domingo, 4 de outubro de 2015

Reforma puxou o tapete dos golpistas

Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:

Os mais jovens não se lembram do termo “tecnocrata” e poucos conhecem a doutrina da tecnocracia, que se baseia na escolha de técnicos infensos a critérios políticos para tomada de decisões e adoção de políticas públicas.

A Tecnocracia se iniciou durante o Estado Novo, que permeou a industrialização do país e as conquistas de direitos trabalhistas. O então presidente Getúlio Vargas discursou em 1931:

“A época é das assembleias especializadas, dos conselhos técnicos integrados à administração. O Estado puramente político, no sentido antigo do termo, podemos considerá-lo, atualmente, entidade amorfa, que, aos poucos, vai perdendo o valor e a significação“

Mais adiante, o aprofundamento da tecnocracia se daria com João Goulart pelas reformas de base preconizadas pelo socialismo científico, mas o presidente foi vítima de um Golpe Militar em 1964. Porém, a tecnocracia não perdeu impulso com a ditadura; ganhou.

A elite conservadora e os militares subverteram o projeto tecnocrata, adaptando-o para a realidade autoritária. Caracterizado pela busca de crescimento econômico, baseava-se na exclusão da classe trabalhadora das decisões políticas.

Desse modo, decisões que produziam concentração de renda mas que favoreciam o empresariado eram tomadas sem olhar para o aspecto social porque, tecnicamente, fortaleceriam as empresas e, assim, produziriam crescimento econômico.

Paralelamente ao endurecimento do regime, o governo militar punha em ação o plano de modernização da indústria nacional baseada na racionalidade tecnicista.

O “milagre econômico” dos anos 1970, que permitiu ao país crescer a taxas próximas a 8% ao ano, foi a face mais visível desse fenômeno. A economia cresceu na mesma medida que a concentração de renda.

O que ocorre com a tecnocracia é que despreza o fato de que, às vezes, para um país avançar ele tem que levar em conta critérios políticos em vez de técnicos. A recente reforma política dá bem a dimensão desse fenômeno.

É mais do que evidente que técnicos como o ex-ministro da Saúde Arthur Chioro (quem, apesar de ser filiado ao PT, é um técnico, médico sanitarista e professor universitário) ou o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro são excelentes técnicos, mas de que adianta ter um ministério técnico se o governo não consegue governar e se vê ameaçado de cair?

Surgiu, entre a esquerda, a teoria de que seria melhor a presidente da República aferrar-se ao purismo ideológico e “cair de pé” ou “com dignidade”. Que papo é esse? Não há dignidade alguma em jogar no lixo 54 milhões de votos sob um pretexto qualquer.

A condescendência desses setores da esquerda com a violação da democracia é assustadora. Nenhum democrata de fato pode aceitar que uma eleição seja jogada no lixo sob pretextos obscuros como “pedaladas fiscais” ou doações eleitorais a Dilma feitas por empresas envolvidas na Lava Jato simplesmente porque presidentes anteriores apelaram às tais pedaladas – e nada aconteceu – e porque aquelas empresas doaram também à oposição.

Assim, Dilma precisava recompor seu ministério sob critérios avessos à tecnocracia de forma a pôr fim à sabotagem de setores do PMDB que vêm impedindo uma medida administrativa inadiável como o ajuste fiscal, medida essa que foi bem definida pelo colunista da Folha de São Paulo Janio de Freitas em artigo recente no jornal Folha de São Paulo.

Antes de prosseguir, vale ler o lúcido artigo de Janio:

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FOLHA DE SÃO PAULO

17 de setembro de 2015

JANIO DE FREITAS

Hoje tem amanhãs

Se não for conduzido pelo atual governo, o ‘ajuste’ será feito na base do mais puro e duro neoliberalismo

As crises atraem todo o pensamento para elas, e não para o que, nelas, mais importa: o seu amanhã, os desdobramentos que persistem, historicamente, no mau hábito de fugir a todo controle. É o que estamos vendo, no impeachment sim ou não, no “ajuste” sim ou não. Como se as crises institucionais desde a morte de Getúlio, e seus desdobramentos sempre para pior, nada ensinassem para o futuro que são os nossos dias.

Políticos rasos são imediatistas. Logo, os políticos brasileiros só pensam em sua conveniência imediata. Esta é origem da tese de impeachment. A “desconstrução” que Aécio não conseguiu fazer na disputa eleitoral quer, agora, levar a oposição a obtê-la por outro meio. Sem risco, porque um novo fracasso estaria isentado de qualquer consequência funesta. A permissividade vigente na política brasileira garante.

Não se dá o mesmo com os movimentos reivindicatórios, tipo Movimento dos Sem-Terra, o dos Sem-Teto, a CUT, movimentos de professores e universitários, de funcionários públicos, enfim, aquilo tudo que muitos chamam de “a esquerda”. Ser contrários ao “ajuste” arrochante é óbvio, para eles. Mas até onde? –eis a dificuldade além do óbvio e do imediato.

O “ajuste” será com Dilma ou será com outro. Será, é ponto pacífico: no mundo político não se vislumbra segmento algum capaz de se elevar para impor correções econômicas não arrochantes. A rejeição prática e absoluta ao “ajuste” de Dilma/Levy confunde-se com o impeachment, ainda que sem tal intenção. Já é assim, e as manifestações programadas tendem a dar a esse embaralhamento evidência e força influentes.

Também por isso, mas não sobretudo por isso, Dilma impôs às duras discussões sobre cortes no Orçamento, contra a quase indiferença na equipe econômica, certa imunidade de vários programas à tesoura. Como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, assim depois destacados, entre outros, pelo próprio Levy.

Se não conduzido pelo atual governo, o “ajuste” será no mais puro e duro neoliberalismo. Caso o governo ficasse com o PMDB, estaria minado por uma falta de quadros próprios que o obrigaria a sujeitar-se às exigências direitistas do PSDB. O PMDB de hoje é numeroso e vazio. Mercantilista e vazio. Amorfo e vazio.

Caso o governo ficasse com o PSDB, por uma eleição precipitada, contaria com serviços bem pagos do PMDB, como foram os do PFL no governo precedente dos peessedebistas. Para o “ajuste” de retorno ao Brasil que começara a deixar-se superar, aos 500 anos de história.

A escolha dos movimentos reivindicatórios é óbvia? Não. É de sua índole e de sua sobrevivência que combatam o “ajuste” de Dilma. Na concepção de comando e tática desses movimentos, está sempre a ideia de que as chamadas lutas sociais e o estrato político-social que comanda o país são entidades à parte. Cada qual sabe de si e cuida de como enfrentar o outro. Fora dessa concepção, os movimentos caem na perplexidade emudecida a que o PT sucumbiu, diante do governo Lula –que em momento algum foi governo do PT.

Em qualquer destinação da crise, é muito provável o recrudescimento dos movimentos reivindicatórios organizados. Menos acirrados e duradouros, em um dos casos, e muito mais nos outros. Com que modos e até que ponto final, o Brasil está muito mudado para que se se tente imaginar. Sobre isso basta lembrar que os militares mostram-se muito mais civilizados do que os civis.


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Apesar da gritaria oportunista e sabotadora da direita e da gritaria descolada da realidade da esquerda contra o ajuste fiscal, Janio, que chegou a escrever muito contra a medida, teve o bom senso de entender que esse ajuste virá de forma controlada pelas mãos de Dilma ou descontrolada e impiedosa pelas mãos de quem for beneficiado por um eventual golpe bem sucedido, que, sem a reforma política, poderia até não acontecer, mas chegaria mais perto de acontecer, o que teria efeitos dramáticos sobre a economia.

O PMDB é um saco de gatos, como sabemos. Atualmente, divide-se, politicamente, entre aliados fieis do governo (minoria), aliados eventuais e inimigos declarados.

O grupo fiel da balança é o dos aliados eventuais. Não tem razões políticas e ideológicas próprias contra ou a favor do governo. Pauta-se por interesses pessoais. Como o grupo de Eduardo Cunha se fortaleceu muito com a queda da popularidade de Dilma, o grupo fisiológico do PMDB aderiu ao presidente da Câmara.

Cunha – que chegou a ser aliado do governo –, esperto como ele só viu na queda de popularidade do governo a chance de se safar das acusações de corrupção que surgiram contra si no âmbito da operação Lava Jato. Apesar de não ter razões pessoais para atacar, percebeu que se tornando antipetista e antigovernista conseguiria, para si, o apoio do bando de tarados que quer derrubar Dilma a qualquer preço e sob qualquer desculpa.

A oposição demo-tucana, por sua vez, comprou Cunha pelo preço de face e se uniu a alguém contra quem abundam provas materiais e testemunhais de corrupção enquanto faz discursos empolados… Contra a corrupção (!!).

Algumas matérias da Folha de São Paulo deste sábado (3), porém, mostram que esse discurso “moralista” da oposição é falso como uma nota de três reais e que, além disso, a reforma ministerial puxou o tapete dos golpistas e, de quebra, já permite vislumbrar melhora da economia, pois permitirá que, finalmente, seja feito de uma vez o necessário ajuste fiscal.

A primeira matéria trata do silêncio criminoso da oposição sobre a descoberta de onde está a propina milionária paga a Eduardo Cunha.

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FOLHA DE SÃO PAULO

3 de outubro de 2015

Oposição opta pelo silêncio sobre peemedebista

DE BRASÍLIA

Fiel escudeira do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a oposição tem preferido o silêncio sobre as denúncias que pesam contra o peemedebista, temendo que manifestações contrárias a ele inviabilizem eventual processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

Cunha tem total controle sobre o andamento dos pedidos de afastamento da petista do cargo. Nesta semana, ele arquivou cinco dos 14 que estavam sob sua mesa e disse que espera decidir sobre os demais nos próximos dias.

A oposição firmou, há semanas, um acordo velado com Cunha sobre o rito do impeachment. Para não arcar sozinho com o ônus político da decisão, ele rejeitaria o pedido do ex-petista Hélio Bicudo, chancelado pelos oposicionistas, que entrariam com um recurso ao plenário para o processo seguir em tramitação.

Criticar Cunha pelas denúncias seria arriscar quebrar esse acordo, na avaliação feita ao longo dessa semana. Integrantes dos maiores partidos de oposição afirmam estar “entre a cruz e a espada”.

“Se o abandonarmos e apoiarmos publicamente a renúncia da presidência ou a cassação do mandato dele, acabamos com qualquer possibilidade de impeachment, porque, a não ser que um oposicionista assumisse a presidência –o que é impossível– nenhum outro parlamentar dará sequência ao impeachment”, disse um deles.

As discussões sobre a situação de Cunha voltaram nesta semana com as notícias de que o deputado teria contas bancárias na Suíça.


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A segunda, a terceira e a quarta matérias da Folha que o Blog selecionou mostram que a reforma ministerial atingiu seu objetivo.

A reforma, claro, desagradou a oposição. Contentou o setor volúvel do PMDB e fez o mercado se acalmar em um momento em que o governo está gastando mais do que arrecada, o que está promovendo derrocada do conceito internacional sobre a economia brasileira.

A segunda matéria dá conta de que, agora, o PMDB volúvel – que é maioria – já fala em “reconciliação” com o governo. Para Leonardo Picciani (PMDB-RJ), líder do PMDB da Câmara, e Eunício Oliveira (PMDB-CE), líder do partido no Senado, a reforma ministerial reaproxima base aliada do governo.

Para quem não sabe, Picciani é tido como “fiel escudeiro” de Eduardo Cunha e vinha liderando a revolta peemedebista.

A terceira matéria mostra o que a reforma provocou no mundo real, ou seja, entre os agentes econômicos. Sob o título “Reforma acalma mercado e faz dólar recuar”, a matéria mostra que os agentes econômicos sabem que, agora, o ajuste fiscal vai sair e as pautas-bomba – que criam despesas em lugar da economia de que o país precisa – serão rejeitadas.

A quarta matéria, por fim, mostra que a oposição não gostou da reforma ministerial – o que, para quem quer o bem do país, é um bom sinal.

O discurso moralista da mesma oposição que, segundo a Folha, cala sobre a corrupção comprovada (pelo ministério público da Suíça) de Eduardo Cunha, acusa o governo das mesmas coisas que a esquerda pela reforma ministerial, com o diferencial de que o discurso esquerdista é sincero, apesar de equivocado.

Seja como for, o golpe voltou a ficar mais distante e o ajuste fiscal, mais próximo.

O golpe vem perdendo e ganhando força, alternadamente, desde março deste ano, quando ocorreu a primeira grande manifestação contra Dilma. De lá para cá, a possibilidade de ser desfechado comporta-se como um ioiô.

Na semana que entra, o TCU parece que vai mesmo emitir um parecer contrário às ditas “pedaladas fiscais”. Porém, como se trata de um órgão de assessoria do Congresso e não de um tribunal de fato, a interpretação que será dada pelo Legislativo a uma eventual condenação das contas do governo Dilma será dos parlamentares.

Com a reforma ministerial, a possibilidade de a maioria necessária optar pela abertura de processo de impeachment ficou bem mais distante. Apesar de Eduardo Cunha, em seu jogo em causa própria, dizer que a reforma não vai mudar a beligerância do PMDB, todos sabem que houve uma inflexão entre a parte volúvel da bancada do partido.

E como a parcela da bancada do PMDB rebelada não estava apenas dando fôlego ao golpismo, mas, também, sabotando o país votando a favor das tais pautas-bomba, essa inflexão dos peemedebistas volúveis deve, finalmente, permitir ao país equilibrar as suas contas.

Com o dólar estacionando ao redor de 4 reais e as contas públicas entrando em equilíbrio, a inflação deve cair e o investimento privado deve retornar. Com isso, a arrecadação sobe e o governo poderá voltar a investir.

Com investimento público e privado, inflação sob controle, orçamento equilibrado e dólar mais realista, gerar-se-á um círculo virtuoso que em meses irá recuperar nível de emprego e valor dos salários, preparando o país para voltar a crescer, no máximo, até 2017.

Oposição (à direita e à esquerda) e setores da mídia – e, por incrível que pareça, um setor amalucado da sociedade civil –, porém, não querem que o país se recupere porque tal recuperação ajudaria a Dilma, a Lula e ao PT a recuperarem popularidade.

O governo Dilma, porém, conseguiu usar a única arma que lhe restava para melhorar a economia e extirpar a sabotagem política: a caneta. A reforma ministerial foi uma medida legítima e que, ao fim e ao cabo, será melhor para todos.

Quem viver, verá.

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