O dia 29 de abril de 2015 ficará registrado na história do Paraná como um dos mais tristes e reveladores episódios de como a educação é tratada por governantes no País.
Em frente à Assembleia Legislativa, em Curitiba, cerca de 200 professores foram agredidos por policiais militares quando protestavam contra uma proposta de mudança no sistema de previdência estadual. As imagens de professores ensanguentados correram o mundo.
O governador do Paraná, Beto Richa(PSDB), chegou a dizer que os policiais teriam apenas se “defendido”.
A confusão de conceitos entre democracia, pedagogia e violência parece fazer parte da rotina do governador. Alvo de uma ação de improbidade administrativa pelo Ministério Público por ter, segundo a investigação, se omitido no caso, Richa disse “lamentar” a propositura do processo.
A evolução dos indicadores da educação no Paraná mostra que quem tem mesmo a lamentar no estado onde governa pelo segundo mandato são os alunos da rede pública. Indicadores do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) – mostram que, desde 2009, o aproveitamento dos alunos do ensino médio vem caindo. A nota que era baixa naquele ano (3,9) caiu para 3,6 em 2011 e despencou em 2013 para 3,4.
Dinheiro é o que não falta, pelo menos nos bolsos do tucano e de seus aliados. Quem afirma são testemunhas e delatores de uma investigação do Ministério Público do Paraná batizada oportunamente de “Quadro Negro”.
A apuração mostra uma operação engenhosa criada para que recursos que deveriam ser destinados à construção de escolas acabassem financiando a campanha de Beto Richa à sua reeleição, e de políticos ligados ao seu governo. Esse enredo começou faz quase 20 anos e mostra uma rede de relações incestuosas envolvendo políticos, empresários e laranjas. E corrupção, muita corrupção.
Os detalhes da investigação constam na denúncia do MP e no inquérito de posse da Procuradoria-Geral da República e vídeos de depoimentos, aos quais CartaCapital teve acesso com exclusividade, e foram divulgados em primeira mão esta semana.
Um dos personagens centrais nessa história, e que hoje se diz “inimigo” de Beto Richa, é o empresário Juliano Borguetti, irmão da vice-governadora e braço direito de Richa, Cida Borguetti.
Para entender quem é o empresário é preciso incluir mais um nome nesse entrecho, o executivo Eduardo Lopes de Souza, dono da Valor Construtora e Serviços Ambientais, a quem Borguetti chama de “amigo” e diz já ter ajudado em diversas ocasiões.
Os dois trabalharam juntos na campanha a governador de Jaime Lerner no início dos anos 90 e desde então estreitaram seus laços de amizade, aproximando os interesses públicos e privados.
Borguetti passou os últimos 22 anos pulando de órgão público em órgão público até assumir a cadeira de vereador em Curitiba em 2008. Como não foi reeleito em 2012, ganhou de bonificação um cargo de superintendente dentro da Secretaria de Planejamento do Estado, por conta do laço de família com a vice-governadora.
Borguetti acabou exonerado após ser flagrado em uma briga envolvendo torcedores do Atlético Paranaense e do Vasco, em dezembro de 2013. O irmão da vice-governadora decidiu então se voltar novamente para a seara dos negócios privados.
Dono de quatro apartamentos em Curitiba, dos quais três alugados, um em uma das áreas mais caras da cidade, o bairro de São Francisco, é detentor de boa renda graças a aluguéis na casa dos 8 mil reais.
O patrimônio declarado à Justiça Eleitoral em 2012 foi de 482 mil reais, mas, segundo as investigações, os imóveis valem no total pelo menos 2 milhões de reais. Preso no fim do ano passado, mas já solto pela Justiça do Paraná, Borguetti seria o encarregado de intermediar os interesses da Valor Construtora e Serviços Ambientais junto ao Estado.
De acordo com uma das testemunhas, Borguetti era quem “ajudava” a acelerar os pagamentos de contratos para a construção de escolas cujo projeto, segundo o MP, em alguns casos nem sequer chegou a sair do papel.
O esquema teria causado um rombo de pelo menos 18 milhões de reais aos cofres do Estado. Borguetti receberia uma mesada de 15 mil reais pelo serviço. Apenas um troco perto do tamanho do esquema.
Quem conta os detalhes da engenharia financeira por trás da operação é uma advogada de Eduardo, Úrsulla Andrea Ramos. Ela trabalhou como procuradora da Valor Construtora, mas, para o MP, também colaborou na lavagem de dinheiro do esquema.
Surpreendida por uma busca e apreensão em sua casa no fim do ano passado, a advogada foi até o MP prestar depoimento sobre o seu suposto envolvimento no caso.
Chegou muito tensa, acompanhada de dois advogados e de um representante da OAB-PR. Alegando inocência, contou que se tornou próxima do dono da construtora e acabou conhecendo de perto detalhes da vida de Eduardo.
Para tirar o seu nome do negócio e se manter como sócio oculto da empresa, Eduardo fez uso de um laranjal. Colocou duas funcionárias como testas de ferro do esquema: Vanessa Domingues de Oliveira e Tatiane de Souza.
As duas faziam serviços administrativos na empresa e acabaram aceitando a proposta de assumirem a titularidade da construtora por um aumento no salário. Aproveitando da modesta condição financeira de ambas, ofereceu uma ninharia: Vanessa ganharia um adicional de 1 mil reais e Tatiane, de 500 reais.
A proposta parece não ter valido a pena. Envolvidas no esquema, as duas acabaram presas por cinco dias no ano passado e hoje se dizem arrependidas por terem aceitado integrar o quadro da construtora. De acordo com as investigações, elas ficaram encarregadas de cuidar de documentação e de fazer saques de dinheiro da conta da empresa.
Elas afirmam que realizavam retiradas de 300 mil a 400 mil reais com frequência e entregavam o dinheiro ao dono da construtora. A quantia era repassada aos políticos ligados ao esquema. Eduardo ainda tentou se livrar da responsabilidade pelas falcatruas e calar as funcionárias.
Por meio da irmã, e também denunciada, Viviane Lopes de Souza, que trabalhava como engenheira na empresa, ofereceu-lhes 700 mil reais para que elas não revelassem os detalhes da tramoia.
Era do conhecimento de Tatiane e Vanessa que Eduardo vivia dentro da Secretaria de Educação do governo Richa e que as medições das obras eram fraudadas para acelerar os pagamentos à construtora.
O contato de Eduardo dentro da secretaria era Maurício Fanini, ex-diretor da pasta, de acordo com as investigações, responsável pela liberação dos adiantamentos de pagamentos pelas obras que não saíam do papel.
O caminho do dinheiro, conforme Úrsulla, foi-lhe exposto por Eduardo após a deflagração da operação no ano passado. Preocupado com as prisões das duas laranjas do esquema, o dono da construtora confidenciou à advogada que o dinheiro da propina não era só para ele.
Em um vídeo do depoimento de Úrsulla, ela conta que o dinheiro abasteceu a campanha de Richa; do presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, Ademar Traiano (PSDB); do deputado estadual Tiago Amaral (PSB), filho do ex-chefe da Casa Civil de Richa e conselheiro do TCE Durval Amaral, e do deputado estadual e primeiro-secretário do legislativo paranaense, Plauto Miró (DEM).
De acordo com Úrsulla, Eduardo afirmou que a situação havia saído de seu controle. Ela disse que o empresário se precaveu para criar uma rede de proteção, caso o escândalo viesse a público algum dia. “Ele tem todas essas conversas gravadas”, declara a advogada.
Eduardo acabou preso no fim do ano passado preventivamente e, segundo pessoas próximas, estaria se preparando para uma delação premiada. Os negócios da construtora também teriam se estendido para prefeituras de outros estados e Eduardo teria muita munição para trocar em favor da confissão.
Os auxiliares do procurador Rodrigo Janot já começaram a se inteirar do caso. Caso Eduardo realmente feche a delação, Richa e seus aliados do Paraná terão de enfrentar muita dor de cabeça pela frente.
O governo do Paraná se apressa em informar que “as irregularidades que envolvem a construtora Valor foram descobertas por sistemas internos de controle do Governo do Paraná e se transformaram numa sindicância aberta em maio de 2015 pela Secretaria de Estado da Educação e, em seguida, em inquérito aberto pela Polícia Civil.
Desde o início, o Governo vem tomando todas as medidas necessárias para apurar, punir desvios de conduta e recuperar recursos desviados”.
Enquanto isso, o TCE informou que o conselheiro Durval está de férias no norte do estado e que em novembro do ano passado determinou a suspensão de contratos de sete escolas em que foram apontados indícios de fraude nas medições, com o pagamento de serviços ainda não executados. Seis são da Valor Construtora e uma da Machado Valente Engenharia.
Na Assembleia Legislativa do Paraná, ninguém trata das investigações envolvendo os deputados, pois o recesso termina apenas em 20 de janeiro, mas o PSDB-PR informou que não recebeu nenhuma doação da construtora Valor.
Quanto à defesa de Juliano Borguetti, “reforça que seu relacionamento com a empresa Valor Construtora e Serviços Ambientais é posterior aos fatos denunciados e que não tem qualquer participação nos desvios denunciados e refuta qualquer acusação de tráfico de influência como provará no processo”.
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