Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo, no jornal Brasil de Fato:
As ondas de lama vindas do desastre ambiental no arrasado Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, afetam não apenas pontos específicos dos estados diretamente atingidos. Atolam toda a sociedade. Uma tragédia anunciada que ultrapassa os limites do município de origem e as divisas do estado. Invade todo o ecossistema, sufoca a vida. A crueldade com que a natureza é atingida e, sobretudo, a dor dos pobres que perdem familiares e o pouco que têm, contracenam com a terrível destruição de casas e de outros cenários urbanos.
Os desdobramentos dessa tragédia exigem repensar definitivamente a vocação e o destino das Minas Gerais, diante do risco de novas irresponsabilidades recaírem sobre a população em forma de desastres ainda mais graves. Impõe-se a necessidade de um direcionamento novo, fora dos parâmetros da ganância e até mesmo da justificativa de que a economia do Estado só se sustenta e avança por meio dessas atividades. Tarefa que deve ser assumida, com urgência, pelo Governo do Estado, prefeituras, Poder Legislativo e setores privados - especialmente o minerário - mas, principalmente, pelos órgãos de controle público. É indispensável que sejam ouvidas as vozes sensatas de igrejas e outros segmentos sérios e representativos da sociedade.
Agir a partir de compreensão simplista sobre a geração de riquezas e empregos, sem considerar a complexidade da realidade, gera consequências devastadoras. É, incontestavelmente, “assinar atestado de incompetência”. É comodismo e falta de inventividade para a necessária produção de bens.
No horizonte desenhado por essa tragédia, os representantes do povo no poder público têm o compromisso moral de redirecionar a história minerária do Estado de Minas Gerais. Uma história controversa. Para além da lucratividade e dos benefícios apresentados como decorrentes da mineração, exige-se um ordenamento jurídico novo, não apenas fundamentado no rigor das burocracias para licenciamentos, mas fruto de um entendimento que a lucidez da Carta Encíclica Laudato Si’ - sobre o cuidado da casa comum, do Papa Francisco, trata com inigualável propriedade. O documento traça o horizonte de transformações radicais e de mudanças urgentes em procedimentos e atividades, e no compromisso de consertar, no ambiente e na vida das pessoas, o que absurdamente já se tem produzido.
A voracidade das atividades minerárias, fermentada pelo entendimento que configura a economia - com os royalties pífios em comparação com outras atividades, como a petroleira bilionária que cega a honestidade de políticos, empresas e outros -, há de ser controlada definitivamente. Há caminhos para isso. Ações são possíveis. Segmentos da sociedade têm voz e poder para intervir e dar novos rumos a essa história, agora, ainda mais, reforçados pelo ocorrido no distrito de Bento Rodrigues. Tragédia que também anuncia outras catástrofes, como “bombas-relógio” a explodir a qualquer hora.
É exigência lançar o olhar compassivo e politicamente indignado sobre esses cenários todos, para garantir atuação corajosa de movimentos e instituições em defesa e salvaguarda do ambiente. Caso contrário, ao satisfazer os ditames cegos da economia, a consequência será a destruição e o caos. As possibilidades de vitória são reais. São exemplares a conquista do Movimento SOS Serra da Piedade, o comprometimento da Arquidiocese de Belo Horizonte e o ato de lucidez governamental impedindo o absurdo da continuidade da atividade mineradora na região. Pode-se ver, hoje, os cenários de desolação, verdadeiras ameaças ao mais importante monumento histórico, paisagístico, cultural e religioso dos mineiros, a Serra da Piedade, o Santuário da Mãe da Piedade, Padroeira de Minas.
Uma grande frente de solidariedade cuida dos que sofrem as consequências do desastre, atendendo urgências e necessidades. E os responsáveis pela tragédia? Devem ressarcir as perdas. Parem tudo, não importam os prejuízos econômicos. Que encontrem outros meios mais justos para a sustentação da economia. Parem tudo e busquem a lucidez capaz de compreender a ecologia integral, inteligentemente indicada no capítulo quarto da Encíclica interpelante do Papa Francisco. Diante dos problemas atuais, é necessário “um olhar que leve em conta todos os aspectos da crise mundial e que nos detenhamos a refletir sobre os diferentes elementos de uma ecologia integral, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais”. Essa deve ser a palavra de ordem para que o povo não sofra com outras ondas de lama.
* Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte.
As ondas de lama vindas do desastre ambiental no arrasado Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, afetam não apenas pontos específicos dos estados diretamente atingidos. Atolam toda a sociedade. Uma tragédia anunciada que ultrapassa os limites do município de origem e as divisas do estado. Invade todo o ecossistema, sufoca a vida. A crueldade com que a natureza é atingida e, sobretudo, a dor dos pobres que perdem familiares e o pouco que têm, contracenam com a terrível destruição de casas e de outros cenários urbanos.
Os desdobramentos dessa tragédia exigem repensar definitivamente a vocação e o destino das Minas Gerais, diante do risco de novas irresponsabilidades recaírem sobre a população em forma de desastres ainda mais graves. Impõe-se a necessidade de um direcionamento novo, fora dos parâmetros da ganância e até mesmo da justificativa de que a economia do Estado só se sustenta e avança por meio dessas atividades. Tarefa que deve ser assumida, com urgência, pelo Governo do Estado, prefeituras, Poder Legislativo e setores privados - especialmente o minerário - mas, principalmente, pelos órgãos de controle público. É indispensável que sejam ouvidas as vozes sensatas de igrejas e outros segmentos sérios e representativos da sociedade.
Agir a partir de compreensão simplista sobre a geração de riquezas e empregos, sem considerar a complexidade da realidade, gera consequências devastadoras. É, incontestavelmente, “assinar atestado de incompetência”. É comodismo e falta de inventividade para a necessária produção de bens.
No horizonte desenhado por essa tragédia, os representantes do povo no poder público têm o compromisso moral de redirecionar a história minerária do Estado de Minas Gerais. Uma história controversa. Para além da lucratividade e dos benefícios apresentados como decorrentes da mineração, exige-se um ordenamento jurídico novo, não apenas fundamentado no rigor das burocracias para licenciamentos, mas fruto de um entendimento que a lucidez da Carta Encíclica Laudato Si’ - sobre o cuidado da casa comum, do Papa Francisco, trata com inigualável propriedade. O documento traça o horizonte de transformações radicais e de mudanças urgentes em procedimentos e atividades, e no compromisso de consertar, no ambiente e na vida das pessoas, o que absurdamente já se tem produzido.
A voracidade das atividades minerárias, fermentada pelo entendimento que configura a economia - com os royalties pífios em comparação com outras atividades, como a petroleira bilionária que cega a honestidade de políticos, empresas e outros -, há de ser controlada definitivamente. Há caminhos para isso. Ações são possíveis. Segmentos da sociedade têm voz e poder para intervir e dar novos rumos a essa história, agora, ainda mais, reforçados pelo ocorrido no distrito de Bento Rodrigues. Tragédia que também anuncia outras catástrofes, como “bombas-relógio” a explodir a qualquer hora.
É exigência lançar o olhar compassivo e politicamente indignado sobre esses cenários todos, para garantir atuação corajosa de movimentos e instituições em defesa e salvaguarda do ambiente. Caso contrário, ao satisfazer os ditames cegos da economia, a consequência será a destruição e o caos. As possibilidades de vitória são reais. São exemplares a conquista do Movimento SOS Serra da Piedade, o comprometimento da Arquidiocese de Belo Horizonte e o ato de lucidez governamental impedindo o absurdo da continuidade da atividade mineradora na região. Pode-se ver, hoje, os cenários de desolação, verdadeiras ameaças ao mais importante monumento histórico, paisagístico, cultural e religioso dos mineiros, a Serra da Piedade, o Santuário da Mãe da Piedade, Padroeira de Minas.
Uma grande frente de solidariedade cuida dos que sofrem as consequências do desastre, atendendo urgências e necessidades. E os responsáveis pela tragédia? Devem ressarcir as perdas. Parem tudo, não importam os prejuízos econômicos. Que encontrem outros meios mais justos para a sustentação da economia. Parem tudo e busquem a lucidez capaz de compreender a ecologia integral, inteligentemente indicada no capítulo quarto da Encíclica interpelante do Papa Francisco. Diante dos problemas atuais, é necessário “um olhar que leve em conta todos os aspectos da crise mundial e que nos detenhamos a refletir sobre os diferentes elementos de uma ecologia integral, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais”. Essa deve ser a palavra de ordem para que o povo não sofra com outras ondas de lama.
* Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte.
Quem deveria fiscalizar essas mineradoras? Não seria o Ministério da Minas e Energia?
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