificada e complexa como a nossa, faltam meios e recursos para o governo conduzir sozinho o país ao crescimento. É preciso uma ação vigorosa do setor privado. E cabe ao governo colocar os mais diversos segmentos econômicos na direção do seu projeto. Foi assim por pouco mais de uma década a partir de 2003. Foi assim durante os primeiros cinco anos desta crise.
Agora, o governo atua na direção oposta. Desde 2014, quando a política monetária acelerou a alta de juros, não houve notícias boas. A situação se agravou depois das eleições. O governo passou a orientar explicitamente as expectativas dos agentes econômicos para o efeito de suas medidas recessivas. Há apenas uma promessa de reversão do quadro. Realimentar a recessão sem apontar medidas de recuperação da produção não fomenta a crise política, agravando ainda mais a situação econômica? Quando o governo voltará a liderar expectativas pró-crescimento e pelo desenvolvimento social?
* Flávio Tonelli Vaz é assessor técnico da Câmara dos Deputados, formado em Direito e especialista em orçamentos e políticas públicas.
Notas:
1- Taxa acumulada em quatro trimestres em relação a igual período do ano anterior.
Em agosto, o IBGE divulgou os resultados do PIB do segundo trimestre. A economia caiu 1,2% [1]. Essa queda se somou a perdas de 0,9% ocorridas no trimestre anterior. No acumulado do semestre, o PIB caiu 2,1%.
Os dados do mercado de trabalho do primeiro semestre também não vieram bons. A queda histórica do desemprego foi revertida. Nas regiões metropolitanas, em todos os meses de 2015, o número de desocupados cresceu quando comparado ao mesmo período do ano anterior, fato inédito desde 2010.
A Secretaria do Tesouro Nacional apontou uma queda, em valores reais, nas receitas do governo federal de R$ 23 bilhões no semestre. Desde 2013, desonerações e renúncias diminuem a arrecadação. Mas, em 2015, a queda na economia pesou mais. Perdendo receitas, pelas medidas de enfrentamento à crise e pela diminuição da atividade econômica, cresceu o discurso pelos cortes nos gastos sociais.
O processo recessivo se agrava e, contrariando o prometido no começo deste ano, quando o governo anunciou sua opção pelo ajuste fiscal, é improvável a superação desse quadro a curto prazo.
Essas políticas de ajuste marcam uma inflexão. Até então, mesmo durante esta que ainda é uma das maiores crises internacionais, o país conseguiu diminuir a interiorização dos seus efeitos, com medidas anticíclicas.
Por outro lado, as dificuldades políticas e, principalmente, as opções governamentais por políticas monetárias e fiscais recessivas agudizam os problemas. Não se pode afirmar quanto os cortes dos gastos públicos determinaram a queda na produção nacional – uma das maiores dos últimos tempos. Mas, certamente, a opção governamental por um ajuste recessivo conduz o conjunto das expectativas dos agentes econômicos para um agravamento da situação, como uma profecia autorrealizável.
As medidas em prol de uma “marolinha”
Em outubro de 2008 – no início da mundialização da crise –, o presidente Lula afirmou que seus efeitos seriam de um tsunami nos Estados Unidos e uma “marolinha” no Brasil. À época, muito provavelmente não se tinha ainda a exata dimensão dessa crise internacional. Entretanto, ele tinha uma certeza: o governo brasileiro faria o possível para que o resultado aqui se aproximasse dessa sua previsão. E assim o fez.
Ao contrário das ações que Fernando Henrique adotara em situações semelhantes, o governo Lula, a partir de 2008, agiu para diminuir os efeitos da crise. Não subiu juros nem impostos, ampliou o crédito a famílias e empresas, protegeu a produção, o emprego e a renda do trabalho. Ao se afastar do receituário clássico do FMI, o Brasil pôde colher resultados econômicos e sociais muito diferentes dos verificados no resto do mundo, especialmente nas economias mais avançadas, onde se privilegiou o endividamento público para salvar a banca.
O governo utilizou os bancos públicos para aumentar o crédito; incentivou a carteira de trabalho como instrumento de aval para empréstimos às famílias; manteve a política de aumento real para o salário mínimo; incrementou os investimentos em infraestrutura; valeu-se da Petrobras para desenvolver vários segmentos da indústria nacional; ampliou os gastos sociais e os programas de combate à pobreza; favoreceu a inclusão produtiva de amplos segmentos; e distribuiu subsídios e renúncias fiscais.
Algumas facilidades no enfrentamento dos efeitos da crise decorrem de políticas públicas que a antecederam: o aumento da formalização e da renda do trabalho, e a diminuição da pobreza; um novo ambiente para a produção nacional de bens e serviços; as centenas de bilhões de reservas; as exigências de conteúdo nacional nas políticas de exploração do petróleo e no setor automobilístico; a descentralização do comércio exterior; entre outras.
A partir de 2014, também como um instrumento da disputa eleitoral e depois em prol do ideário de ajuste fiscal, a agenda anticíclica passou a ser fortemente atacada. A voz reinante nos quer fazer crer que esse conjunto de iniciativas, programas, despesas públicas, renúncias e subsídios foi um grande desperdício de dinheiro e oportunidade. Qual foi mesmo o saldo dessas políticas?
Crescimento durante a crise não foi pequeno
A produção nacional cresceu muito no quadriênio anterior à crise. Segundo dados do FMI, de 2004 a 2007, foram 20,1%, uma média de 4,7% ao ano. Poucos países entre as dez maiores economias alcançaram essa marca.
Com a crise, o Brasil diminuiu o ritmo, mas a Tabela 1 mostra que continuamos crescendo com destaque. Nesses sete anos, de 2008 a 2014, o Brasil cresceu 22,7%. Entre os dez maiores, somente China e Índia foram melhores. No último quadriênio (2011 a 2014), a economia brasileira perdeu o dinamismo e cresceu apenas 8,8%. Nesse mesmo período, em relação a 2008-2010, o Brasil diminuiu, enquanto os demais países cresceram.
Nos anos de 2015 e 2016 (segundo previsões do FMI), a economia brasileira demonstra seus problemas e faz uma internalização tardia dos efeitos da crise mundial – em um cenário em que não podem ser desconsideradas as causas da crise política. Aquele que observar os dados acumulados de 2008 a 2016 encontrará apenas China e Índia como detentoras de desempenho superior.
Não é objeto deste artigo analisar por que o crescimento da economia nacional diminuiu nos últimos quatro anos. Uma resposta a essa questão deve incorporar tópicos relacionados aos efeitos da crise internacional e de políticas. Alguns pesquisadores acrescentam o aumento exponencial das renúncias fiscais, um importante instrumento desse período, porque a perda de receitas diminuiu a capacidade econômica dos governos e impediu investimentos e muitos outros gastos públicos que possuem, em relação às renúncias, maior poder multiplicador na economia. Outro fator nada desprezível foi o câmbio valorizado, um resultado direto da ação dos Estados Unidos, União Europeia, Japão e China em busca de suas respectivas saídas para a crise.
No fundamental, o governo viu diminuir sua capacidade de induzir o setor privado em investimentos e na geração de demanda agregada.
Melhor ainda foram os resultados do emprego
O PIB brasileiro poderia ter apresentado maior crescimento? Essa também não é uma resposta simples, porque não se devem ignorar aspectos do progresso social, em um cenário de profunda crise.
Segundo o Unicef, os níveis de pobreza infantil aumentaram em mais da metade dos 41 países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da União Europeia. Nos mais prósperos, são 2,6 milhões a mais de crianças nessa condição. No mundo desenvolvido, há 76,5 milhões delas, como resultado da queda do rendimento familiar e do emprego. Esses números retratam prioridades da ação desses governos durante a crise.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho, ao final de 2014, havia no mundo 201 milhões de desempregados. Esse número, respectivamente, cresceu 1,2 milhão e 31 milhões em relação a 2013 e 2007. A partir de 2012, houve aumento de 27 milhões de trabalhadores com ocupações de tempo parcial ou sem direitos, uma explosão de subemprego e precarização.
Ao contrário do que ocorreu no resto do mundo, aqui a pobreza caiu, o Brasil saiu do mapa da fome, o desemprego e a informalidade diminuíram, enquanto a renda do trabalho ampliou.
No Brasil, segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), entre 2008 e 2014 foram criados 10,2 milhões de empregos formais, diminuindo o desemprego e o subemprego. A Tabela 2 apresenta os números do desemprego em diversos países. Poucos deles conseguiram reduzir o desemprego durante a crise, e em nenhum deles essa queda foi tão alta quanto no Brasil (4,5 pontos percentuais).
Assim, antes de aderir às críticas ao conjunto das políticas anticíclicas adotadas pelo governo nesta crise, é melhor verificar de onde partem as reclamações. Para fugir dos embates sobre o resultado das ações governamentais sobre o crescimento econômico e o emprego, setores mais à direita dirigem seus argumentos para o debate fiscal.
Os números não apontam crise fiscal
O fato de o Brasil, em 2014, ter apresentado um déficit de R$ 20,4 bilhões (0,4% do PIB) em seu balanço orçamentário primário (que exclui receitas e despesas de origem financeira) foi transformado em uma celeuma sem precedentes.
Não houve um descumprimento das metas da Lei de Diretrizes Orçamentárias porque a meta anual permitia abater dos valores originalmente previstos (R$ 116 bilhões) os recursos despendidos com o PAC e com as desonerações tributárias.
Exigir que um país apresente superávit depois de sete anos de políticas anticíclicas é absurdo. Segundo dados do FMI, Austrália, Canadá, França, Japão, Países Baixos, Nova Zelândia, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos, zona do euro, os países do G7 e os avançados do G20 apresentaram déficit primário em todos os anos da crise, desde 2009, seguidamente, até 2014. E, em 2014, o 0,4% do PIB verificado no Brasil não possui paralelo com os 7% do Japão; 2,6% da Austrália; 3,8% do Reino Unido; 3,2% dos Estados Unidos; os 2,7% médios do G7 ou os 2,6% da média do G20 Avançados. Dos grandes, apenas a Alemanha e o Brasil apresentaram superávit de 2009 a 2013.
Ademais, o Brasil acumulou superávits em sucessivos anos da crise. A lógica da ação anticíclica é exatamente exigir menos quando as condições são mais desfavoráveis. Tudo em prol da produção, do emprego e da renda.
Então o problema real não é a falta de superávit primário em 2014. Que outros indicadores fiscais poderiam indicar uma crise no país? Aqueles que defendem um ajuste fiscal com rigor bradam que a dívida pública brasileira cresce sem controle.
Até pouco tempo atrás, esses ortodoxos adotavam como parâmetro principal o endividamento líquido (dívidas menos haveres financeiros). Era um bom parâmetro para fugir do aumento explosivo da dívida mobiliária produzido pelos governos FHC. Mas esse critério não permite a construção do discurso do ajuste, pois a dívida líquida dos governos no Brasil, em relação ao PIB, passou de 36% em 2008 e para 36,7% em 2014.2 Ficou praticamente inalterada.
Hoje esse discurso se baseia na dívida bruta. Mas, entre 2008 e 2014, a dívida bruta dos governos no Brasil passou de 62% para 65% em relação ao PIB. Trata-se de um aumento pequeno depois de sete anos de ações anticíclicas – ainda mais medido sob a ótica dos resultados sociais constatados durante a crise. A real motivação para esse argumento é fustigar o aumento do endividamento derivado das medidas de acúmulo de reservas e do aumento da capacidade de financiamento do BNDES – medidas de enfrentamento da crise.
A Tabela 3 mostra os dados do aumento do endividamento dos diversos países pelo mundo. Se, no Brasil, o endividamento cresceu 3,3 pontos percentuais do PIB, no resto do mundo, dos grandes, apenas a Índia apresentou um melhor resultado. A média mundial foi um crescimento de quase 15 pontos.
Em relação à dívida bruta brasileira, ainda é preciso ressaltar alguns pontos. Recentemente, a S&P rebaixou a nota brasileira, decisão interpretada como reafirmação do descalabro do endividamento público nacional. O país tinha em julho US$ 370 bilhões de reservas. A uma cotação de R$ 3,80, essas reservas equivaleriam a R$ 1,4 trilhão, ou 26%, do PIB. Diante de uma dívida bruta de R$ 3,6 trilhões, pode-se ver que 40% dessa dívida corresponde a haveres financeiros em moeda de curso internacional. Difícil alegar dificuldades ou incertezas para seu pagamento.
O problema da dívida pública brasileira não é seu tamanho. Descontadas as reservas, ela seria inferior a 40% do PIB. O gargalo está no pagamento de juros, que este ano deve corresponder a 8% do PIB. Em 2012, quando o governo praticou os menores juros reais das últimas décadas, essa conta foi de 4,5% do PIB. Em 2013, foi de 4,8%.
Entre os economistas ortodoxos e na oposição, não se encontram críticas às altas taxas de juros. Essas vozes exigem maiores superávits primários, pois é uma boa forma de estabelecer garantias para os credores e, principalmente, um mecanismo infalível de determinar privatizações e exigir uma nova agenda de cortes de direitos sociais.
Seja por parte da S&P, seja por parte da oposição derrotada, o maior interesse é deixar o governo refém de uma agenda conservadora e, depois, ainda acusá-lo de trair seu discurso de campanha.
O governo perde na política e na narrativa
Diante do tamanho da crise, as opções políticas do governo conseguiram afastar os piores cenários, especialmente para o emprego e a renda. O país cresceu com investimentos em infraestrutura e na produção durante a maior parte desse período, apesar das dificuldades em relação ao câmbio valorizado e das disputas eleitorais e políticas.
Essa não é a compreensão das ruas. Seja pela incapacidade de dialogar com a sociedade, seja pela ação uníssona da mídia em oposição, a narrativa preponderante é pela incapacidade da ação governamental em conduzir o país a uma melhor direção.
Não se fez o discurso na hora certa e, depois que se assumiu a agenda de ajustes, encontrou-se maior dificuldade para fazê-lo. Afinal, demonstrar quão acertados foram gastos e renúncias das políticas anticíclicas afetaria a credibilidade do ajuste. São cortes e medidas recessivas quando, na verdade, a economia ainda demanda ações em prol do crescimento.
É fácil perceber que, em uma economia grande, diversificada e complexa como a nossa, faltam meios e recursos para o governo conduzir sozinho o país ao crescimento. É preciso uma ação vigorosa do setor privado. E cabe ao governo colocar os mais diversos segmentos econômicos na direção do seu projeto. Foi assim por pouco mais de uma década a partir de 2003. Foi assim durante os primeiros cinco anos desta crise.
Agora, o governo atua na direção oposta. Desde 2014, quando a política monetária acelerou a alta de juros, não houve notícias boas. A situação se agravou depois das eleições. O governo passou a orientar explicitamente as expectativas dos agentes econômicos para o efeito de suas medidas recessivas. Há apenas uma promessa de reversão do quadro. Realimentar a recessão sem apontar medidas de recuperação da produção não fomenta a crise política, agravando ainda mais a situação econômica? Quando o governo voltará a liderar expectativas pró-crescimento e pelo desenvolvimento social?
* Flávio Tonelli Vaz é assessor técnico da Câmara dos Deputados, formado em Direito e especialista em orçamentos e políticas públicas.
Notas:
1- Taxa acumulada em quatro trimestres em relação a igual período do ano anterior.
2- Segundo o BC, em dezembro de cada ano.
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