Foram lamentáveis e brutais, sob todos os aspectos, os atentados ocorridos em Paris, que acarretaram centenas de mortos e feridos inocentes, franceses e estrangeiros.
Nas horas que se seguiram, na frágil cobertura da TV estatal francesa, que parecia só dispor de uma equipe e entrava, ao vivo, em contato, por telefone, com o seu repórter que estava no interior da Boate Bataclan, o foco foi mantido na solidariedade e na reação das autoridades e do governo.
O Primeiro Ministro François Hollande, com a mesma expressão de perplexidade mostrada por George Bush em suas primeiras declarações no dia do atentado às Torres Gêmeas, declarou que a França permanecerá unida, e que ela será implacável em sua resposta ao EI, o Exército Islâmico - o grupo terrorista que assumiu a autoria dos ataques - e que serão tomadas medidas de segurança para que a situação não se repita.
A retórica, dos jornalistas e do governo, é a única resposta que pode ser dada pelos franceses à situação de absoluta vulnerabilidade e impotência em que a França se meteu, ao intervir em outros países.
Uma retórica que serve para disfarçar – com a costumeira cortina de fumaça e de maniqueísmo – a crua e implacável realidade em que Paris se encontra, do ponto de vista desses ataques, e das escolhas que fez, nos últimos anos, em sua política externa.
Em primeiro lugar, porque há muito pouco que a França possa fazer para evitar novos atentados.
Se seus autores forem apanhados, outros os substituirão, vindos de fora, ou recrutados na periferia das grandes cidades francesas, onde muitos jovens, filhos de emigrantes, precisam apenas de um pretexto para fazer explodir seu ressentimento e sua frustração com a miséria e o desemprego, ou a falta de perspectivas de futuro, em um continente onde não se sentem bem-vindos, assombrado pela decadência e a crise, onde a extrema direita floresce, alimentada pela xenofobia, o racismo e o preconceito.
Em segundo lugar, porque, por mais que sejam terríveis, para todos nós, e para as famílias enlutadas, os atentados em Paris em nada diferem, em suas conseqüências humanitárias, daqueles que ocorrem, todos os dias, em dezenas de lugares no Afeganistão, no Norte da África e no Oriente Médio.
Por lá, pessoas explodem, a qualquer momento, ou são fuziladas, decapitadas, estupradas, às dezenas, por terroristas originalmente armados pelas mesmas potências “ocidentais” que estão sendo atacadas agora - e por pseudo “democracias”, como a Arábia Saudita onde adúlteras são punidas a chibatadas e mulheres não podem sair de casa sem véu nem um homem que as vigie – com o intuito de derrubar governos em países, que, independente da orientação política de seus regimes, viviam em situação de paz e estabilidade.
No entanto, esses atentados, em outras partes do mundo, não merecem matérias especiais de meia hora na televisão brasileira – afinal, é melhor que nos identifiquemos com a “civilização” que queremos emular e com a “democracia” que queremos emular - é muito mais conveniente, do ponto de vista do discurso de doutrinação ideológica eurocêntrico e neoliberal, discutir a dor das famílias e as medidas de segurança – absolutamente inócuas, diga-se de passagem - que devem ser supostamente adotadas - do que revelar ao público o que está realmente por trás dos acontecimentos.
Nem se vêem nas camisetas e nos cartazes que rezam “Je suis Paris”, em várias partes do mundo, espaço para frases como “Je suis Syrie”, porque, claro, são muito mais importantes as mortes de Paris, do que aquelas que ocorrem, literalmente, há anos, para lá de Bagdá, em lugares como Basra, Karbala ou Ramadi.
Finalmente, a pergunta que não quer calar, é a seguinte: se Saddam Hussein e Muammar Kaddafi – com todos seus eventuais defeitos - estivessem no poder e a Síria gozasse da mesma situação de estabilidade que tinha antes do início – estimulado pelo “ocidente” – do trágico engodo da “primavera árabe”; se os EUA – aliados da França – não tivessem armado terroristas para atacar Damasco - os mesmos assassinos que hoje militam e são a espinha dorsal do Estado Islâmico - os atentados de Paris teriam ocorrido?
Capitais europeias não eram atacadas antes da promulgação da “Guerra ao Terror” pelos Estados Unidos, nem da “primavera árabe”, que gerou milhões de mortos e refugiados, com a destruição de centenas de cidades; nem antes do envolvimento da OTAN, a serviço dos EUA, com bombardeios na Líbia e em outros lugares - contra governos que antes eram tratados, hipocritamente como aliados pelo “ocidente” - em países em que crianças iam uniformizadas e bem alimentadas à escola todos os dias, e não caçavam, para comê-los, ratos entre os escombros de suas casas, como agora.
Nunca é demais lembrar que quem planta vento, colhe tempestade.
Que os novos atentados de Paris - e o pânico com os falsos alarmes que se seguiram - sirvam de alerta ao Brasil - país em que convivem, em harmonia, judeus e muçulmanos, e gente de todos os lugares do mundo - que, estimulado pela doutrina da repressão policialesca e pelo desejo de ser mais realista que o rei de “especialistas” que cresceram vendo enlatados de espionagem norte-americanos, está se metendo a “gato mestre”, criando leis “antiterroristas”, que podem nos fabricar inimigos onde nunca os tivemos.
Leis que são, como podemos ver, pela vulnerabilidade e impotência dos países que as adotam, tão supérfluas quanto inócuas e estúpidas.
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