Por Carlos Drummond, na revista CartaCapital:
Festejada no Brasil como um avanço do mundo e mais uma evidência do atraso do País, a aprovação preliminar do Tratado Transpacífico, TPP na sigla em inglês, representa uma renúncia sem precedentes ao poder dos Estados nacionais em favor das empresas privadas.
O acordo de comércio, patentes e direitos autorais inclui Estados Unidos, Japão, México, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Malásia, Cingapura, Vietnã, Brunei, Chile e Peru, com 40% do PIB mundial e população total de 792 milhões de habitantes.
Acertado entre representantes empresariais e de governos, agora depende das aprovações dos Parlamentos para entrar em vigor. Nada está garantido. “A Nova Zelândia contestou a política do Canadá e dos Estados Unidos para o setor de laticínios. A Austrália não gosta da condução do comércio de açúcar pelo México e os EUA. Os americanos repelem a política de comércio de arroz do Japão. Esses setores têm o apoio de significativos contingentes de eleitores nos seus respectivos países”, contabiliza o Nobel de Economia Joseph Stiglitz.
As dissonâncias têm a ver com a condução do processo, à margem da sociedade. “O acordo foi decidido pelas transnacionais, Wall Street e advogados. Os Estados, isto é, a sociedade será obrigada a compensar quaisquer perdas de lucros resultantes de regulações das nações”, resume o economista Robert Reich, da Universidade da Califórnia.
“Qualquer empresa poderá desafiar regulações do governo, sob alegação de redução injusta dos seus lucros, mesmo se os seus produtos forem inseguros, provocarem emissões tóxicas e prejuízos para os trabalhadores.” O regime de fast track, defendido com vigor pelo presidente Barack Obama para aprovação rápida do TPP nos Estados Unidos, visou só “barrar a reação da sociedade”.
“Há extrema preocupação com os perigos das negociações conduzidas por cinco anos sob sigilo, sem supervisão da mídia, do público e dos Parlamentos”, diz Lori Wallach, diretora da Global Trade Watch, organização de supervisão do comércio mundial. Parte da documentação foi divulgada pelo site de denúncias WikiLeaks.
“O texto vazado revela que o TPP expandirá o sistema de tribunais para estabelecimento de disputas extrajudiciais investidor versus Estado. Milhares de firmas estrangeiras serão elevadas ao mesmo status de governos soberanos para a aplicação privada de um tratado público por uma via que contorna as cortes e leis domésticas e desafia diretamente os governos em tribunais estrangeiros.”
O tratado pode lançar cerca de 9 mil empresas estrangeiras nos Estados Unidos em disputas extrajudiciais com o governo, e 19 mil firmas locais em demandas contra outras administrações signatárias, calcula a Global Trade Watch. Os tribunais terão poderes para determinar pagamentos de fundos governamentais ilimitados a investidores estrangeiros por reclamações baseadas no TPP.
Para o economista Dean Baker, diretor do Center for Economic and Policy Research, de Washington, o TPP não é um tratado comercial. As barreiras formais entre os participantes são baixas, e isso significa não existir muito espaço para reduções adicionais.
“Esse acordo é principalmente sobre o estabelecimento de uma estrutura de regulação favorável aos negócios e envolve crescentes barreiras na forma de proteções de direitos autorais e patentes mais fortes e de maior duração.”
Os senadores Joe Manchin e Elizabeth Warren exigiram, sem sucesso, a divulgação de uma cópia do tratado. Os congressistas puderam ler o texto em uma sala segura, mas sob restrições que tornavam quase impossível entender o seu teor, desde exigências descabidas para a aceitação de assessores dos parlamentares até a proibição de copiar ou tomar nota. “Podíamos anotar, mas éramos obrigados a devolver a anotação”, protestou Warren.
Para a senadora, o TPP deverá anular os esforços para reformar Wall Street e conter o potencial de geração de crises pelo setor financeiro. “Com milhões de famílias ainda na luta para se recuperar do último colapso financeiro e da grande recessão que a seguiu, não podemos permitir um acordo comercial que solapa a capacidade do governo de proteger a economia americana.”
Em um estudo sobre o TPP, o economista John Miller, do Wheaton College, aponta exemplos de processos extrajudiciais hoje esporádicos que se tornariam corriqueiros sob o tratado. A Philip Morris processou os governos da Austrália e do Uruguai sob alegação de queda dos lucros em consequência de campanhas antitabagismo.
A empresa Vattenfall entrou com uma ação por perdas de 3,7 bilhões de dólares em lucros futuros contra o governo da Alemanha pela suspensão de uma planta nuclear após o desastre de Fukushima, no Japão. A indústria petrolífera Lone Pine Resources exige 250 milhões de dólares do governo de Quebec, no Canadá, por normas para a exploração de óleo e gás.
O pré-acordo do TPP e a retomada da discussão em torno do Tratado Transatlântico, TTIP na sigla em inglês, entre os EUA e a União Europeia, reforçaram a mobilização de empresários e do governo brasileiro por um entendimento entre o Mercosul e os europeus. A troca de ofertas entre os dois blocos deve ocorrer em novembro.
Até os defensores desse acordo reconhecem que ele trará efeitos negativos para a manufatura brasileira. Um estudo da Confederação Nacional da Indústria aponta a possibilidade de perda de 3% do PIB de 14 setores. Os críticos da negociação receiam o aniquilamento da indústria e a perda de autonomia do governo na definição de políticas.
Para o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, alto-representante-geral do Mercosul, o acordo igualaria o tratamento do capital instalado no Brasil àquele das multinacionais da União Europeia e, com a queda da barreira de impostos de 35% para veículos importados, poderia provocar o retorno de montadoras aos países de origem.
Com uma redução para zero das tarifas industriais em 90% dos itens de cada uma delas, o Brasil perderia, devido às alíquotas serem mais baixas na Europa. Mantidas as ofertas anteriores da UE de cotas agrícolas, os montantes seriam inferiores ao atualmente exportado pelo Mercosul. A redução tarifária seria, em boa medida, inócua, pois o comércio significativo se dá entre empresas. “Nenhum país hoje desenvolvido praticou o livre-comércio”, diz Guimarães.
“Dizem que o Mercosul está estagnado. Até agora, cresceu 12 vezes e o comércio mundial, cinco vezes, desde a formação do bloco”, apontou o ex-ministro Celso Amorin em maio, no Fórum Brasil, promovido por CartaCapital.
“Não acho que a exportação brasileira vá crescer muito com os acordos comerciais, principalmente com aqueles firmados com países ricos”, disse. “O Brasil luta, obstinadamente, pela conclusão da Rodada de Doha, da Organização Mundial do Comércio, por considerar que é o melhor para os países em desenvolvimento.”
O histórico de acordos justifica apreensões. O Nafta, firmado entre México, Estados Unidos e Canadá, destruiu a agricultura mexicana e obrigou o país a importar milho americano.
Segundo um estudo da Organização Mundial da Saúde, “as propostas do TPP poderão permitir a apropriação de um grande número de patentes de medicamentos e tecnologias médicas e isso criará mais barreiras para a produção de genéricos”.
Caso seja adotado, “terá grandes implicações para a saúde pública e o acesso aos medicamentos. Interesses comerciais terão precedência sobre a proteção da saúde e o desenvolvimento humano”.
Diante da crítica e do intenso debate em torno do TPP entre os próprios signatários, a reverência desinformada ao acordo no Brasil chega a ser desconcertante.
O acordo de comércio, patentes e direitos autorais inclui Estados Unidos, Japão, México, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Malásia, Cingapura, Vietnã, Brunei, Chile e Peru, com 40% do PIB mundial e população total de 792 milhões de habitantes.
Acertado entre representantes empresariais e de governos, agora depende das aprovações dos Parlamentos para entrar em vigor. Nada está garantido. “A Nova Zelândia contestou a política do Canadá e dos Estados Unidos para o setor de laticínios. A Austrália não gosta da condução do comércio de açúcar pelo México e os EUA. Os americanos repelem a política de comércio de arroz do Japão. Esses setores têm o apoio de significativos contingentes de eleitores nos seus respectivos países”, contabiliza o Nobel de Economia Joseph Stiglitz.
As dissonâncias têm a ver com a condução do processo, à margem da sociedade. “O acordo foi decidido pelas transnacionais, Wall Street e advogados. Os Estados, isto é, a sociedade será obrigada a compensar quaisquer perdas de lucros resultantes de regulações das nações”, resume o economista Robert Reich, da Universidade da Califórnia.
“Qualquer empresa poderá desafiar regulações do governo, sob alegação de redução injusta dos seus lucros, mesmo se os seus produtos forem inseguros, provocarem emissões tóxicas e prejuízos para os trabalhadores.” O regime de fast track, defendido com vigor pelo presidente Barack Obama para aprovação rápida do TPP nos Estados Unidos, visou só “barrar a reação da sociedade”.
“Há extrema preocupação com os perigos das negociações conduzidas por cinco anos sob sigilo, sem supervisão da mídia, do público e dos Parlamentos”, diz Lori Wallach, diretora da Global Trade Watch, organização de supervisão do comércio mundial. Parte da documentação foi divulgada pelo site de denúncias WikiLeaks.
“O texto vazado revela que o TPP expandirá o sistema de tribunais para estabelecimento de disputas extrajudiciais investidor versus Estado. Milhares de firmas estrangeiras serão elevadas ao mesmo status de governos soberanos para a aplicação privada de um tratado público por uma via que contorna as cortes e leis domésticas e desafia diretamente os governos em tribunais estrangeiros.”
O tratado pode lançar cerca de 9 mil empresas estrangeiras nos Estados Unidos em disputas extrajudiciais com o governo, e 19 mil firmas locais em demandas contra outras administrações signatárias, calcula a Global Trade Watch. Os tribunais terão poderes para determinar pagamentos de fundos governamentais ilimitados a investidores estrangeiros por reclamações baseadas no TPP.
Para o economista Dean Baker, diretor do Center for Economic and Policy Research, de Washington, o TPP não é um tratado comercial. As barreiras formais entre os participantes são baixas, e isso significa não existir muito espaço para reduções adicionais.
“Esse acordo é principalmente sobre o estabelecimento de uma estrutura de regulação favorável aos negócios e envolve crescentes barreiras na forma de proteções de direitos autorais e patentes mais fortes e de maior duração.”
Os senadores Joe Manchin e Elizabeth Warren exigiram, sem sucesso, a divulgação de uma cópia do tratado. Os congressistas puderam ler o texto em uma sala segura, mas sob restrições que tornavam quase impossível entender o seu teor, desde exigências descabidas para a aceitação de assessores dos parlamentares até a proibição de copiar ou tomar nota. “Podíamos anotar, mas éramos obrigados a devolver a anotação”, protestou Warren.
Para a senadora, o TPP deverá anular os esforços para reformar Wall Street e conter o potencial de geração de crises pelo setor financeiro. “Com milhões de famílias ainda na luta para se recuperar do último colapso financeiro e da grande recessão que a seguiu, não podemos permitir um acordo comercial que solapa a capacidade do governo de proteger a economia americana.”
Em um estudo sobre o TPP, o economista John Miller, do Wheaton College, aponta exemplos de processos extrajudiciais hoje esporádicos que se tornariam corriqueiros sob o tratado. A Philip Morris processou os governos da Austrália e do Uruguai sob alegação de queda dos lucros em consequência de campanhas antitabagismo.
A empresa Vattenfall entrou com uma ação por perdas de 3,7 bilhões de dólares em lucros futuros contra o governo da Alemanha pela suspensão de uma planta nuclear após o desastre de Fukushima, no Japão. A indústria petrolífera Lone Pine Resources exige 250 milhões de dólares do governo de Quebec, no Canadá, por normas para a exploração de óleo e gás.
O pré-acordo do TPP e a retomada da discussão em torno do Tratado Transatlântico, TTIP na sigla em inglês, entre os EUA e a União Europeia, reforçaram a mobilização de empresários e do governo brasileiro por um entendimento entre o Mercosul e os europeus. A troca de ofertas entre os dois blocos deve ocorrer em novembro.
Até os defensores desse acordo reconhecem que ele trará efeitos negativos para a manufatura brasileira. Um estudo da Confederação Nacional da Indústria aponta a possibilidade de perda de 3% do PIB de 14 setores. Os críticos da negociação receiam o aniquilamento da indústria e a perda de autonomia do governo na definição de políticas.
Para o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, alto-representante-geral do Mercosul, o acordo igualaria o tratamento do capital instalado no Brasil àquele das multinacionais da União Europeia e, com a queda da barreira de impostos de 35% para veículos importados, poderia provocar o retorno de montadoras aos países de origem.
Com uma redução para zero das tarifas industriais em 90% dos itens de cada uma delas, o Brasil perderia, devido às alíquotas serem mais baixas na Europa. Mantidas as ofertas anteriores da UE de cotas agrícolas, os montantes seriam inferiores ao atualmente exportado pelo Mercosul. A redução tarifária seria, em boa medida, inócua, pois o comércio significativo se dá entre empresas. “Nenhum país hoje desenvolvido praticou o livre-comércio”, diz Guimarães.
“Dizem que o Mercosul está estagnado. Até agora, cresceu 12 vezes e o comércio mundial, cinco vezes, desde a formação do bloco”, apontou o ex-ministro Celso Amorin em maio, no Fórum Brasil, promovido por CartaCapital.
“Não acho que a exportação brasileira vá crescer muito com os acordos comerciais, principalmente com aqueles firmados com países ricos”, disse. “O Brasil luta, obstinadamente, pela conclusão da Rodada de Doha, da Organização Mundial do Comércio, por considerar que é o melhor para os países em desenvolvimento.”
O histórico de acordos justifica apreensões. O Nafta, firmado entre México, Estados Unidos e Canadá, destruiu a agricultura mexicana e obrigou o país a importar milho americano.
Segundo um estudo da Organização Mundial da Saúde, “as propostas do TPP poderão permitir a apropriação de um grande número de patentes de medicamentos e tecnologias médicas e isso criará mais barreiras para a produção de genéricos”.
Caso seja adotado, “terá grandes implicações para a saúde pública e o acesso aos medicamentos. Interesses comerciais terão precedência sobre a proteção da saúde e o desenvolvimento humano”.
Diante da crítica e do intenso debate em torno do TPP entre os próprios signatários, a reverência desinformada ao acordo no Brasil chega a ser desconcertante.
E os chilenos mais uma vez foram enrolados pelos americanos...
ResponderExcluir