Por Guilherme Santos Mello, no site Brasil Debate:
O debate econômico no Brasil tem sido contaminado pela agressividade do renhido embate político. Acusações surgem de todos os lados do espectro ideológico, buscando desqualificar os interlocutores e desacreditar suas propostas para sairmos da crise atual.
A existência de divergências sempre alimentou o debate público, mas o grau de violência que este alcançou tem impedido o país de encontrar uma agenda mínima de consenso, que permita criarmos portas de saída para a crise econômica.
Principais divergências: o pano de fundo do debate
Um dos pontos centrais que divide os economistas diz respeito ao diagnóstico da crise: enquanto um grupo “majoritário” de economistas defende que todos os problemas atuais têm origem na condução da política econômica do governo Dilma I, economistas “dissidentes” tendem a responsabilizar majoritariamente a combinação de ajuste fiscal e monetário em 2015 pela crise recente, além de apontarem fatores internacionais, estratégicos, políticos e estruturais para explicar as razões por trás da desaceleração econômica desde 2011.
O segundo ponto de divergência diz respeito às políticas para sair da crise: o grupo “majoritário” defende um ajuste fiscal estrutural, que reduza o tamanho do Estado e seu papel como provedor de seguridade social e serviços públicos, pretensamente abrindo espaço para o capital privado liderar uma nova rodada de crescimento.
Enquanto isso, parte dos “dissidentes” aposta em uma estratégia de retomada do crescimento em que o Estado teria um papel decisivo como organizador dos investimentos privados, ampliando os investimentos público/privados, reduzindo juros e mantendo os programas sociais e os serviços públicos, gerando assim uma fonte de demanda autônoma em uma economia que não encontra outras formas de se recuperar.
Como pano de fundo destas divergências, temos o tradicional debate acerca do papel do Estado na economia, a eficiência (ou não) dos mercados como balizadores para o processo de desenvolvimento e a conveniência de discricionariedade ou da adoção de regras na política econômica.
Todos estes são debates clássicos na economia, mas se acirram em momentos de recessão, quando se procura um “culpado” pelos males nacionais.
Três propostas
Apesar das divergências de fundo, caso superemos o debate puramente político/eleitoral, há espaço para a construção de importantes consensos, que deveriam balizar o debate e substituir as ofensas e acusações pela legítima preocupação com o futuro do país. Seguem aqui três sugestões que visam partir dos atuais consensos para tirar o Brasil da situação que se encontra:
1. Em primeiro lugar, parece haver um consenso acerca da inadequação da utilização da taxa SELIC como forma de combate à inflação atual. Este consenso tem origens diversas, com o campo majoritário apelando para a controversa tese da “dominância fiscal”, enquanto os dissidentes apontam a “natureza” da inflação recente como justificativa para a ineficácia da taxa de juros como forma de combatê-la.
Apesar das diferenças, a conclusão é a mesma: juros mais altos não combaterão a inflação atual, aprofundando os problemas fiscais e a recessão.
Neste sentido, parece sensato uma proposta que aposte na manutenção da atual taxa real de juros (próxima de 4,25%), considerada suficiente pelo BACEN para combater o atual cenário inflacionário, até ao menos a inflação retomar para dentro da banda superior da meta em 2016.
A esperada retração da inflação acumulada em doze meses no início de 2016 servirá, portanto, para iniciar a queda dos juros nominais, de forma a preservar a taxa real de 4,25%. Ou seja, a redução da taxa de juros deve ser guiada pela manutenção da taxa de juros real balizada pelas expectativas inflacionárias do Banco Central para o final de 2016 (foward guidance), que hoje se encontram próximas a 6,5%.
Isso levaria o BC a adotar uma estratégia de redução gradual dos juros ainda no início de 2016, não permitindo a elevação da taxa real para algo próximo a 6% no final do ano, como prevê atualmente o Boletim Focus. No ano de 2017, esse processo de foward guidance pode prosseguir, reduzindo-se os juros reais para o nível que o BC acredita compatível com a convergência para o centro da meta.
2. Em segundo lugar, há um crescente consenso acerca do atual patamar mais desvalorizado da taxa de câmbio, que apesar de promover um impacto nas taxas de inflação e reduzir o salário real, era necessário para reequilibrar as contas externas e proteger o mercado interno das importações de insumos e bens finais.
Mais uma vez, existem divergências: enquanto os “majoritários” defendem a livre flutuação cambial e um câmbio que garanta o mero equilíbrio em conta corrente, os “dissidentes” defendem tanto controles cambiais que impeçam grandes flutuações (decorrentes de especulação com nossa moeda) quanto, no caso do novo-desenvolvimentismo, a adoção de uma taxa de câmbio competitiva para a indústria, apostando em uma estratégia de crescimento baseada nas exportações de manufaturados. Seja como for, o consenso está formado acerca da adequação do atual patamar cambial.
Neste sentido, propõe-se a preservação da atual taxa real de câmbio, através da adoção de medidas que impeçam que a volatilidade do mercado internacional se amplifique no mercado cambial nacional, garantindo uma perspectiva mais estável para a moeda brasileira.
Sugere-se a regulação do mercado cambial, em particular no mercado futuro de câmbio, seguindo recomendações de organismos internacionais e experiências bem- sucedidas de controle de capital, mesmo que este tema não seja exatamente consensual no debate nacional.
3. Por fim, ao contrário do que o histriônico debate público sugere, há consenso acerca da necessidade de recomposição da capacidade de financiamento do Estado, estabilizando o nível de endividamento (líquido e bruto) e reencontrando o por todos desejado equilíbrio fiscal.
Aqui, as diferenças se encontram na estratégia e prazos para alcançar este objetivo: enquanto os “majoritários” apostam em rápidos cortes de gastos obrigatórios, em particular aqueles ligados a seguridade social assegurados pela Constituição de 1988, os “dissidentes” (em particular os social-desenvolvimentistas) defendem uma reforma tributária progressiva e distributiva capaz de recompor a capacidade de financiamento do Estado, permitindo a retomada do investimento público e a preservação dos gastos sociais como forma de impulsionar a economia brasileira e recuperar a arrecadação pública no médio prazo.
Provavelmente, alguma combinação entre as duas posições seja possível, abrindo espaço para medidas de otimização dos gastos públicos (em busca da redução de fraudes e fim dos gastos concentradores do Estado, como algumas transferências de impacto distributivo negativo) e reforma da base tributária, hoje excessivamente concentrada nos mais pobres e que deveria ser substituída por impostos de caráter progressivo (taxação sobre lucros e dividendos, reforma do Imposto sobre heranças, etc.), compensado pela redução de alguns tributos concentradores sobre a produção e o consumo.
Já a retomada do investimento público, recomendada para países em recessão e situação fiscal delicada por instituições como o FMI, deve vir em conjunto com a recuperação (judicial e financeira) das empresas de engenharia nacional e da Petrobrás, capazes de realizar estes investimentos.
Devem ser priorizados os investimentos com alto efeito multiplicador e que possibilitem ganhos de produtividade. Além disso, é necessário aumentar a oferta de crédito para pequenas e médias empresas que fornecem insumos e serviços para estes e outros setores, com o objetivo de estabilizar seu fluxo de caixa e impedir uma onda de recuperações judiciais que impeça a desejada recuperação da atividade econômica.
Conclusão
A estabilização do câmbio real e dos juros reais criaria um ambiente de maior previsibilidade para o empresário. Com o aumento dos investimentos público/privados em infraestrutura, o setor privado teria também o impulso de demanda autônoma necessário para reativar suas perspectivas produtivas.
Além disso, estes investimentos sinalizariam de maneira clara a continuidade da demanda e a abertura de novas áreas de acumulação, que em conjunto com a queda gradual dos juros nominais podem recriar um ambiente propício ao investimento produtivo no Brasil.
O aumento do crédito será necessário para viabilizar a reestruturação financeira das empresas produtivas, permitindo a elas expandir sua produção sem aumentar demasiadamente seus custos de capital, melhorando suas condições de solvência e rentabilidade.
Questões de prazo, métodos e estratégias separam os economistas dos diferentes campos, mas parece haver mais consenso do que dissenso no que tange aos objetivos gerais almejados.
Todos desejam taxas de juros mais baixas, inflação controlada, câmbio competitivo, situação fiscal equilibrada e a retomada do crescimento. É evidente que a ordem e prioridade dos fatores geram dissensões, mas à parte a retórica belicista do debate político, parece ser possível encontrar um consenso mínimo que envolva uma série de questões fundamentais para destravar o desenvolvimento nacional.
O debate econômico no Brasil tem sido contaminado pela agressividade do renhido embate político. Acusações surgem de todos os lados do espectro ideológico, buscando desqualificar os interlocutores e desacreditar suas propostas para sairmos da crise atual.
A existência de divergências sempre alimentou o debate público, mas o grau de violência que este alcançou tem impedido o país de encontrar uma agenda mínima de consenso, que permita criarmos portas de saída para a crise econômica.
Principais divergências: o pano de fundo do debate
Um dos pontos centrais que divide os economistas diz respeito ao diagnóstico da crise: enquanto um grupo “majoritário” de economistas defende que todos os problemas atuais têm origem na condução da política econômica do governo Dilma I, economistas “dissidentes” tendem a responsabilizar majoritariamente a combinação de ajuste fiscal e monetário em 2015 pela crise recente, além de apontarem fatores internacionais, estratégicos, políticos e estruturais para explicar as razões por trás da desaceleração econômica desde 2011.
O segundo ponto de divergência diz respeito às políticas para sair da crise: o grupo “majoritário” defende um ajuste fiscal estrutural, que reduza o tamanho do Estado e seu papel como provedor de seguridade social e serviços públicos, pretensamente abrindo espaço para o capital privado liderar uma nova rodada de crescimento.
Enquanto isso, parte dos “dissidentes” aposta em uma estratégia de retomada do crescimento em que o Estado teria um papel decisivo como organizador dos investimentos privados, ampliando os investimentos público/privados, reduzindo juros e mantendo os programas sociais e os serviços públicos, gerando assim uma fonte de demanda autônoma em uma economia que não encontra outras formas de se recuperar.
Como pano de fundo destas divergências, temos o tradicional debate acerca do papel do Estado na economia, a eficiência (ou não) dos mercados como balizadores para o processo de desenvolvimento e a conveniência de discricionariedade ou da adoção de regras na política econômica.
Todos estes são debates clássicos na economia, mas se acirram em momentos de recessão, quando se procura um “culpado” pelos males nacionais.
Três propostas
Apesar das divergências de fundo, caso superemos o debate puramente político/eleitoral, há espaço para a construção de importantes consensos, que deveriam balizar o debate e substituir as ofensas e acusações pela legítima preocupação com o futuro do país. Seguem aqui três sugestões que visam partir dos atuais consensos para tirar o Brasil da situação que se encontra:
1. Em primeiro lugar, parece haver um consenso acerca da inadequação da utilização da taxa SELIC como forma de combate à inflação atual. Este consenso tem origens diversas, com o campo majoritário apelando para a controversa tese da “dominância fiscal”, enquanto os dissidentes apontam a “natureza” da inflação recente como justificativa para a ineficácia da taxa de juros como forma de combatê-la.
Apesar das diferenças, a conclusão é a mesma: juros mais altos não combaterão a inflação atual, aprofundando os problemas fiscais e a recessão.
Neste sentido, parece sensato uma proposta que aposte na manutenção da atual taxa real de juros (próxima de 4,25%), considerada suficiente pelo BACEN para combater o atual cenário inflacionário, até ao menos a inflação retomar para dentro da banda superior da meta em 2016.
A esperada retração da inflação acumulada em doze meses no início de 2016 servirá, portanto, para iniciar a queda dos juros nominais, de forma a preservar a taxa real de 4,25%. Ou seja, a redução da taxa de juros deve ser guiada pela manutenção da taxa de juros real balizada pelas expectativas inflacionárias do Banco Central para o final de 2016 (foward guidance), que hoje se encontram próximas a 6,5%.
Isso levaria o BC a adotar uma estratégia de redução gradual dos juros ainda no início de 2016, não permitindo a elevação da taxa real para algo próximo a 6% no final do ano, como prevê atualmente o Boletim Focus. No ano de 2017, esse processo de foward guidance pode prosseguir, reduzindo-se os juros reais para o nível que o BC acredita compatível com a convergência para o centro da meta.
2. Em segundo lugar, há um crescente consenso acerca do atual patamar mais desvalorizado da taxa de câmbio, que apesar de promover um impacto nas taxas de inflação e reduzir o salário real, era necessário para reequilibrar as contas externas e proteger o mercado interno das importações de insumos e bens finais.
Mais uma vez, existem divergências: enquanto os “majoritários” defendem a livre flutuação cambial e um câmbio que garanta o mero equilíbrio em conta corrente, os “dissidentes” defendem tanto controles cambiais que impeçam grandes flutuações (decorrentes de especulação com nossa moeda) quanto, no caso do novo-desenvolvimentismo, a adoção de uma taxa de câmbio competitiva para a indústria, apostando em uma estratégia de crescimento baseada nas exportações de manufaturados. Seja como for, o consenso está formado acerca da adequação do atual patamar cambial.
Neste sentido, propõe-se a preservação da atual taxa real de câmbio, através da adoção de medidas que impeçam que a volatilidade do mercado internacional se amplifique no mercado cambial nacional, garantindo uma perspectiva mais estável para a moeda brasileira.
Sugere-se a regulação do mercado cambial, em particular no mercado futuro de câmbio, seguindo recomendações de organismos internacionais e experiências bem- sucedidas de controle de capital, mesmo que este tema não seja exatamente consensual no debate nacional.
3. Por fim, ao contrário do que o histriônico debate público sugere, há consenso acerca da necessidade de recomposição da capacidade de financiamento do Estado, estabilizando o nível de endividamento (líquido e bruto) e reencontrando o por todos desejado equilíbrio fiscal.
Aqui, as diferenças se encontram na estratégia e prazos para alcançar este objetivo: enquanto os “majoritários” apostam em rápidos cortes de gastos obrigatórios, em particular aqueles ligados a seguridade social assegurados pela Constituição de 1988, os “dissidentes” (em particular os social-desenvolvimentistas) defendem uma reforma tributária progressiva e distributiva capaz de recompor a capacidade de financiamento do Estado, permitindo a retomada do investimento público e a preservação dos gastos sociais como forma de impulsionar a economia brasileira e recuperar a arrecadação pública no médio prazo.
Provavelmente, alguma combinação entre as duas posições seja possível, abrindo espaço para medidas de otimização dos gastos públicos (em busca da redução de fraudes e fim dos gastos concentradores do Estado, como algumas transferências de impacto distributivo negativo) e reforma da base tributária, hoje excessivamente concentrada nos mais pobres e que deveria ser substituída por impostos de caráter progressivo (taxação sobre lucros e dividendos, reforma do Imposto sobre heranças, etc.), compensado pela redução de alguns tributos concentradores sobre a produção e o consumo.
Já a retomada do investimento público, recomendada para países em recessão e situação fiscal delicada por instituições como o FMI, deve vir em conjunto com a recuperação (judicial e financeira) das empresas de engenharia nacional e da Petrobrás, capazes de realizar estes investimentos.
Devem ser priorizados os investimentos com alto efeito multiplicador e que possibilitem ganhos de produtividade. Além disso, é necessário aumentar a oferta de crédito para pequenas e médias empresas que fornecem insumos e serviços para estes e outros setores, com o objetivo de estabilizar seu fluxo de caixa e impedir uma onda de recuperações judiciais que impeça a desejada recuperação da atividade econômica.
Conclusão
A estabilização do câmbio real e dos juros reais criaria um ambiente de maior previsibilidade para o empresário. Com o aumento dos investimentos público/privados em infraestrutura, o setor privado teria também o impulso de demanda autônoma necessário para reativar suas perspectivas produtivas.
Além disso, estes investimentos sinalizariam de maneira clara a continuidade da demanda e a abertura de novas áreas de acumulação, que em conjunto com a queda gradual dos juros nominais podem recriar um ambiente propício ao investimento produtivo no Brasil.
O aumento do crédito será necessário para viabilizar a reestruturação financeira das empresas produtivas, permitindo a elas expandir sua produção sem aumentar demasiadamente seus custos de capital, melhorando suas condições de solvência e rentabilidade.
Questões de prazo, métodos e estratégias separam os economistas dos diferentes campos, mas parece haver mais consenso do que dissenso no que tange aos objetivos gerais almejados.
Todos desejam taxas de juros mais baixas, inflação controlada, câmbio competitivo, situação fiscal equilibrada e a retomada do crescimento. É evidente que a ordem e prioridade dos fatores geram dissensões, mas à parte a retórica belicista do debate político, parece ser possível encontrar um consenso mínimo que envolva uma série de questões fundamentais para destravar o desenvolvimento nacional.
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