Por Ricardo Kotscho, no blog Balaio do Kotscho:
No final da tarde de quinta-feira, fiquei reparando nos monitores de TV ligados na redação da Record News, onde trabalho. Era como se estivessem sintonizados em emissoras de países diferentes, mas eram todas daqui mesmo.
De um lado, a interminável guerra política em Brasília, com os mesmos discursos indigentes e intermináveis de sempre, em que nem as próprias excelências com suas refinadas gravatas prestam mais atenção; de outro, as imagens do tsunami de lama invadindo a zona rural da histórica e bela cidade mineira de Mariana, após o rompimento de duas barragens de uma mineradora.
O mundo real só consegue cavar espaço assim, quando acontecem tragédias, mas o drama humano das centenas de vítimas é incapaz de mudar a pauta das excelências e dos jornalistas dedicados a comentar o que se passa naquela ilha do poder, tão distante da realidade do cotidiano dos brasileiros.
Este brutal contraste entre os dois Brasis em que vivemos me trouxe lembranças de quase meio século atrás, quando uma tromba d´água fez desabar um pedaço da Serra do Mar sobre a cidade de Caraguatatuba, no litoral norte de São Paulo, onde eu tinha acabado de passar férias de verão me preparando para prestar o vestibular de Jornalismo.
Foi no dia 18 de março de 1967. Estava começando a trabalhar no Estadão. O país só ficaria sabendo o que aconteceu no dia seguinte, graças a um operador de rádio amador que conseguiu se comunicar com colegas em Santos. Me mandaram para lá, mas a estrada, a velha Tamoios, tinha simplesmente desaparecido no trecho da serra. Caraguatatuba estava ilhada por um mar de lama, árvores e pedras enormes, que soterraram casas e muita gente (calculou-se na época que 400 tenham morrido).
Ao finalmente conseguir chegar, já no dia 20, esta imagem ficou gravada na minha hoje já fraca memória: sobreviventes zanzavam de um lado para outro como zumbis à procura de parentes e amigos, sem saber se eles estavam vivos ou mortos. Passaram-se muitos dias nesta busca, como está acontecendo neste momento em Bento Rodrigues, o subdistrito de Mariana mais atingido pelo rompimento das barragens.
O sentimento nestas horas é de impotência e abandono diante da fatalidade, mas não se pode responsabilizar unicamente os humores da natureza madrasta, ela própria vítima da nossa incúria, do pouco caso das autoridades responsáveis, da falta de planejamento e manutenção de equipamentos públicos, do despreparo de órgãos da defesa civil para enfrentar com presteza as emergências e evitar que as tragédias se repitam.
Se já é assim na rotina do dia a dia das nossas cidades, atingidas por secas e enchentes ano após ano, com hospitais sem médicos (Caraguatatuba tinha apenas um profissional em 1967) e moradias em áreas de risco de difícil acesso, pode-se imaginar as dificuldades que as equipes de socorro estão enfrentando em Mariana.
Tragédias acontecem e, se não é possível evitá-las, deveríamos, pelo menos, nos preparar melhor para minorar suas consequências, como vemos sempre em acontecimentos semelhantes nos outros países, mas este não é um assunto que preocupa nossos representantes no Congresso Nacional. Em vez de discutir medidas de prevenção de incêndios, eles preferem dançar alegremente na casa que está pegando fogo.
Entre a tragédia de Caraguatatuba e a de Mariana, guardando-se as devidas proporções, mudou o Brasil, mudou o mundo, mudou tudo, mas só não mudou a mentalidade do salve-se-quem-puder e seja o que Deus quiser, meu pirão primeiro, do mundo político que comanda a vida nacional.
Em tempo (atualizado às 22h30): vi agora à noite as imagens do mundo real das famílias desabrigadas recebendo a solidariedade do povo de Mariana, belo exemplo para que a gente nunca perca as esperanças no amanhecer, por mais escura que seja a noite.
Vida que segue.
Bom final de semana.
No final da tarde de quinta-feira, fiquei reparando nos monitores de TV ligados na redação da Record News, onde trabalho. Era como se estivessem sintonizados em emissoras de países diferentes, mas eram todas daqui mesmo.
De um lado, a interminável guerra política em Brasília, com os mesmos discursos indigentes e intermináveis de sempre, em que nem as próprias excelências com suas refinadas gravatas prestam mais atenção; de outro, as imagens do tsunami de lama invadindo a zona rural da histórica e bela cidade mineira de Mariana, após o rompimento de duas barragens de uma mineradora.
O mundo real só consegue cavar espaço assim, quando acontecem tragédias, mas o drama humano das centenas de vítimas é incapaz de mudar a pauta das excelências e dos jornalistas dedicados a comentar o que se passa naquela ilha do poder, tão distante da realidade do cotidiano dos brasileiros.
Este brutal contraste entre os dois Brasis em que vivemos me trouxe lembranças de quase meio século atrás, quando uma tromba d´água fez desabar um pedaço da Serra do Mar sobre a cidade de Caraguatatuba, no litoral norte de São Paulo, onde eu tinha acabado de passar férias de verão me preparando para prestar o vestibular de Jornalismo.
Foi no dia 18 de março de 1967. Estava começando a trabalhar no Estadão. O país só ficaria sabendo o que aconteceu no dia seguinte, graças a um operador de rádio amador que conseguiu se comunicar com colegas em Santos. Me mandaram para lá, mas a estrada, a velha Tamoios, tinha simplesmente desaparecido no trecho da serra. Caraguatatuba estava ilhada por um mar de lama, árvores e pedras enormes, que soterraram casas e muita gente (calculou-se na época que 400 tenham morrido).
Ao finalmente conseguir chegar, já no dia 20, esta imagem ficou gravada na minha hoje já fraca memória: sobreviventes zanzavam de um lado para outro como zumbis à procura de parentes e amigos, sem saber se eles estavam vivos ou mortos. Passaram-se muitos dias nesta busca, como está acontecendo neste momento em Bento Rodrigues, o subdistrito de Mariana mais atingido pelo rompimento das barragens.
O sentimento nestas horas é de impotência e abandono diante da fatalidade, mas não se pode responsabilizar unicamente os humores da natureza madrasta, ela própria vítima da nossa incúria, do pouco caso das autoridades responsáveis, da falta de planejamento e manutenção de equipamentos públicos, do despreparo de órgãos da defesa civil para enfrentar com presteza as emergências e evitar que as tragédias se repitam.
Se já é assim na rotina do dia a dia das nossas cidades, atingidas por secas e enchentes ano após ano, com hospitais sem médicos (Caraguatatuba tinha apenas um profissional em 1967) e moradias em áreas de risco de difícil acesso, pode-se imaginar as dificuldades que as equipes de socorro estão enfrentando em Mariana.
Tragédias acontecem e, se não é possível evitá-las, deveríamos, pelo menos, nos preparar melhor para minorar suas consequências, como vemos sempre em acontecimentos semelhantes nos outros países, mas este não é um assunto que preocupa nossos representantes no Congresso Nacional. Em vez de discutir medidas de prevenção de incêndios, eles preferem dançar alegremente na casa que está pegando fogo.
Entre a tragédia de Caraguatatuba e a de Mariana, guardando-se as devidas proporções, mudou o Brasil, mudou o mundo, mudou tudo, mas só não mudou a mentalidade do salve-se-quem-puder e seja o que Deus quiser, meu pirão primeiro, do mundo político que comanda a vida nacional.
Em tempo (atualizado às 22h30): vi agora à noite as imagens do mundo real das famílias desabrigadas recebendo a solidariedade do povo de Mariana, belo exemplo para que a gente nunca perca as esperanças no amanhecer, por mais escura que seja a noite.
Vida que segue.
Bom final de semana.
Discordo de uma coisa, a Vale e BPH deveriam ser obrigadas pelo MP a pagar desde já a moradia do pessoal atingido em hotéis e pousadas. aFinal isto não foi um evento natural, foi um crime!!!
ResponderExcluirComparar a tragédia causada pela Samarco / Vale com um deslizamento causado pela chuva só serve para aliviar a culpa da empresa. Em um deslizamento de terra ocorrido pelo excesso de chuva os seres humanos tem uma parcela de responsabilidade mas fatores da natureza agravaram o desastre. No caso do rompimento da barragem de rejeitos da Samarco a natureza e o clima não tiveram qualquer contribuição para o desastre. Todos os motivos que ocasionaram a tragédia dependem exclusivamente das ações tomadas ou não-tomadas pela empresa na construção, manutenção e segurança das barragens. Não estava chovendo, e atribuir o desabamento a tremores de terra que ninguém chegou a sentir já prova que a empresa sabia que as barragens estavam saturadas e poderia se romper a qualquer momento e ignorou isso porque devia ter interesses maiores a lhe guiar do que a vida de alguns "roceiros do interior", este tipo de quase-gente na mente dos nobres engenheiros e diretores da Samarco /Vale!!
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