quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Economia e o eterno retorno do mesmo

Por Luiz Gonzaga Belluzzo, na revista CartaCapital:

Os países ditos emergentes sofrem, ainda uma vez, as angústias que antecedem a elevação da taxa de juros básica nos Estados Unidos e padecem os temores das mudanças de humor dos fluxos de capitais. No início da década dos 1990, o Fundo Monetário e o Banco Mundial garantiam que a abertura e a desregulamentação financeiras promoveriam a suavização das flutuações da renda e do consumo nos países da periferia.

Os deslocamentos da finança em livre movimentação funcionaram ao revés e invariavelmente levaram os deficitários e detentores de moedas não conversíveis a desfechos desagradáveis. No Volume II doTratado da Moeda, Keynes afirma que em um sistema monetário internacional dominado pela livre movimentação de capitais “a taxa de juro de um país é fixada por fatores externos e é improvável que o investimento doméstico alcance o nível de equilíbrio”, ou seja, um valor compatível com o melhor aproveitamento dos fatores de produção disponíveis.

Nos últimos 30 anos, as crises se multiplicaram nas chamadas economias emergentes. Do México à Argentina, passando pela Ásia e Rússia, sem esquecer o Brasil, as economias balançaram, açoitadas por desvalorizações cambiais dolorosas e crises fiscais e financeiras.

Foram persistentes as lições dos “fatos”. Nem mesmo os defensores da abertura das contas de capital resistiram à precariedade de suas sabedorias. O FMI publicou, em setembro, o Global Financial Stability. Nessa edição, o relatório trata dos riscos construídos pelo excessivo e imprudente endividamento em moeda estrangeira das empresas não financeiras nas ditas economias emergentes.

Depois de recomendar rigorosas medidas macroprudenciais destinadas a controlar o endividamento em moeda estrangeira de bancos e empresas, o relatório dispara: “As economias emergentes devem estar preparadas para graves desequilíbrios financeiros e patrimoniais das empresas, inclusive para uma sucessão de falências na posteridade da elevação das taxas de juros nas economias avançadas”. A situação agrava-se nas economias enfiadas na recessão aguda, com queda do faturamento, juros elevados, crédito em retração e, naturalmente, colapso da capacidade de pagamento dos devedores.

A finança em livre movimentação funciona na contramão das teimosas versões da macroeconomia aberta dos mercados financeiros eficientes. Em sua empáfia, os Napoleões de hospício asseguram: o que está acontecendo não pode acontecer. É ilusório supor que o regime de câmbio flutuante numa situação de estresse vai resistir à reversão do fluxo de capitais. Ainda pior é imaginar que uma ulterior elevação da Selic ou a utilização das reservas no mercado do dólar “pronto” vai aplacar os apetites por moeda forte dos mercados cambiais.

Na Conferência de Bretton Woods, ao recomendar a adoção do sistema de compensações internacionais para ajustar os déficits e superávits entre as nações, Keynes almejou eliminar o papel desestabilizador da função reserva de valor do dinheiro mundial nos desequilíbrios globais. A moeda internacional seria simplesmente veicular.

As turbulências cambiais nos países de moeda não conversível, com suas graves consequências fiscais e monetárias domésticas, exibem a assimetria fundamental do sistema monetário-financeiro global. A função de reserva de valor do dólar é um perigoso agente da “fuga para a liquidez”. Isso, como é sabido, submete as demais moedas nacionais às políticas monetárias dos Estados Unidos, tal como observamos agora às vésperas de todas as reuniões do Federal Open Market Comitee.

Mesmo em um ambiente internacional de taxas de juros negativas nos países avançados, como registra o Global Financial Stability, a trajetória da dívida pública e privada dos emergentes está submetida, em primeiríssima instância, aos prêmios de risco exigidos pelos investidores para manter em suas carteiras os ativos denominados na moeda “emergente” não conversível.

Em tais condições, as benesses da facilitação quantitativa se dissipam nos diferenciais de juros reais, sempre mais elevados nos emergentes, impondo aos orçamentos uma carga absurda de despesa com juros. No Brasil de 2014, a execução orçamentária registra 978 bilhões de reais de despesa com juros, 45,11% do gasto total.

Essa aberração impõe o “enxuga-gelo” da obtenção de superávits fiscais permanentes e subtrai capacidade de gasto em investimento e nas políticas sociais, imprescindíveis em um país de desigualdades indecentes. Mas esses “fatos” estruturais e convencionais são jogados para debaixo das tapeçarias que adornam os salões em que ecoam as vozes das versões Mickey Mouse dos sabichões e interesseiros da arbitragem lucrativa nos mercados futuros de juros e câmbio.

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