Por Danilo Sartorello Spinola e Tulio Chiarini, no site Brasil Debate:
Na crise atual da economia brasileira voltam a surgir propostas de soluções simplistas e mágicas. Surge um muro de lamentações sobre janelas de oportunidades que se fecharam e formadores de opinião diariamente insistem em argumentos de incompetência política, inabilidade cognitiva ou ideologias inadequadas.
Extremou-se o debate radical sobre questões de economia e política: mercado x estado, privatização x estatização, democracia x outras formas de governo.
A realidade não é clara e polida como a teoria. Por isso, o estudo da história e das estruturas sociais e políticas são fundamentais para interpretar os fenômenos socioeconômicos.
Mais do que adotar um livro texto ou receita como pauta normativa, cabe compreender na realidade as necessidades, possibilidades e restrições que se apresentam na compreensão do sistema econômico e social.
Nosso diagnóstico da crise é o de que os problemas estruturais da economia brasileira – em sua condição dependente – se manifestam nos períodos em que as restrições se exacerbam.
Inserção, fragilidade e instabilidade
A inserção recente do Brasil na globalização se deu por meio de maior entrada de fluxos financeiros e por uma política macroeconômica que favoreceu a especialização produtiva em direção a setores mais intensivos em recursos naturais.
A nosso ver, tal inserção resultou em aumento da fragilidade do país frente ao sistema econômico internacional. Nos últimos anos, o período de entrada de recursos pela elevação dos preços das commodities e o comportamento especulativo de mercados secundários reduziram conjunturalmente problemas de restrição externa.
Cabe-nos indagar: o que foi feito com esses recursos que entraram? Uma lamentação vulgar nos obriga a dizer que se fez de tudo (entre políticas sociais importantes!) menos o necessário para reduzir a dependência.
Os preços dos produtos que exportamos caíram e os movimentos especulativos futuros indicam o fim da fase de ampla liquidez internacional. Resta a palavra do momento – o “ajuste”.
Mais do que o corte de gastos públicos, a palavra ajuste tem um significado mais forte e amplo. Esse contempla ajustar o país à sua “realidade”, ao seu subdesenvolvimento, reforçando as restrições mencionadas.
A nós pesquisadores, não cabe lamentar, mas investigar e propor. Considerando o caráter propositivo desse artigo, oferecemos algumas alternativas.
Propostas e oportunidades durante a crise
Primeiro ponto, a desvalorização cambial. A irregularidade do comportamento da taxa de câmbio reflete as instabilidades da nossa frágil condição. Entretanto, o câmbio desvalorizado deve ser visto como oportunidade. Pode-se pensar em mudanças estruturais para promover uma inserção externa menos dependente.
Deve-se ressaltar que taxa de câmbio não pode ser o único elemento de mudança estrutural e é fundamental aprofundar na desagregação para refletir com maior precisão os problemas do sistema.
Questões microestruturais relacionadas à imaturidade de nosso Sistema Nacional de Inovação que envolve construção de capacidades para criação e absorção de progresso técnico são centrais.
Em segundo ponto, o ajuste fiscal abre discussão sobre a estrutura tributária. Em tempos de crescimento, os ganhos cegam a forma desigual de tributação. Devido à elevada carga tributária de impostos indiretos principalmente sobre o consumo e às baixas alíquotas do imposto de renda, cria-se um sistema em que a população de baixa renda paga mais da metade de sua renda [1] em impostos (média de 30% para outras classes).
Abrir o debate de reestruturação das contas públicas com foco na progressividade tributária é uma oportunidade que não devemos deixar passar.
Cabe destacar também os efeitos concentradores dos juros altos sobre a distribuição – recursos pagos em impostos que se transferem aos detentores de riquezas, entre outros efeitos negativos de altos juros: aumento da carga de serviços financeiros do Estado; menor incentivo a investir; entrada de capitais de alta volatilidade.
A todos esses elementos se somam sua falta de êxito sobre o controle inflacionário. Uma consideração maior sobre os efeitos de altos juros dentro do debate público da sociedade brasileira se faz necessário para superar discussão mecanicista entre juros e inflação.
Em uma terceira proposta, a grande saída de recursos voláteis da economia brasileira mostra a que ponto chegou a dependência do país às agências de classificação de risco. O rebaixamento da S&P teve como resposta do governo reforçar o ajuste.
A saída desses recursos em massa reforça a crise. No entanto, após sua saída, o poder que essas agências de rating terão sobre o movimento da política pública será relativamente menor. A saída de recursos pode abrir frente para uma regulação maior por parte do governo sobre os fluxos de capitais – selecionando melhor aqueles que apontam no sentido do desenvolvimento.
Conclusão
Em resumo, buscamos evitar o tom de lamentação presente no cenário atual e propor algumas reflexões necessárias para ações de políticas públicas que possam avançar no combate às fragilidades estruturais da economia brasileira.
Sabemos que temas estruturais não se resolvem no imediatismo, mas sim pela construção de ideias e com trabalho paciente. Busca-se gerar aportes que possam compreender a crise também como oportunidade para enfocar medidas progressistas para a sociedade brasileira.
É na crise que a necessidade nos obriga a refletir sobre a realidade. Assim, abrir caminhos de esperança e de possibilidades práticas nesse período de pessimismo é importante, definindo pautas de reflexão para formação de opinião daqueles preocupados com os problemas estruturais do desenvolvimento, refutando as soluções mágicas e oportunistas.
[1] O artigo “Quem paga imposto no Brasil” nos dá uma ideia da magnitude do problema. http://brasildebate.com.br/quem-paga-imposto-no-brasil/
Na crise atual da economia brasileira voltam a surgir propostas de soluções simplistas e mágicas. Surge um muro de lamentações sobre janelas de oportunidades que se fecharam e formadores de opinião diariamente insistem em argumentos de incompetência política, inabilidade cognitiva ou ideologias inadequadas.
Extremou-se o debate radical sobre questões de economia e política: mercado x estado, privatização x estatização, democracia x outras formas de governo.
A realidade não é clara e polida como a teoria. Por isso, o estudo da história e das estruturas sociais e políticas são fundamentais para interpretar os fenômenos socioeconômicos.
Mais do que adotar um livro texto ou receita como pauta normativa, cabe compreender na realidade as necessidades, possibilidades e restrições que se apresentam na compreensão do sistema econômico e social.
Nosso diagnóstico da crise é o de que os problemas estruturais da economia brasileira – em sua condição dependente – se manifestam nos períodos em que as restrições se exacerbam.
Inserção, fragilidade e instabilidade
A inserção recente do Brasil na globalização se deu por meio de maior entrada de fluxos financeiros e por uma política macroeconômica que favoreceu a especialização produtiva em direção a setores mais intensivos em recursos naturais.
A nosso ver, tal inserção resultou em aumento da fragilidade do país frente ao sistema econômico internacional. Nos últimos anos, o período de entrada de recursos pela elevação dos preços das commodities e o comportamento especulativo de mercados secundários reduziram conjunturalmente problemas de restrição externa.
Cabe-nos indagar: o que foi feito com esses recursos que entraram? Uma lamentação vulgar nos obriga a dizer que se fez de tudo (entre políticas sociais importantes!) menos o necessário para reduzir a dependência.
Os preços dos produtos que exportamos caíram e os movimentos especulativos futuros indicam o fim da fase de ampla liquidez internacional. Resta a palavra do momento – o “ajuste”.
Mais do que o corte de gastos públicos, a palavra ajuste tem um significado mais forte e amplo. Esse contempla ajustar o país à sua “realidade”, ao seu subdesenvolvimento, reforçando as restrições mencionadas.
A nós pesquisadores, não cabe lamentar, mas investigar e propor. Considerando o caráter propositivo desse artigo, oferecemos algumas alternativas.
Propostas e oportunidades durante a crise
Primeiro ponto, a desvalorização cambial. A irregularidade do comportamento da taxa de câmbio reflete as instabilidades da nossa frágil condição. Entretanto, o câmbio desvalorizado deve ser visto como oportunidade. Pode-se pensar em mudanças estruturais para promover uma inserção externa menos dependente.
Deve-se ressaltar que taxa de câmbio não pode ser o único elemento de mudança estrutural e é fundamental aprofundar na desagregação para refletir com maior precisão os problemas do sistema.
Questões microestruturais relacionadas à imaturidade de nosso Sistema Nacional de Inovação que envolve construção de capacidades para criação e absorção de progresso técnico são centrais.
Em segundo ponto, o ajuste fiscal abre discussão sobre a estrutura tributária. Em tempos de crescimento, os ganhos cegam a forma desigual de tributação. Devido à elevada carga tributária de impostos indiretos principalmente sobre o consumo e às baixas alíquotas do imposto de renda, cria-se um sistema em que a população de baixa renda paga mais da metade de sua renda [1] em impostos (média de 30% para outras classes).
Abrir o debate de reestruturação das contas públicas com foco na progressividade tributária é uma oportunidade que não devemos deixar passar.
Cabe destacar também os efeitos concentradores dos juros altos sobre a distribuição – recursos pagos em impostos que se transferem aos detentores de riquezas, entre outros efeitos negativos de altos juros: aumento da carga de serviços financeiros do Estado; menor incentivo a investir; entrada de capitais de alta volatilidade.
A todos esses elementos se somam sua falta de êxito sobre o controle inflacionário. Uma consideração maior sobre os efeitos de altos juros dentro do debate público da sociedade brasileira se faz necessário para superar discussão mecanicista entre juros e inflação.
Em uma terceira proposta, a grande saída de recursos voláteis da economia brasileira mostra a que ponto chegou a dependência do país às agências de classificação de risco. O rebaixamento da S&P teve como resposta do governo reforçar o ajuste.
A saída desses recursos em massa reforça a crise. No entanto, após sua saída, o poder que essas agências de rating terão sobre o movimento da política pública será relativamente menor. A saída de recursos pode abrir frente para uma regulação maior por parte do governo sobre os fluxos de capitais – selecionando melhor aqueles que apontam no sentido do desenvolvimento.
Conclusão
Em resumo, buscamos evitar o tom de lamentação presente no cenário atual e propor algumas reflexões necessárias para ações de políticas públicas que possam avançar no combate às fragilidades estruturais da economia brasileira.
Sabemos que temas estruturais não se resolvem no imediatismo, mas sim pela construção de ideias e com trabalho paciente. Busca-se gerar aportes que possam compreender a crise também como oportunidade para enfocar medidas progressistas para a sociedade brasileira.
É na crise que a necessidade nos obriga a refletir sobre a realidade. Assim, abrir caminhos de esperança e de possibilidades práticas nesse período de pessimismo é importante, definindo pautas de reflexão para formação de opinião daqueles preocupados com os problemas estruturais do desenvolvimento, refutando as soluções mágicas e oportunistas.
[1] O artigo “Quem paga imposto no Brasil” nos dá uma ideia da magnitude do problema. http://brasildebate.com.br/quem-paga-imposto-no-brasil/
Se existe um momento para acertarmos a situação econômico/financeira/tributária do Brasil de uma vez por todas, este momento é agora.
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