Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
A acusação de que durante o primeiro mandato do governo Dilma Rousseff o BNDES cometeu faltas em sua contabilidade que os jornalistas e políticos da oposição chamam de "pedaladas fiscais", e manteve a prática em 2015, é um argumento de natureza política - no sentido de interesseiro e enviesado.
Quando se constatou que seria complicado tentar afastar uma presidente eleita sem apontar fatos ocorridos em 2015 - como exige o artigo 86 da Constituição brasileira - tornou-se necessário arrumar um motivo que coubesse no calendário.
Ao se verificar que era difícil manter a acusação contra o Bolsa Família, já que durante todos os anos do governo Dilma este programa assegurou uma remuneração positiva ao Tesouro, chegando a R$ 141 milhões em 2014, pelos adiantamentos na conta-suprimento mantida com a Caixa Econômica, os números do BNDES tornaram-se a mais nova esperança dos adversários do governo.
Há complicadores. Para acusar, seriamente, o governo de manter uma dívida acumulada de R$ 24,5 bilhões com o BNDES, seria preciso responder a um dado fundamental: a dívida do Banco com o Tesouro é vinte vezes maior e bate em R$ 500 bilhões. Ambos pertencem ao mesmo controlador, a União. Fica difícil responder quem deve para quem, certo?
Cabe ainda lembrar que o ano 2015 não terminou e, sendo assim, fica difícil sustentar seriamente uma acusação de atraso de pagamento entre instituições públicas. Não há prazo legal para se declarar calote do governo neste tipo de transação.
O debate é político, em seu início, que é fornecer argumentos para o afastamento da presidente. E também em sua conclusão, que envolve a função de um banco como o BNDES num país como o Brasil.
A discussão contábil é uma tentativa de encontrar uma via torta para se fazer um debate necessário, numa conjuntura onde até o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima, admitiu, literalmente, que Fernando Henrique também cometeu suas pedaladas fiscais. É até escandaloso, diante do carnaval promovido em torno do assunto, mas é apenas o reconhecimento de um fato real.
A prioridade aos controles e aos programas de contenção de gastos é alimentada por um projeto de país onde o crescimento seja sempre baixo, com oportunidades limitadas para a maioria da população.
Conforme essa visão, bancos de desenvolvimento deveriam ser instituições dispensáveis, correto? Depende.
Numa economia onde a riqueza é devorada de modo insaciável pelo sistema financeiro, o BNDES não pode ser dispensado nem do programa de privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, onde cumpriu uma função essencial. Usando dinheiro do Estado para diminuir e enfraquecer o Estado, o BNDES dos tempos de FHC foi o principal financiador do programa, responsável por 26% do financiamento das compras de empresas do governo federal, e por 36% das compras das empresas dos estados.
(Pelas contas do jornalista Alysio Biondi, disponíveis no livro O Brasil Privatizado, o governo recebeu R$ 85,2 bilhões com as privatizações. Entre patrimônio, melhorias, financiamentos e várias perdas programadas, elas deixaram um custo de entregou de R$ 87,6 bilhões. Alguém falou em Bolsa Empresário?)
Usada como principal arma retórica pelos adversários do BNDES, a "Bolsa Empresário" é uma expressão criada pelo marketing dos porta-vozes da economia de mercado, e expressa um arremedo populista, como o sanduíche de mortadela que Jânio Quadros costumava devorar em seus comícios, procurando impressionar eleitores que não faziam parte de seu público real.
A demagogia destina-se a encobrir medidas econômicas corriqueiras em toda economia capitalista, onde, contrariando a ideologia do Estado mínimo, os empresários e as empresas crescem e se multiplicam sem dispensar o auxílio do Estado. Isso acontece com conglomerados siderúrgicos, empresas de telefonia, e até grupos de comunicação que publicam editoriais em tom fanático pelo mercado.
Reconstruída após a derrota na Segunda Guerra com auxílio de uma instituição formada nos mesmos moldes que inspiraram o BNDES, a Alemanha tem um banco de desenvolvimento que responde por uma carteira de clientes que é, em termos relativos, até maior que a brasileira. Atinge financiamentos que equivalem a 15,8% do PIB, contra 10,4% no Brasil, país que nunca foi devastado tropas estrangeiras, mas carrega um atraso de carências que é preciso vencer.
Uma outra comparação mostra que, mesmo com uma participação menor, o BNDES ocupa uma porção maior do mercado de crédito (21,1% contra 12,8%) para empresas do que o similar alemão. Essa diferença ajuda a entender a pressão permanente do setor financeiro privado contra o Banco. A instituição atinge um quinto dos clientes possíveis, o que é sempre uma porção digna de cobiça.
Para o Premio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, "o Brasil demonstrou na prática que um país pode sozinho, criar um banco de desenvolvimento muito eficiente. " Examinando a construção do BNDES como uma raridade a ser preservada num panorama mundial de crise, Stiglitz elogia o Banco pelo baixo índice de burocracia na tomada de decisões, e também por promover um "desenvolvimento real, sem armadilhas que permeiam velhas instituições."
Com taxas de juro altíssimas, os bancos privados brasileiros são capazes de engordar seus lucros em 46% de um ano para outro, como ocorreu entre 2014 e 2015. Mas são objetivamente incapazes de garantir crédito de longo prazo a clientes interessados em investimentos produtivos. O plano de seu negócio é oferecer pouco dinheiro, a um custo muito alto -- que não pode ser coberto pelo retorno possível da maioria das atividades autorizadas pela legislação. O BNDES responde a essa situação.
"O BNDES provê créditos a taxas compatíveis com a rentabilidade esperada pelos negócios. A dimensão do banco é um efeito da Selic alta," argumenta Marcelo Miterhof, economista do BNDES.
Falar em Bolsa-Empresário, expressão que sugere um negócio entre amigos, é um disparate, como demonstra um índice de inadimplência irrisório -- bateu em 0,06% em 2013. Outra medida é o cálculo de efetividade, que mostra o impacto do Banco sobre os investimentos em que atua. Entre 20% e 38%, conforme a fonte, a efetividade do banco não é ruim em nenhuma versão. Sua capacidade para elevar investimentos nada tem de desprezível. Entre 2010 e 2014, a taxa ficou em 20,03% do PIB.
Nascido em 1952, década em que o país deu vários passos para a construção da infraestrutura que permitiu a formação de um parque industrial respeitado mais tarde, a principal razão econômica de ser do BNDES reside na taxa de juros estruturalmente alta do país, situando-se entre as três maiores do mundo. Mas há uma razão política, também. Um banco de desenvolvimento permite combater desequilíbrios. Dá condições para orientar o crescimento para regiões carentes, e permite que os investimentos realizados com recursos públicos possam ser usados para atender a necessidades da maioria da população -- e não com base exclusivamente em cálculos imediatos sobre rentabilidade. Quando o momento econômico é ruim, o banco pode atuar no contra ciclo, impedindo a situação de ficar pior.
A tentativa de acrescentar as contas de 2015 no pedido de afastamento da presidente envolve uma questão política muito curiosa, quando se recorda os argumentos empregados quando tudo começou.
A acusação tem origem no Ministério Público de Contas. O MP de Contas sequer é reconhecido pela Constituição tem função de auxiliar do Tribunal de Contas da União, que também não é um tribunal -- mas um organismo auxiliar do Congresso Nacional, formado por políticos, ex-políticos, amigos e protegidos.
O ministro encarregado de levar a acusação do MP das Contas foi acusado, em julho, de ter recebido R$ 1 milhão do empreiteiro Ricardo Pessoa, uma dos principais envolvidos na Lava Jato. O próprio Pessoa declarou que foi pagamento de propina, para garantir uma sentença favorável na usina de Angra 3. Mesmo lembrando a regra de que toda pessoa é inocente até que se prove o contrário, seria bom que se apurasse tudo isso, não é mesmo?
A acusação de que durante o primeiro mandato do governo Dilma Rousseff o BNDES cometeu faltas em sua contabilidade que os jornalistas e políticos da oposição chamam de "pedaladas fiscais", e manteve a prática em 2015, é um argumento de natureza política - no sentido de interesseiro e enviesado.
Quando se constatou que seria complicado tentar afastar uma presidente eleita sem apontar fatos ocorridos em 2015 - como exige o artigo 86 da Constituição brasileira - tornou-se necessário arrumar um motivo que coubesse no calendário.
Ao se verificar que era difícil manter a acusação contra o Bolsa Família, já que durante todos os anos do governo Dilma este programa assegurou uma remuneração positiva ao Tesouro, chegando a R$ 141 milhões em 2014, pelos adiantamentos na conta-suprimento mantida com a Caixa Econômica, os números do BNDES tornaram-se a mais nova esperança dos adversários do governo.
Há complicadores. Para acusar, seriamente, o governo de manter uma dívida acumulada de R$ 24,5 bilhões com o BNDES, seria preciso responder a um dado fundamental: a dívida do Banco com o Tesouro é vinte vezes maior e bate em R$ 500 bilhões. Ambos pertencem ao mesmo controlador, a União. Fica difícil responder quem deve para quem, certo?
Cabe ainda lembrar que o ano 2015 não terminou e, sendo assim, fica difícil sustentar seriamente uma acusação de atraso de pagamento entre instituições públicas. Não há prazo legal para se declarar calote do governo neste tipo de transação.
O debate é político, em seu início, que é fornecer argumentos para o afastamento da presidente. E também em sua conclusão, que envolve a função de um banco como o BNDES num país como o Brasil.
A discussão contábil é uma tentativa de encontrar uma via torta para se fazer um debate necessário, numa conjuntura onde até o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima, admitiu, literalmente, que Fernando Henrique também cometeu suas pedaladas fiscais. É até escandaloso, diante do carnaval promovido em torno do assunto, mas é apenas o reconhecimento de um fato real.
A prioridade aos controles e aos programas de contenção de gastos é alimentada por um projeto de país onde o crescimento seja sempre baixo, com oportunidades limitadas para a maioria da população.
Conforme essa visão, bancos de desenvolvimento deveriam ser instituições dispensáveis, correto? Depende.
Numa economia onde a riqueza é devorada de modo insaciável pelo sistema financeiro, o BNDES não pode ser dispensado nem do programa de privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, onde cumpriu uma função essencial. Usando dinheiro do Estado para diminuir e enfraquecer o Estado, o BNDES dos tempos de FHC foi o principal financiador do programa, responsável por 26% do financiamento das compras de empresas do governo federal, e por 36% das compras das empresas dos estados.
(Pelas contas do jornalista Alysio Biondi, disponíveis no livro O Brasil Privatizado, o governo recebeu R$ 85,2 bilhões com as privatizações. Entre patrimônio, melhorias, financiamentos e várias perdas programadas, elas deixaram um custo de entregou de R$ 87,6 bilhões. Alguém falou em Bolsa Empresário?)
Usada como principal arma retórica pelos adversários do BNDES, a "Bolsa Empresário" é uma expressão criada pelo marketing dos porta-vozes da economia de mercado, e expressa um arremedo populista, como o sanduíche de mortadela que Jânio Quadros costumava devorar em seus comícios, procurando impressionar eleitores que não faziam parte de seu público real.
A demagogia destina-se a encobrir medidas econômicas corriqueiras em toda economia capitalista, onde, contrariando a ideologia do Estado mínimo, os empresários e as empresas crescem e se multiplicam sem dispensar o auxílio do Estado. Isso acontece com conglomerados siderúrgicos, empresas de telefonia, e até grupos de comunicação que publicam editoriais em tom fanático pelo mercado.
Reconstruída após a derrota na Segunda Guerra com auxílio de uma instituição formada nos mesmos moldes que inspiraram o BNDES, a Alemanha tem um banco de desenvolvimento que responde por uma carteira de clientes que é, em termos relativos, até maior que a brasileira. Atinge financiamentos que equivalem a 15,8% do PIB, contra 10,4% no Brasil, país que nunca foi devastado tropas estrangeiras, mas carrega um atraso de carências que é preciso vencer.
Uma outra comparação mostra que, mesmo com uma participação menor, o BNDES ocupa uma porção maior do mercado de crédito (21,1% contra 12,8%) para empresas do que o similar alemão. Essa diferença ajuda a entender a pressão permanente do setor financeiro privado contra o Banco. A instituição atinge um quinto dos clientes possíveis, o que é sempre uma porção digna de cobiça.
Para o Premio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, "o Brasil demonstrou na prática que um país pode sozinho, criar um banco de desenvolvimento muito eficiente. " Examinando a construção do BNDES como uma raridade a ser preservada num panorama mundial de crise, Stiglitz elogia o Banco pelo baixo índice de burocracia na tomada de decisões, e também por promover um "desenvolvimento real, sem armadilhas que permeiam velhas instituições."
Com taxas de juro altíssimas, os bancos privados brasileiros são capazes de engordar seus lucros em 46% de um ano para outro, como ocorreu entre 2014 e 2015. Mas são objetivamente incapazes de garantir crédito de longo prazo a clientes interessados em investimentos produtivos. O plano de seu negócio é oferecer pouco dinheiro, a um custo muito alto -- que não pode ser coberto pelo retorno possível da maioria das atividades autorizadas pela legislação. O BNDES responde a essa situação.
"O BNDES provê créditos a taxas compatíveis com a rentabilidade esperada pelos negócios. A dimensão do banco é um efeito da Selic alta," argumenta Marcelo Miterhof, economista do BNDES.
Falar em Bolsa-Empresário, expressão que sugere um negócio entre amigos, é um disparate, como demonstra um índice de inadimplência irrisório -- bateu em 0,06% em 2013. Outra medida é o cálculo de efetividade, que mostra o impacto do Banco sobre os investimentos em que atua. Entre 20% e 38%, conforme a fonte, a efetividade do banco não é ruim em nenhuma versão. Sua capacidade para elevar investimentos nada tem de desprezível. Entre 2010 e 2014, a taxa ficou em 20,03% do PIB.
Nascido em 1952, década em que o país deu vários passos para a construção da infraestrutura que permitiu a formação de um parque industrial respeitado mais tarde, a principal razão econômica de ser do BNDES reside na taxa de juros estruturalmente alta do país, situando-se entre as três maiores do mundo. Mas há uma razão política, também. Um banco de desenvolvimento permite combater desequilíbrios. Dá condições para orientar o crescimento para regiões carentes, e permite que os investimentos realizados com recursos públicos possam ser usados para atender a necessidades da maioria da população -- e não com base exclusivamente em cálculos imediatos sobre rentabilidade. Quando o momento econômico é ruim, o banco pode atuar no contra ciclo, impedindo a situação de ficar pior.
A tentativa de acrescentar as contas de 2015 no pedido de afastamento da presidente envolve uma questão política muito curiosa, quando se recorda os argumentos empregados quando tudo começou.
A acusação tem origem no Ministério Público de Contas. O MP de Contas sequer é reconhecido pela Constituição tem função de auxiliar do Tribunal de Contas da União, que também não é um tribunal -- mas um organismo auxiliar do Congresso Nacional, formado por políticos, ex-políticos, amigos e protegidos.
O ministro encarregado de levar a acusação do MP das Contas foi acusado, em julho, de ter recebido R$ 1 milhão do empreiteiro Ricardo Pessoa, uma dos principais envolvidos na Lava Jato. O próprio Pessoa declarou que foi pagamento de propina, para garantir uma sentença favorável na usina de Angra 3. Mesmo lembrando a regra de que toda pessoa é inocente até que se prove o contrário, seria bom que se apurasse tudo isso, não é mesmo?
O fato é que essa mírdia nativa, junto com a opósição querem limitar a ação do governo federal, impedindo que o banco financie obras de interesse da população.
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