Da revista Fórum:
A professora universitária Lola Aronovich, autora da página Escreva Lola Escreva, um dos blogues feministas de maior expressão no Brasil, é mais uma vez alvo de ataques cibernéticos. No início do mês, foi criado, em seu nome, um site que prega discursos de ódio, como a apologia ao infanticídio de meninos, por exemplo. Após atingir repercussão na internet ao longo dos últimos dias, o “Lola Escreva Lola” foi tirado do ar.
O blogue trazia posts que incentivavam a queima de bíblias, nos quais o perfil falso que se fazia passar pela autora dizia vender Misoprostol, o medicamento mais utilizado para a realização de abortos. Em texto publicado ontem (2), a professora nega qualquer tipo de envolvimento com a página, que diz ter sido feita para incriminá-la, e reúne provas de que o responsável pela ação é Marcelo Valle Silveira Mello, um dos mais famosos incitadores de ódio da internet brasileira. No último dia 8, inclusive, a blogueira já havia registrado um boletim de ocorrência contra Mello por conta do site.
Embora Aronovich tenha afirmado de todas as maneiras não ter relação nenhuma com o “Lola Escreva Lola” , figuras como o cantor Roger, do Ultraje a Rigor, e Olavo de Carvalho divulgaram o blogue em seus perfis no Twitter, o que, segundo ela, contribuiu para que o site viralizasse. “Vale tudo para caluniar feministas e pessoas de esquerda, mesmo espalhar mentiras sabendo que são mentiras. Grande parte dos reaças quer acreditar que um dos maiores blogs feministas do país defende infanticídio de meninos. Assim fica mais fácil rotular. Se eles lessem meu blog, ficariam confusos com textos que não excluem ninguém e que nunca pregaram qualquer tipo de ódio a homens ou a quem quer que seja (nem a mascus e reaças que me difamam e me ameaçam de morte e estupro desde 2011)”, escreveu.
Diante das ameaças que recebe dos chamados masculinistas, Lola decidiu, no início do ano, recorrer à polícia. Leia mais na entrevista que concedeu à Fórum sobre o assunto.
*****
Lola Aronovich: “Calar não é uma opção”
Por Jarid Arraes - Janeiro de 2015
Diante de um contexto tão sério, você acha que recebe apoio suficiente de outras feministas e grupos militantes? Além das feministas, algum grupo de esquerda manifesta apoio a você?
Infelizmente, tem muita feminista e muitos coletivos feministas para os quais o lema “mexeu com uma, mexeu com todas” só vale para as amigas. Tem feminista que acha bem feito eu ser ameaçada; afinal, quem mandou ter um blog conhecido, quem mandou mexer com mascu? Parece ridículo, mas não é só por ser feminista que a gente se torna uma pessoa mais solidária, com mais empatia. E talvez a minha postura diante das ameaças, de não me deixar amedrontar, faça com que muitas feministas não se preocupem. Recebo apoio individual; coletivo, só muito raramente, tanto de feministas quanto de grupos de esquerda.
Como você avalia o envolvimento policial em casos como esse? No Ceará isso é mais complicado do que em outros locais do país, onde existem delegacias especializadas em crimes virtuais?
Sinceramente, não sei. Fiz um boletim de ocorrência em janeiro de 2012, três anos atrás, quando as ameaças se intensificaram. Na época, eu tinha suspeitas sobre quem estaria fazendo essas ameaças, e o B.O. foi mais para que a polícia investigasse e chegasse aos misóginos que estavam “tocando o terror” com um site de ódio. Felizmente, poucos meses depois, dois deles foram presos pela Operação Intolerância, da Polícia Federal. Ambos foram condenados a seis anos e meio de prisão, mas saíram em maio de 2013. Agora, no penúltimo dia de 2014, quando fiz outro B.O., após receber vários trotes telefônicos com ameaças para a minha casa, já fui com dois nomes completos, CPF, cidade onde vivem. Então não é preciso investigação. A escrivã me explicou que eles serão chamados para depor nas delegacias de suas cidades. Mas já me disseram que devo também abrir uma ação cível.
O que tem a dizer para outras feministas que vivenciam violências como as que você sofre? Como acha que devem agir?
Eu sei o quanto é difícil, sei como nos sentimos impotentes diante de tanto ódio, mas não se calem. Calar não é uma opção. É o que eles querem. E fechar um blog por causa de ameaças equivale a dizer “vocês venceram”. A maior parte desses misóginos ladra mas não morde. Eles se valem dessa impunidade, do anonimato, da terra sem lei que ainda é a internet brasileira para aterrorizar mulheres. Então, não se deixem aterrorizar. Não se abalem. No máximo, ponham um cadeado no Twitter por uns dias, até que a poeira abaixe, fechem temporariamente a página no Facebook, desabilitem por um tempo os comentários do blog, mandem alguns e-mails direto pra caixa de spam. E registrem essas ameaças. Contem pra suas amigas e amigos e colegas e feministas em geral. Se quem está ameaçando tem nome, espalhem o nome dele. Mas não se calem. Não temos programas de TV ou colunas em jornais, mas temos milhares de veículos feministas, e com muita voz, na internet. Esta é a nossa força, e quem está intimidado com o barulho que causamos são eles. É esta força que querem tirar da gente. Não podemos deixar.
A professora universitária Lola Aronovich, autora da página Escreva Lola Escreva, um dos blogues feministas de maior expressão no Brasil, é mais uma vez alvo de ataques cibernéticos. No início do mês, foi criado, em seu nome, um site que prega discursos de ódio, como a apologia ao infanticídio de meninos, por exemplo. Após atingir repercussão na internet ao longo dos últimos dias, o “Lola Escreva Lola” foi tirado do ar.
O blogue trazia posts que incentivavam a queima de bíblias, nos quais o perfil falso que se fazia passar pela autora dizia vender Misoprostol, o medicamento mais utilizado para a realização de abortos. Em texto publicado ontem (2), a professora nega qualquer tipo de envolvimento com a página, que diz ter sido feita para incriminá-la, e reúne provas de que o responsável pela ação é Marcelo Valle Silveira Mello, um dos mais famosos incitadores de ódio da internet brasileira. No último dia 8, inclusive, a blogueira já havia registrado um boletim de ocorrência contra Mello por conta do site.
Embora Aronovich tenha afirmado de todas as maneiras não ter relação nenhuma com o “Lola Escreva Lola” , figuras como o cantor Roger, do Ultraje a Rigor, e Olavo de Carvalho divulgaram o blogue em seus perfis no Twitter, o que, segundo ela, contribuiu para que o site viralizasse. “Vale tudo para caluniar feministas e pessoas de esquerda, mesmo espalhar mentiras sabendo que são mentiras. Grande parte dos reaças quer acreditar que um dos maiores blogs feministas do país defende infanticídio de meninos. Assim fica mais fácil rotular. Se eles lessem meu blog, ficariam confusos com textos que não excluem ninguém e que nunca pregaram qualquer tipo de ódio a homens ou a quem quer que seja (nem a mascus e reaças que me difamam e me ameaçam de morte e estupro desde 2011)”, escreveu.
Diante das ameaças que recebe dos chamados masculinistas, Lola decidiu, no início do ano, recorrer à polícia. Leia mais na entrevista que concedeu à Fórum sobre o assunto.
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Lola Aronovich: “Calar não é uma opção”
Por Jarid Arraes - Janeiro de 2015
Lola Aronovich, professora de Literatura e Língua Inglesa na Universidade Federal do Ceará (UFC), é responsável pela página “Escreva Lola Escreva”, o blogue feminista com maior visibilidade no Brasil. Em sua atuação como feminista, Lola vem recebendo ameaças e ataques organizados há mais de três anos. Por isso, em 2015 ela tomou uma atitude: em busca de providências legais, Lola registrou um Boletim de Ocorrência e vem se organizando para processar o apresentador Danilo Gentili, que na última terça-feira (6) exibiu uma foto manipulada da blogueira sem sua autorização.
Na tarde da última sexta-feira (9), foi realizado um tuitaço com a hashtag #PorqueNaoMeCalo, com a participação de internautas feministas e leitores da professora universitária. A ex-candidata à presidência da República pelo Psol, Luciana Genro, também manifestou seu apoio a Lola Aronovich.
Sabendo de outras autoras feministas na internet que também vivenciam ataques organizados, Lola contou à Fórum tudo o que tem enfrentado. A íntegra da entrevista pode ser lida abaixo:
Lola, você é sem dúvida a feminista brasileira com mais visibilidade na internet. Como se sente ao ocupar tal posição? É algo que deseja?
Ser autora do que parece ser o maior blog feminista do Brasil tem seu lado bom e ruim. O ruim é que você atrai todo tipo de maluco que não sabe nada de feminismo. Você passa a ser a única feminista que ele “conhece”, e no fundo ele nem lê seu blog. Ele só assume que você é uma odiadora de homens. E muitos desses caras realmente querem te calar, te machucar. O lado bom é o reconhecimento, porque manter um blog com atualizações diárias, e sem viver disso, sem qualquer equipe, é realmente difícil. Portanto, você passa a ser uma referência, mesmo que não queira. E tem que tomar mais cuidado, ter mais responsabilidade. Em compensação, você é chamada pra várias palestras e acaba conhecendo muita gente bacana e competente. Na verdade, nunca tive qualquer ambição de fazer um blog famoso. A única ambição era fazer um blog em que eu pudesse falar sobre o que quisesse.
Sua visibilidade também te traz situações ruins, como as ameaças e ataques online que sofre de masculinistas. Há quanto tempo vem sofrendo essas ameaças e como elas chegam até você?
Exato, eu adoraria não receber esses ataques. Trolls eu tenho desde quando comecei o blog, em janeiro de 2008. Acho que uns dois meses depois eles já estavam lá na caixa de comentários, cumprindo ponto. E são sempre iguais: sempre homens, brancos, cis, héteros, misóginos, racistas, homofóbicos, gordofóbicos, e de extrema-direita. Mas no começo eram poucos, tanto que só passei a moderar comentários a partir de junho de 2012. As ameaças, porém, começaram bem antes, no início de 2011. Algumas vêm por e-mail e Twitter (felizmente, não estou no Facebook); outras, em comentários não aprovados no blog; outras, em sites de ódio. Muitas aparecem em chans. Eu nunca saberia da existência de um chan dos mascus sanctos [o grupo mais extremista e criminoso entre os masculinistas] se o dono do chan não enviasse sempre o endereço pra mim. Ou seja, ele quer que eu acompanhe o chan para acompanhar as ameaças, que são praticamente diárias.
Em algum momento já temeu realmente por sua segurança e integridade física? Já teve motivos para achar que os masculinistas e grupos misóginos de fato fariam algo contra você?
É difícil não se deixar afetar quando são tantas ameaças. Eles espalham por toda a internet meu endereço residencial, meu telefone, põem foto da fachada da minha casa, que eles pegam no Google Satellite. Eu fico receosa porque já aconteceu. O massacre de Realengo foi um ato causado por um masculinista. E, no mundo, principalmente nos EUA, há vários casos de misóginos que cometem feminicídios. Eu temo que um desses rapazes que tem uma vida tão miserável, tão solitária e sem sentido, queira se exibir pros outros me matando. Eles estão quase competindo pra ver quem irá pichar o muro de casa. E, às vezes, quando vou dar alguma palestra, recebo ameaça de que eu serei um alvo-fácil naquela universidade. Então, de certa forma, isso entra na sua cabeça. Eu não deixo de fazer nada por conta das ameaças, não perco meu sono, não tenho medo, mas me pego às vezes olhando pro lado ao andar na rua, sabe? Outro dia li a Jessica Valenti, uma feminista americana famosa, dizer que, por causa das ameaças, ela sempre tem um pouco de receio quando algum homem quer abraçá-la após uma palestra. Eu não chego a tanto, mas às vezes penso: “E se realmente acontecesse? E se uma das centenas de ameaças que recebo se concretizasse? Imagina que absurdo ser morta por ter um blog feminista!”.
Na tarde da última sexta-feira (9), foi realizado um tuitaço com a hashtag #PorqueNaoMeCalo, com a participação de internautas feministas e leitores da professora universitária. A ex-candidata à presidência da República pelo Psol, Luciana Genro, também manifestou seu apoio a Lola Aronovich.
Sabendo de outras autoras feministas na internet que também vivenciam ataques organizados, Lola contou à Fórum tudo o que tem enfrentado. A íntegra da entrevista pode ser lida abaixo:
Lola, você é sem dúvida a feminista brasileira com mais visibilidade na internet. Como se sente ao ocupar tal posição? É algo que deseja?
Ser autora do que parece ser o maior blog feminista do Brasil tem seu lado bom e ruim. O ruim é que você atrai todo tipo de maluco que não sabe nada de feminismo. Você passa a ser a única feminista que ele “conhece”, e no fundo ele nem lê seu blog. Ele só assume que você é uma odiadora de homens. E muitos desses caras realmente querem te calar, te machucar. O lado bom é o reconhecimento, porque manter um blog com atualizações diárias, e sem viver disso, sem qualquer equipe, é realmente difícil. Portanto, você passa a ser uma referência, mesmo que não queira. E tem que tomar mais cuidado, ter mais responsabilidade. Em compensação, você é chamada pra várias palestras e acaba conhecendo muita gente bacana e competente. Na verdade, nunca tive qualquer ambição de fazer um blog famoso. A única ambição era fazer um blog em que eu pudesse falar sobre o que quisesse.
Sua visibilidade também te traz situações ruins, como as ameaças e ataques online que sofre de masculinistas. Há quanto tempo vem sofrendo essas ameaças e como elas chegam até você?
Exato, eu adoraria não receber esses ataques. Trolls eu tenho desde quando comecei o blog, em janeiro de 2008. Acho que uns dois meses depois eles já estavam lá na caixa de comentários, cumprindo ponto. E são sempre iguais: sempre homens, brancos, cis, héteros, misóginos, racistas, homofóbicos, gordofóbicos, e de extrema-direita. Mas no começo eram poucos, tanto que só passei a moderar comentários a partir de junho de 2012. As ameaças, porém, começaram bem antes, no início de 2011. Algumas vêm por e-mail e Twitter (felizmente, não estou no Facebook); outras, em comentários não aprovados no blog; outras, em sites de ódio. Muitas aparecem em chans. Eu nunca saberia da existência de um chan dos mascus sanctos [o grupo mais extremista e criminoso entre os masculinistas] se o dono do chan não enviasse sempre o endereço pra mim. Ou seja, ele quer que eu acompanhe o chan para acompanhar as ameaças, que são praticamente diárias.
Em algum momento já temeu realmente por sua segurança e integridade física? Já teve motivos para achar que os masculinistas e grupos misóginos de fato fariam algo contra você?
É difícil não se deixar afetar quando são tantas ameaças. Eles espalham por toda a internet meu endereço residencial, meu telefone, põem foto da fachada da minha casa, que eles pegam no Google Satellite. Eu fico receosa porque já aconteceu. O massacre de Realengo foi um ato causado por um masculinista. E, no mundo, principalmente nos EUA, há vários casos de misóginos que cometem feminicídios. Eu temo que um desses rapazes que tem uma vida tão miserável, tão solitária e sem sentido, queira se exibir pros outros me matando. Eles estão quase competindo pra ver quem irá pichar o muro de casa. E, às vezes, quando vou dar alguma palestra, recebo ameaça de que eu serei um alvo-fácil naquela universidade. Então, de certa forma, isso entra na sua cabeça. Eu não deixo de fazer nada por conta das ameaças, não perco meu sono, não tenho medo, mas me pego às vezes olhando pro lado ao andar na rua, sabe? Outro dia li a Jessica Valenti, uma feminista americana famosa, dizer que, por causa das ameaças, ela sempre tem um pouco de receio quando algum homem quer abraçá-la após uma palestra. Eu não chego a tanto, mas às vezes penso: “E se realmente acontecesse? E se uma das centenas de ameaças que recebo se concretizasse? Imagina que absurdo ser morta por ter um blog feminista!”.
Diante de um contexto tão sério, você acha que recebe apoio suficiente de outras feministas e grupos militantes? Além das feministas, algum grupo de esquerda manifesta apoio a você?
Infelizmente, tem muita feminista e muitos coletivos feministas para os quais o lema “mexeu com uma, mexeu com todas” só vale para as amigas. Tem feminista que acha bem feito eu ser ameaçada; afinal, quem mandou ter um blog conhecido, quem mandou mexer com mascu? Parece ridículo, mas não é só por ser feminista que a gente se torna uma pessoa mais solidária, com mais empatia. E talvez a minha postura diante das ameaças, de não me deixar amedrontar, faça com que muitas feministas não se preocupem. Recebo apoio individual; coletivo, só muito raramente, tanto de feministas quanto de grupos de esquerda.
Recebo apoio na internet de políticas importantes, como Manuela D’Ávila, Maria do Rosário, Luciana Genro. E isso é muito bom, claro, sentir que você não está sozinha. Hoje (9/1), a Juliana Lobo, uma moça com 250 seguidores, organizou um tuitaço chamado #PorqueNãoMeCalo, para apoiar a mim e a todas as outras mulheres que são atacadas virtualmente. E tanta gente participou que a tag foi parar nos Trending Topics. Nunca esperava tamanha adesão. Foi uma surpresa mesmo, sinal de que nosso ativismo é forte, que unidas podemos muito. Acho que nunca me senti tão apoiada na vida.
Por que é tão difícil mobilizar a esquerda e as feministas brasileiras para que te ofereçam um suporte maior? Você acha que esse silêncio tem a ver com discordâncias e conflitos internos nos debates que existem no contexto militante?
Realmente não sei. Gostaria que meu caso fosse usado para partir para um suporte maior a todas as mulheres, porque a gente sabe que, no mundo machista em que vivemos, só o fato de ter um avatar feminino já te torna um alvo, independente do que você diga. A gente vê muitas discussões sobre o Marco Civil, sobre o Twitter ter uma parceria maior com quem denuncia, sobre leis sendo pensadas, mas ainda estamos engatinhando. Até que uma ação efetiva seja tomada, acho que vai levar tempo. O Facebook, por exemplo, continua uma tragédia. Há milhares de páginas com conteúdo misógino e até ameaças que não são derrubadas, apesar das denúncias. Enfim, considero um erro estratégico de muitas feministas ignorarem o meu caso, que está tão na cara. Se um misógino me matar, aí elas falarão? Se mobilizarão para tentar criar alguma lei que beneficie a todos os grupos historicamente perseguidos? Gostaria que não fosse preciso chegar a este ponto, porque não tenho vocação pra ser mártir. Gostaria que deixássemos as discordâncias e picuinhas pessoais de lado para realmente fazer alguma coisa. Não só por mim, evidentemente, já que tudo isso é muito maior que eu.
Agora você decidiu processar o Danilo Gentili, que divulgou uma imagem sua manipulada e sem autorização com intenção de debochar de você, e também oficializou um Boletim de Ocorrência contra alguns masculinistas que te ameaçam. Como tem observado a reação da esquerda e das feministas brasileiras? Há algum receio?
Não conheço nenhuma feminista que goste do Danilo Gentili ou dos mascus (quero dizer, conheço uma que namora um mascu declarado, mas é um caso fora da curva). Desconheço alguma feminista que os defenda nos seus inúmeros atos e discursos machistas. O que tem muito é feminista que acha errado falar neles. Tipo: não vamos falar do Gentili, não vamos falar dos mascus, que quem sabe assim eles desaparecem. Ah, sinto muito, mas eles não vão desaparecer sozinhos. Talvez não desapareçam nem com o nosso barulho. Mas o barulho atrapalha demais as suas ações. No caso dos masculinistas, cunhei o termo “mascus”, que é apenas um diminutivo, mas ele virou um termo tão pejorativo que não existem mais homens que se digam masculinistas no Brasil. Considero isso uma vitória. E sabe-se lá como estariam os grupos mascus se nenhuma feminista os combatesse. Entendo que é perda de tempo se concentrar em cada palavra preconceituosa que um Gentili profere, mas de vez em quando, e nos maiores casos, é fundamental um repúdio mais organizado e unido. Quanto ao silêncio da esquerda de modo geral, o que vejo é que grande parte da esquerda foge de assuntos que os homens veem como “exclusivamente femininos”. A gente vê muito pouco homem de esquerda falando de aborto, de estupro, de misoginia. Eu gostaria que se envolvessem mais, porque acho que são assuntos de todos. Mas, claro, há feministas que não aceitam a participação de homens.
O que você espera que aconteça após entrar com o processo e B.O.? Você acha que outras feministas brasileiras que também sofrem com ameaças similares devem seguir seu exemplo?
Se sirvo de exemplo pra alguma coisa, é pra não se deixar amedrontar. É pra não se calar, não parar de escrever e falar, só porque um bando de reacionários quer que você se cale. Não sei o que vai acontecer com o processo e BO, pois nunca processei ninguém. Estou contando com o apoio de várias feministas, até para arrecadar dinheiro, se for necessário. Mas eu gostaria que mascus perigosos que já estiveram presos voltassem para a cadeia, porque estão fazendo exatamente o que faziam antes. Quanto ao Gentili, há vários processos contra ele – Thiago Ribeiro continua processando-o, por Gentili ter oferecido bananas a ele; Michele Maximino, a maior doadora de leite do Brasil, também tem processo por danos morais por calúnias que ele disse em seu programa de TV –, e sabemos que processos duram anos, e que as indenizações costumam ser pífias. Mas tomara que o processo sirva para que ele e outros parem e pensem. E para que os fãs dele pensem. Ederval, o marido de Michele, resumiu isso muito bem num e-mail para mim. Ele disse: “Gastamos muito dinheiro para tentar combater o bullying nas escolas, mas pagamos para humoristas fazerem e incentivarem o bullying na TV”. Porque é isso que Gentili faz: stand-up bullying. Não é humor, é perseguição. E, como reaça que é, seus alvos são sempre os mesmos: mulheres, feministas, negros, ativistas LGBT, esquerdistas em geral. Seu discurso é o mesmo dos mascus.
Por que é tão difícil mobilizar a esquerda e as feministas brasileiras para que te ofereçam um suporte maior? Você acha que esse silêncio tem a ver com discordâncias e conflitos internos nos debates que existem no contexto militante?
Realmente não sei. Gostaria que meu caso fosse usado para partir para um suporte maior a todas as mulheres, porque a gente sabe que, no mundo machista em que vivemos, só o fato de ter um avatar feminino já te torna um alvo, independente do que você diga. A gente vê muitas discussões sobre o Marco Civil, sobre o Twitter ter uma parceria maior com quem denuncia, sobre leis sendo pensadas, mas ainda estamos engatinhando. Até que uma ação efetiva seja tomada, acho que vai levar tempo. O Facebook, por exemplo, continua uma tragédia. Há milhares de páginas com conteúdo misógino e até ameaças que não são derrubadas, apesar das denúncias. Enfim, considero um erro estratégico de muitas feministas ignorarem o meu caso, que está tão na cara. Se um misógino me matar, aí elas falarão? Se mobilizarão para tentar criar alguma lei que beneficie a todos os grupos historicamente perseguidos? Gostaria que não fosse preciso chegar a este ponto, porque não tenho vocação pra ser mártir. Gostaria que deixássemos as discordâncias e picuinhas pessoais de lado para realmente fazer alguma coisa. Não só por mim, evidentemente, já que tudo isso é muito maior que eu.
Agora você decidiu processar o Danilo Gentili, que divulgou uma imagem sua manipulada e sem autorização com intenção de debochar de você, e também oficializou um Boletim de Ocorrência contra alguns masculinistas que te ameaçam. Como tem observado a reação da esquerda e das feministas brasileiras? Há algum receio?
Não conheço nenhuma feminista que goste do Danilo Gentili ou dos mascus (quero dizer, conheço uma que namora um mascu declarado, mas é um caso fora da curva). Desconheço alguma feminista que os defenda nos seus inúmeros atos e discursos machistas. O que tem muito é feminista que acha errado falar neles. Tipo: não vamos falar do Gentili, não vamos falar dos mascus, que quem sabe assim eles desaparecem. Ah, sinto muito, mas eles não vão desaparecer sozinhos. Talvez não desapareçam nem com o nosso barulho. Mas o barulho atrapalha demais as suas ações. No caso dos masculinistas, cunhei o termo “mascus”, que é apenas um diminutivo, mas ele virou um termo tão pejorativo que não existem mais homens que se digam masculinistas no Brasil. Considero isso uma vitória. E sabe-se lá como estariam os grupos mascus se nenhuma feminista os combatesse. Entendo que é perda de tempo se concentrar em cada palavra preconceituosa que um Gentili profere, mas de vez em quando, e nos maiores casos, é fundamental um repúdio mais organizado e unido. Quanto ao silêncio da esquerda de modo geral, o que vejo é que grande parte da esquerda foge de assuntos que os homens veem como “exclusivamente femininos”. A gente vê muito pouco homem de esquerda falando de aborto, de estupro, de misoginia. Eu gostaria que se envolvessem mais, porque acho que são assuntos de todos. Mas, claro, há feministas que não aceitam a participação de homens.
O que você espera que aconteça após entrar com o processo e B.O.? Você acha que outras feministas brasileiras que também sofrem com ameaças similares devem seguir seu exemplo?
Se sirvo de exemplo pra alguma coisa, é pra não se deixar amedrontar. É pra não se calar, não parar de escrever e falar, só porque um bando de reacionários quer que você se cale. Não sei o que vai acontecer com o processo e BO, pois nunca processei ninguém. Estou contando com o apoio de várias feministas, até para arrecadar dinheiro, se for necessário. Mas eu gostaria que mascus perigosos que já estiveram presos voltassem para a cadeia, porque estão fazendo exatamente o que faziam antes. Quanto ao Gentili, há vários processos contra ele – Thiago Ribeiro continua processando-o, por Gentili ter oferecido bananas a ele; Michele Maximino, a maior doadora de leite do Brasil, também tem processo por danos morais por calúnias que ele disse em seu programa de TV –, e sabemos que processos duram anos, e que as indenizações costumam ser pífias. Mas tomara que o processo sirva para que ele e outros parem e pensem. E para que os fãs dele pensem. Ederval, o marido de Michele, resumiu isso muito bem num e-mail para mim. Ele disse: “Gastamos muito dinheiro para tentar combater o bullying nas escolas, mas pagamos para humoristas fazerem e incentivarem o bullying na TV”. Porque é isso que Gentili faz: stand-up bullying. Não é humor, é perseguição. E, como reaça que é, seus alvos são sempre os mesmos: mulheres, feministas, negros, ativistas LGBT, esquerdistas em geral. Seu discurso é o mesmo dos mascus.
Como você avalia o envolvimento policial em casos como esse? No Ceará isso é mais complicado do que em outros locais do país, onde existem delegacias especializadas em crimes virtuais?
Sinceramente, não sei. Fiz um boletim de ocorrência em janeiro de 2012, três anos atrás, quando as ameaças se intensificaram. Na época, eu tinha suspeitas sobre quem estaria fazendo essas ameaças, e o B.O. foi mais para que a polícia investigasse e chegasse aos misóginos que estavam “tocando o terror” com um site de ódio. Felizmente, poucos meses depois, dois deles foram presos pela Operação Intolerância, da Polícia Federal. Ambos foram condenados a seis anos e meio de prisão, mas saíram em maio de 2013. Agora, no penúltimo dia de 2014, quando fiz outro B.O., após receber vários trotes telefônicos com ameaças para a minha casa, já fui com dois nomes completos, CPF, cidade onde vivem. Então não é preciso investigação. A escrivã me explicou que eles serão chamados para depor nas delegacias de suas cidades. Mas já me disseram que devo também abrir uma ação cível.
O que tem a dizer para outras feministas que vivenciam violências como as que você sofre? Como acha que devem agir?
Eu sei o quanto é difícil, sei como nos sentimos impotentes diante de tanto ódio, mas não se calem. Calar não é uma opção. É o que eles querem. E fechar um blog por causa de ameaças equivale a dizer “vocês venceram”. A maior parte desses misóginos ladra mas não morde. Eles se valem dessa impunidade, do anonimato, da terra sem lei que ainda é a internet brasileira para aterrorizar mulheres. Então, não se deixem aterrorizar. Não se abalem. No máximo, ponham um cadeado no Twitter por uns dias, até que a poeira abaixe, fechem temporariamente a página no Facebook, desabilitem por um tempo os comentários do blog, mandem alguns e-mails direto pra caixa de spam. E registrem essas ameaças. Contem pra suas amigas e amigos e colegas e feministas em geral. Se quem está ameaçando tem nome, espalhem o nome dele. Mas não se calem. Não temos programas de TV ou colunas em jornais, mas temos milhares de veículos feministas, e com muita voz, na internet. Esta é a nossa força, e quem está intimidado com o barulho que causamos são eles. É esta força que querem tirar da gente. Não podemos deixar.
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