sábado, 28 de novembro de 2015

O legado da Aliança Nacional Libertadora


Do site da Fundação Maurício Grabois:

Em novembro de 1935 ocorriam os levantes da Aliança Nacional Libertadora, que compõem a lista de feitos heroicos do povo brasileiro na sua luta incansável pela liberdade e contra a opressão. Como ocorreu no passado mais remoto com movimentos liderados por Zumbi e Tiradentes, as classes dominantes procuram condenar e difamar tais levantes. Elas buscaram encobrir o fato de que a criação da ANL e aquelas sublevações foram respostas ao avanço do fascismo no Brasil e no mundo.

Naqueles anos, as forças progressistas presenciaram a ascensão do nazi-fascismo e a disseminação de ideologias marcadas pela política de ódio e intolerância, racial, religiosa e sexual. Mussolini chegou ao poder na Itália, Salazar em Portugal e Hitler na Alemanha. O militarismo japonês invadia a China e o italiano a Abissínia (atual Etiópia). Por fim, os vários imperialismos apostavam no desencadeamento de uma guerra de aniquilamento contra a União Soviética. Nuvens pesadas turvavam o horizonte da humanidade.

Diante desses perigos, cresceu a consciência de que se fazia urgente unificar todos aqueles que não aceitavam o fascismo, o militarismo e as guerras imperialistas. A saída encontrada foi a constituição de Frentes Populares, congregando além dos comunistas, outras forças patrióticas e democráticas avançadas. Tais organizações se tornariam poderosos instrumentos de enfrentamento ao fascismo. Os principais incentivadores dessa proposta foram a Internacional Comunista e os partidos a ela vinculados.

No Brasil, a dinâmica não foi muito diferente. Empolgados com as vitórias do fascismo na Europa, os diversos grupos reacionários resolveram se unir na Ação Integralista Brasileira (AIB), liderada por Plínio Salgado. Usavam uniformes, saudações e símbolos imitando seus congêneres fascistas alemães e italianos. Logo começaram a realizar suas marchas e a fazer provocações contra as entidades populares. Os choques entre fascistas e antifascistas se multiplicavam. A esquerda estava decidida a não permitir que as hordas do obscurantismo tomassem as ruas, como ocorrera em Roma e Berlim.

Em setembro de 1934 os antifascistas, tendo à frente os comunistas, criaram o Comitê Jurídico Popular visando a apurar e denunciar a atuação violenta dos grupos integralistas e dos órgãos de repressão do Estado. No transcorrer desse trabalho decidiu-se constituir uma organização política de caráter mais abrangente. Nascia, assim, a Aliança Nacional Libertadora (ANL). Conclamava um de seus primeiros documentos: “Para a ANL precisam vir todas as pessoas, organizações e mesmo partidos (...) sob a única condição de que queiram lutar contra a implantação do fascismo no Brasil, contra o imperialismo e o feudalismo, pelos direitos democráticos”. O seu slogan passaria a ser: “pão, terra e liberdade!”.

Dela participavam comunistas, socialistas, liberais de esquerda e militares nacionalistas. Estes, por sinal, tiveram importante participação na direção daquela entidade. Dos dezessete membros eleitos para o Diretório Nacional Provisório oito eram oficiais, oriundos do movimento tenentista. Luiz Carlos Prestes, já tendo aderido ao comunismo, foi eleito seu presidente de honra.

Em muito pouco tempo já haviam se formado 1600 núcleos da ANL. Estima-se que ela teria alcançado a cifra de 500 mil membros. Era previsível que logo se tornaria a principal força política organizada no país, suplantando em muito o integralismo. Isso amedrontou o governo e setores importantes das classes dominantes, que começaram a arquitetar um plano para contê-la.

Na senda da ANL foram criadas a União Feminina do Brasil (UFB), a Liga de Defesa da Cultura Popular e diversas organizações juvenis estudantis, operárias e populares. Em maio daquele mesmo ano foi fundada a Confederação Sindical Unitária do Brasil (CSUB). As greves se espalharam por todo o país. Vários jornais se colocaram como porta-vozes desse poderoso movimento democrático capitaneado pela ANL, com destaque para A Manhã (RJ) e A Plateia (SP).

Um dos primeiros combates travados foi contra a aprovação da Lei de Segurança Nacional (LSN), chamada de “Lei Monstro” – que era considerada como uma arma apontada para a cabeça do movimento democrático e popular e um instrumento de fascistização do Estado brasileiro. Esta avaliação não estava errada, pois a sua promulgação teve trágicas consequências para a frágil democracia brasileira e facilitou o caminho para a implantação do Estado Novo em 1937.

Superestimando a força do movimento, que ainda estava se organizando, em 5 de julho Prestes em consonância com a opinião de camaradas do Partido lançou um manifesto conclamando a derrubada de Vargas e que todo o poder fosse entregue à ANL. Alguns dias depois, em 11 de julho, utilizando a LSN, o governo colocou a organização na ilegalidade, fechou suas sedes e desencadeou uma repressão contra suas lideranças. A ANL foi obrigada a entrar na clandestinidade. A UFB e a CSUB foram sumariamente fechadas, acusadas de subversivas. Enquanto isso, os integralistas continuavam gozando de total liberdade para agirem, recebendo apoio de setores reacionários do próprio governo. O fascismo era visto por setores das classes dominantes e do governo como o único obstáculo ao avanço da influência comunista.

Diante dessa situação, fortaleceu-se a ideia de apressar a realização de uma insurreição popular para derrubar Vargas, conquistar um Governo Popular Nacional Revolucionário (GPNR) e derrotar o fascismo no país. Contudo, tudo acabou sendo precipitado por uma rebelião de quartel em Natal (RN) no dia 23 de novembro. Algo não planejado e nem pretendido pelos dirigentes comunistas e aliancistas. Todos foram pegos de surpresa. Os revoltosos de Natal conseguiram tomar a cidade e instaurar um governo popular, que durou apenas dois dias. Em seguida – no dia 25 – foi a vez dos revolucionários de Recife se rebelarem em solidariedade aos seus camaradas potiguares. Somente quando as notícias das duas revoltas chegaram a Prestes e a seus camaradas é que se decidiu iniciar o levante no Rio de Janeiro.

Todas essas tentativas insurrecionais foram derrotadas e, em poucos dias, o governo era dono da situação. O principal problema daquele movimento heroico foi ter-se reduzido a levantes de quartel, sem a participação efetiva das massas populares. Ainda era forte a influência dos métodos tenentistas de luta e de concepções voluntaristas.

Nas semanas que se seguiram – com o país sob Estado de Sítio – mais de 15 mil pessoas foram presas, e muitas brutalmente torturadas, como os militantes internacionalistas Harry e Elise Berger. O primeiro enlouqueceu devido aos suplícios que sofreu. Prestes, o grande líder da ANL, ficou preso por mais de 9 anos. O destacado jurista Sobral Pinto para defendê-los teve que utilizar a Lei de Proteção aos Animais. As companheiras de Prestes e Berger, Olga e Elise, foram deportadas para a Alemanha nazista e morreram num campo de concentração.

Os documentos – inclusive os oficiais – sobre os levantes desmascaram as calúnias sacadas contra os revoltosos durante anos. Provam que nenhum oficial governista foi assassinado enquanto dormia e que nenhum prisioneiro foi torturado ou morto pelos rebeldes. Ao contrário dos seus algozes, eles respeitaram os soldados e oficiais adversários aprisionados.

Por fim, é preciso desfazer a falsa ideia de que os levantes de 1935 foram a causa direta do golpe do Estado Novo. Quando ele ocorreu, em 1937, os comunistas estavam bastante enfraquecidos pela dura repressão que vinham sofrendo havia anos. Foi preciso que os integralistas forjassem um plano fantasioso – o Plano Cohen – para que se pudesse justificar um golpe de Estado. A verdadeira razão era a aproximação das eleições presidenciais, que tirariam Vargas do poder pelo voto.

Independentemente do juízo que se faça sobre a decisão de tomar as armas para derrubar o governo Vargas naquela conjuntura conturbada, é preciso reconhecer a justeza da plataforma apresentada pela Aliança Nacional Libertadora. Diríamos mesmo que as bandeiras levantadas por ela são mais atuais do que nunca.

Nada tão contemporâneo quanto as denúncias contra as guerras imperialistas e o fascismo; a defesa da reforma agrária, da independência nacional e dos direitos democráticos e sociais do povo. Nada corresponde mais à necessidade do momento que a constituição de frentes democráticas e populares que permitam barrar o golpe e a reação, e avançar na realização das reformas estruturais no sentido da conquista do socialismo.

Finalizamos essa homenagem ao legado da insurreição de 1935 da ANL com as palavras de Pedro Pomar, histórica lideranças dos comunistas, que, num artigo escrito em 1975, afirmou: “Ante a ameaça de avassalamento do país pelo fascismo, o partido do proletariado — o Partido Comunista do Brasil — veio audazmente para a cena política com propostas unitárias, com um programa mínimo revolucionário, disposto a travar até o fim a batalha pela salvaguarda dos interesses nacionais, pelos direitos democráticos. (...) Por isso, nosso Partido (...) inclina suas bandeiras de combate em homenagem aos que não vacilaram, em 1935, em oferecer suas vidas e derramar seu sangue para criar um Brasil independente e democrático. Fiéis à sua memória, juramos que haveremos de prosseguir na ingente marcha que encetaram. Nosso dever é aprender a lutar melhor e perseverar”.

Viva a memória dos combatentes da ANL e seus ideais de liberdade, independência e defesa dos direitos do povo!

São Paulo, 25 de novembro de 2015 - Fundação Maurício Grabois

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