quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Argentina: ódio e revanche de Macri

Por Raul Fitipaldi, no site Desacato:

Os primeiros 30 dias do governo de Maurício Macri estão por concluir. Como me comentou a colega argentina Nora Veiras, do programa 6,7,8, não há como desconhecê-lo. Macri conduz o Executivo argentino pela via democrática do voto representativo. Não há como negar sua procedência para estar onde está. A pequena margem da sua vitória não é tema que discuta a legalidade do lugar que ocupa. O que sim não é recomendável é reconhecer suas medidas e as do seu governo como democráticas, muito menos como populares, já que a maioria estão tingidas por uma pátina de ilegalidade, ou de legalidade discutível.

O eleitorado argentino deu um prêmio quase inesperado à direita mundial, os capitais internacionais, os banqueiros, as transnacionais e, muito em particular, aos Estados Unidos. Mas, em menos de 30 dias já suspeita que deu um tiro no pé. A república macrista fantástica que se prometia em Clarinlandia era mentira, como a maioria do que vende Clarín, e vendeu gato por lebre. Macri está destruindo a Argentina para dentro do país, e para fora, entregando-a de mão beijada. A democracia presente na Argentina é atingida de forma violenta e ícones e símbolos da malha social e pensante do país sofrem a perseguição diária, simbólica e prática, por parte desta espécie de “ditadura democrática” que encarnam Macri e sua equipe. Não se salva ninguém, nem sequer o Parlamento, nada. A buldozzer macrista não descansa.

A soberania monetária foi atingida na linha de largada. A moeda argentina foi desvalorizada com relação ao dólar um 40%. O passo imediato foi atingir a Lei de Meios que durante mais de 20 anos o povo argentino procurou com debates setoriais e populares ao longo do país. Um agrado especial ao CEO do Grupo Clarín, Héctor Magnetto, capo da campanha de toda e qualquer direita argentina, especialmente das ditatoriais. O seguinte foi uma agressão não muito bem explicada à Sede da Rádio das Mães de Praça de Maio, com apedrejamento e agressão a um funcionário da emissora. Dias depois foram liberados da prisão 5 militares da repressão. Depois veio o anúncio da demissão em massa de 2.035 trabalhadores do Senado argentino e, a repressão social, a proibição de trabalhar aos médicos formados em Cuba, e um ar de ameaças de clausura contra o Centro Cultural Néstor Kirchner além de demissões de 85% dos trabalhadores. Essas são as ações na linha de largada imputáveis a este governo antipopular e conservador que votaram os argentinos.

Muita pressa para tanta medida? Pode ser, é um direito do novo chefe da Casa Rosada, mas, o que se observa nos jornais e nas redes sociais é o desejo de enterrar a chamada “era K” (assim chamada em função dos mandatos do falecido Néstor Kirchner e de sua esposa, Cristina Fernández de Kirchner). Não se trata de apagar da história o peronismo, o que além de não ser possível não sugere nenhum desconforto ao capital nacional e internacional. A era K não foi uma era convencionalmente de esquerda, porém com avanços progressistas. Avanços especialmente importantes em algumas áreas sensíveis da política, a economia e a sociedade argentina. A reestatização de empresas estratégicas de transporte e energia, o bônus em favor dos aposentados, e o bônus por filho e gravidez, a legalização do casamento igualitário, o julgamento a genocidas da ditadura, a liberação do futebol de forma gratuita por via da tevê aberta, a repatriação de científicos que estavam no exterior, a lei de regulação da mídia e o ataque aos fundos abutres foram um acinte para os interesses da oligarquia argentina e seus sócios no exterior. A relação com a Venezuela bolivariana, com Cuba e a aproximação com outros países da região tornou-se inaceitável para o compadrio burguês.

Há mais de uma década que a direita, a oligarquia, alguns setores militares, os juízes conservadores e, especialmente, os grupos de Clarín e La Nación, vem acumulando ódio contra os governos kirchneristas e seus seguidores. Esse ódio e sua natureza de classe e econômica precisava sangue. A revanche está servida no pacote governamental de Maurício Macri.

Paralelamente, as ruas começam a se manifestar com formas parecidas àquelas que devolveram De la Rua de helicóptero. Em dois parques simbólicos da cultura portenha, o ex-ministro de economia de Cristina Axel Kicillof e o ex-titular da autarquia que regulava a Lei de Meios, Martin Sabbatella, mais os jornalistas do programa 6,7,8, reuniram algumas dezenas de milhares de pessoas que afirmaram, em primeiro lugar, que os movimentos sociais não consideram que a “era K” tenha terminado, com ou sem Cristina Fernández.

O que aconteça nos próximos 30 dias definirá com mais clareza como se comportarão Maurício Macri e a oposição capitaneada por Cristina Fernández. O que é seguro é que as veredas se manterão paralelas e enfrentadas até o final. Quem garantiu esse clima é o governo entrante de Macri com suas medidas de “choque elétrico” como alguém as batizou.

A América Latina, onde também venceu no parlamento a direita neoliberal venezuelana, passará por dura prova este ano. O setores progressistas precisam reagir de forma vigorosa pois, o vento traz ódio, revanche e o que é muito pior, ataque com e sem quartel às conquistas, pequenas que fossem, que os trabalhadores, os excluídos e as minorias obtiveram na primeira década do século, quando Hugo Chávez ainda estava presente para liderar e aconselhar os caminhos a serem transitados na região.

* Com colaboração de Tali Feld Gleiser.

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