Por Darío Pignotti, no site Carta Maior:
As respostas de Bastos são precisas e claras, sem ser superficiais: seu discurso é muito distinto ao dos tecnocratas neoliberais e sua vigarice monetarista, divulgada como um pensamento único pela imprensa hegemônica.
Para Bastos, a presidenta colocou “o carro na frente dos bois” com a política de ajustes aplicada justamente quando se esgotava o ciclo virtuoso da expansão e da distribuição, mas elogia Dilma por ter deixado Levy – que, como outros hierarcas do mundo financeiro que utilizam as portas giratórias do poder, deixou seu despacho em Brasília para ocupar outro em Washington, onde servirá aos seus verdadeiros patrões do Banco Mundial. “Dilma sabia que ao despedir Levy teria que enfrentar a pressão do setor financeiro. Decidiu pedir sua demissão antes que fosse tarde demais”, aponta Bastos, autor do livro “Austeridade para quem?”, junto com o também economista Luiz Gonzaga Belluzzo.
Ao demitir Levy, Dilma se recuperou dos passos equivocados do ano passado e voltou à estaca zero?
Não sabemos se ela vai a recuperar o que se perdeu durante esse duro ajuste, isso só se verá com os fatos. Em todo caso, ela não poderá começar do zero, e sim de uma economia em recessão, um desemprego perto dos 10% e uma inflação acima dos 10%. Tudo isso foi o legado de Levy. Estaremos atentos ao que acontecerá na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (esta semana), para ver que propostas econômicas surgirão e os sinais políticos de cada setor. O cenário está aberto, porque ainda há condições políticas para uma mudança, não há nada que impeça uma guinada, apesar da situação econômica ser muito séria. O governo pode se apoiar em suas bases naturais, como os sindicatos, o movimento popular, os setores que entregaram seus votos para que Dilma fosse reeleita, em outubro de 2014. Já houve encontros no ano passado, com sindicatos e setores industriais, como a Anfavea (fabricantes de automóveis).
Por que ela colocou Levy no cargo quando iniciou seu segundo mandato?
A presidenta acreditou, equivocadamente, que com isso ela conquistaria a confiança do mercado, algo que não ocorreu. Também é verdade que Dilma escutou o conselho de Lula antes de nomear Levy, não foi uma decisão somente dela, mas independente disso, que pode ser um fato anedótico, recordemos que ela teve que enfrentar vários problemas econômicos. Para começar, o mundo mudou, afetando muito o preço das matérias primas exportadas pelo Brasil. Adicione a enorme pressão causada pela concorrência dos bens industriais chineses e a pressão dos Estados Unidos e da Europa, que aplicaram políticas de reversão dos seus déficits comerciais para sair de suas crises, através de suas empresas estabelecidas no exterior. No Brasil, a produção industrial deixou de crescer, ficamos estancados nos índices de produção de 2008, e atualmente vemos altos níveis de capacidade ociosa das fábricas. Finalmente, tenhamos presente as diferenças com a situação que havia no governo de Lula. Durante esse período, houve um ciclo de expansão motorizado pela demanda interna e pelo crédito. Em 2010, o PIB cresceu mais de 7%. Em 2011, primeiro ano de Dilma no governo, houve um impulso ao crédito imobiliário, durante o auge do programa Minha Casa, Minha Vida. Mas todo aquele ciclo chegou ao seu teto natural quando se duplicou a dívida das famílias de baixa renda, que viveram um período de compra de bens duráveis e até imóveis, mas que recentemente começaram a fechar a torneira, desacelerando o consumo. A somatória de todos esses fatores fez com que a economia chegasse ao fundo do poço em 2014.
E então o que aconteceu?
Na minha opinião, o governo de Dilma não entendeu, em 2014, que estava diante do fim de um ciclo, e começou a aplicar o ajuste fiscal com força. Reduziu o gasto público e aumentou as taxas de juros, piorando a situação. Em 2014, a economia teve crescimento zero, esse não era o momento de apertar, era o ano em que deveria começar uma política de investimentos públicos para melhorar os serviços como a saúde, a educação e a mobilidade urbana, que eram e são demandas sociais impostergáveis. Esses investimentos poderiam ser traduzidos em direitos para os cidadãos que não têm condições de pagar pela saúde e pela educação privadas. Mas o governo optou por transferir dinheiro ao setor privado, dando subsídios aos empresários esperando que eles garantissem a ocupação de trabalhadores, mas os empresários, em vez de investir, usaram o dinheiro público para incrementar suas margens de lucro.
República dos banqueiros
Isso significa que o modelo de redistribuição e inclusão está esgotado?
Isso quer dizer que hoje existem outras circunstâncias. Podemos sair dessa situação com políticas anticíclicas, e isso requer investimentos públicos e privados, requer crédito. Não se pode fazer isso com um superavit de 0,5% do PIB, que foi aprovado no Congresso para o orçamento de 2016. Esse superavit estrangula toda a política ativa. Se o governo colocar um plano de reativação, deixando de lado os cortes, terá que se preparar para uma violenta reação do setor financeiro, que se beneficia muito com as políticas de ajuste e as altas taxas de juros.
As maiores do mundo, de 14,25%.
Exato. Esses grupos financeiros e os partidos conservadores questionam o aumento de 10 bilhões de reais (2,5 bilhões de dólares) para o programa Bolsa Família e se calam a respeito dos mais de 500 bilhões de reais (125 bilhões de dólares) que se pagam por juros da dívida, e se incluirmos os swaps (seguros de câmbio pagos pelo governo) chegamos a 600 bilhões de reais (150 bilhões de dólares), e nessa conta não agregamos a amortização de capital da dívida. É absurdo. Pedem austeridade fiscal enquanto esses custos financeiros representam 93% do deficit.
Apesar desse lucro, os bancos continuam sendo hostis com Dilma.
Porque há um setor poderoso demais, que sempre quer ampliar sua renda e seus privilégios.
Impeachment
Dilma Rousseff recordou, em entrevista publicada neste fim de semana, que há um tempo atrás, Paul Krugman (Prêmio Nobel de Economia de 2008) alertou sobre os fatores políticos que contaminaram artificialmente a realidade econômica até derivar na grave crise atual, e lamentou, em diálogo com a Folha de São Paulo, o radicalismo adotado pela oposição, encabeçada pelo PSDB e pelo peemedebista Eduardo Cunha, cegados pelo desejo de desestabilizar o governo a qualquer custo, inclusive promovendo um impeachment e obstruindo o trabalho do Congresso.
Esse ponto de vista de Krugman e Rousseff coincide com a tese de Pedro Paulo Bastos, ex-presidente da Associação Brasileira de Investigadores da História Econômica, para quem “a realidade seria menos crítica se não fosse por esse clima contaminado pelas tentativas de impeachment”.
As entidades empresariais apoiam o impeachment?
A condução da Federação de Indústrias de São Paulo (FIESP), com seu presidente Paulo Skaf, apoiou o impeachment, mas os industriais estão divididos. Há setores importantes que não estão a favor do golpe. Por outro lado, no caso dos banqueiros, parece que entre eles há uma posição mais homogênea de simpatia com relação ao impeachment. Querem que Dilma saia rápido.
Dilma e o PT
O PT sempre procurou ser aceito pelas classes empresariais, os bancos, mas nunca foi incluído nem respeitado. Eu acho que essas classes alimentam uma rejeição total aos símbolos, ao programa e aos valores da esquerda e encarnados pelo PT, embora o partido não haja implementado um programa realmente de esquerda, ainda que possa fazê-lo no futuro. E o outro tema concreto é que, ainda que o PT tenha feito concessões à direita, a direita quer mais. O programa da direita quer a privatização dos bancos estatais, como o Banco de Brasil, além da Petrobras, que é como a jóia da coroa. Esses grupos também querem reverter os direitos sociais e trabalhistas que foram sendo conquistados nos últimos anos. Por tudo isso é que a direita econômica e política está demonizando o PT.
Legado de Lula
As elites defendem a economia política da exclusão?
Sim, essa é a situação. Nossa economia política pode ser melhor entendida quando vemos que o Brasil vem de uma cultura escravagista, que esse modelo foi abolido poucos anos antes do fim do Século XIX, mas que deixou como legado um racismo muito forte. O Brasil é um país onde os direitos trabalhistas sempre foram encarados com desprezo pela classe média profissional e pelas elites. Esses setores acomodados, entre os quais quase todos são brancos, se sentem naturalmente, e até etnicamente superiores aos trabalhadores manuais, que são majoritariamente mestiços ou negros, herdeiros da escravidão, que ganham a vida em atividades econômica, simbólica e culturalmente subvalorizadas. Eu me lembro quantas críticas houve contra a formalização das trabalhadoras domésticas, impulsionada por Dilma. Ou contra a criação de cotas para negros nas universidades. Foi preciso usar o fórceps para que essas conquistas fossem aceitas pelas classes altas, acostumadas a níveis de consumo de países ricos, graças à enorme desigualdade brasileira, e o custo inumano desses milhões de pessoas pobres. Eu usaria a expressão: o maior problema da política econômica brasileira é a resistência a qualquer mudança que beneficie os setores secularmente excluídos.
Setores beneficiados na época de Lula…
Ao fazer um balanço destes quatro governos do PT, não devemos deixar de elogiar o ex-presidente Lula. Ele não só atendeu as demandas dos trabalhadores formais como levou adiante uma política para os trabalhadores informais e os cidadãos mais pobres do Brasil. Na verdade, Lula respeitou o que já estava previsto na Constituição de 1988, mas que nenhum presidente havia posto em prática. Não nos esqueçamos de um cenário que existia em vários estados, principalmente no Nordeste: os trabalhadores estavam obrigados a vender sua mão de obra por valores indignos, e com a valorização do salário mínimo foi estabelecido um piso que trouxe uma transformação real importante para muita gente.
* Publicado originalmente no jornal argentino Página-12. Tradução de Victor Farinelli.
A presidenta Dilma Rousseff demonstrou sua disposição em deixar para trás o ajuste implementado por Joaquim Levy, o ex-ministro da Fazenda “radicalmente neoliberal”, que renunciou ao cargo em dezembro e foi substituído pelo desenvolvimentista Nelson Barbosa. “Esses sinais de Dilma são importantes, Barbosa indica uma mudança, que na prática pode trazer essa mudança, de romper com a herança de Levy e construir um pacto político-social”, aponta Pedro Paulo Bastos, doutor em Economia e pesquisador da Universidade de Campinas.
“Barbosa é diferente de Levy, possui anos de experiência em cargos públicos, fez um trabalho sério no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)”, através do qual se construíram obras de infraestrutura”, compara Bastos, um acadêmico prestigiado e analista de referência.
Para construir um possível entendimento que ajude o país a se recuperar da recessão de 3,6% e do desemprego 9% registrados em 2015, segundo dados oficiais, Dilma se reunirá esta semana com sindicalistas, empresários e intelectuais que integram o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, criado em 2003 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Segundo os meus cálculos, o Produto Interno Bruto caiu 4 ou 4,1% em 2015, creio que as projeções oficiais vão ser corrigidas quando se publique o informe definitivo em março, estamos no fundo do poço”, aponta Bastos, durante a entrevista realizada no 15º andar de um edifício localizado na Avenida Paulista, no coração financeiro do país, a poucas quadras da FIESP, cujo presidente Paulo Skaf advoga pelo impeachment e confessa sua admiração pelo presidente argentino Mauricio Macri, que ele homenageou no mês passado.
“Barbosa é diferente de Levy, possui anos de experiência em cargos públicos, fez um trabalho sério no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)”, através do qual se construíram obras de infraestrutura”, compara Bastos, um acadêmico prestigiado e analista de referência.
Para construir um possível entendimento que ajude o país a se recuperar da recessão de 3,6% e do desemprego 9% registrados em 2015, segundo dados oficiais, Dilma se reunirá esta semana com sindicalistas, empresários e intelectuais que integram o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, criado em 2003 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Segundo os meus cálculos, o Produto Interno Bruto caiu 4 ou 4,1% em 2015, creio que as projeções oficiais vão ser corrigidas quando se publique o informe definitivo em março, estamos no fundo do poço”, aponta Bastos, durante a entrevista realizada no 15º andar de um edifício localizado na Avenida Paulista, no coração financeiro do país, a poucas quadras da FIESP, cujo presidente Paulo Skaf advoga pelo impeachment e confessa sua admiração pelo presidente argentino Mauricio Macri, que ele homenageou no mês passado.
Pedro Paulo Bastos comenta também as divisões que existem entre os dirigentes industriais, diz que Skaf “enfrenta muita oposição, empresários que não apoiam o impeachment”, e entrega dados sobre o “fundo do poço econômico” ao qual o Brasil chegou, devido à “irresponsável” política de cortes executada durante o período de Levy no ministério da Fazenda.
As respostas de Bastos são precisas e claras, sem ser superficiais: seu discurso é muito distinto ao dos tecnocratas neoliberais e sua vigarice monetarista, divulgada como um pensamento único pela imprensa hegemônica.
Para Bastos, a presidenta colocou “o carro na frente dos bois” com a política de ajustes aplicada justamente quando se esgotava o ciclo virtuoso da expansão e da distribuição, mas elogia Dilma por ter deixado Levy – que, como outros hierarcas do mundo financeiro que utilizam as portas giratórias do poder, deixou seu despacho em Brasília para ocupar outro em Washington, onde servirá aos seus verdadeiros patrões do Banco Mundial. “Dilma sabia que ao despedir Levy teria que enfrentar a pressão do setor financeiro. Decidiu pedir sua demissão antes que fosse tarde demais”, aponta Bastos, autor do livro “Austeridade para quem?”, junto com o também economista Luiz Gonzaga Belluzzo.
Ao demitir Levy, Dilma se recuperou dos passos equivocados do ano passado e voltou à estaca zero?
Não sabemos se ela vai a recuperar o que se perdeu durante esse duro ajuste, isso só se verá com os fatos. Em todo caso, ela não poderá começar do zero, e sim de uma economia em recessão, um desemprego perto dos 10% e uma inflação acima dos 10%. Tudo isso foi o legado de Levy. Estaremos atentos ao que acontecerá na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (esta semana), para ver que propostas econômicas surgirão e os sinais políticos de cada setor. O cenário está aberto, porque ainda há condições políticas para uma mudança, não há nada que impeça uma guinada, apesar da situação econômica ser muito séria. O governo pode se apoiar em suas bases naturais, como os sindicatos, o movimento popular, os setores que entregaram seus votos para que Dilma fosse reeleita, em outubro de 2014. Já houve encontros no ano passado, com sindicatos e setores industriais, como a Anfavea (fabricantes de automóveis).
Por que ela colocou Levy no cargo quando iniciou seu segundo mandato?
A presidenta acreditou, equivocadamente, que com isso ela conquistaria a confiança do mercado, algo que não ocorreu. Também é verdade que Dilma escutou o conselho de Lula antes de nomear Levy, não foi uma decisão somente dela, mas independente disso, que pode ser um fato anedótico, recordemos que ela teve que enfrentar vários problemas econômicos. Para começar, o mundo mudou, afetando muito o preço das matérias primas exportadas pelo Brasil. Adicione a enorme pressão causada pela concorrência dos bens industriais chineses e a pressão dos Estados Unidos e da Europa, que aplicaram políticas de reversão dos seus déficits comerciais para sair de suas crises, através de suas empresas estabelecidas no exterior. No Brasil, a produção industrial deixou de crescer, ficamos estancados nos índices de produção de 2008, e atualmente vemos altos níveis de capacidade ociosa das fábricas. Finalmente, tenhamos presente as diferenças com a situação que havia no governo de Lula. Durante esse período, houve um ciclo de expansão motorizado pela demanda interna e pelo crédito. Em 2010, o PIB cresceu mais de 7%. Em 2011, primeiro ano de Dilma no governo, houve um impulso ao crédito imobiliário, durante o auge do programa Minha Casa, Minha Vida. Mas todo aquele ciclo chegou ao seu teto natural quando se duplicou a dívida das famílias de baixa renda, que viveram um período de compra de bens duráveis e até imóveis, mas que recentemente começaram a fechar a torneira, desacelerando o consumo. A somatória de todos esses fatores fez com que a economia chegasse ao fundo do poço em 2014.
E então o que aconteceu?
Na minha opinião, o governo de Dilma não entendeu, em 2014, que estava diante do fim de um ciclo, e começou a aplicar o ajuste fiscal com força. Reduziu o gasto público e aumentou as taxas de juros, piorando a situação. Em 2014, a economia teve crescimento zero, esse não era o momento de apertar, era o ano em que deveria começar uma política de investimentos públicos para melhorar os serviços como a saúde, a educação e a mobilidade urbana, que eram e são demandas sociais impostergáveis. Esses investimentos poderiam ser traduzidos em direitos para os cidadãos que não têm condições de pagar pela saúde e pela educação privadas. Mas o governo optou por transferir dinheiro ao setor privado, dando subsídios aos empresários esperando que eles garantissem a ocupação de trabalhadores, mas os empresários, em vez de investir, usaram o dinheiro público para incrementar suas margens de lucro.
República dos banqueiros
Isso significa que o modelo de redistribuição e inclusão está esgotado?
Isso quer dizer que hoje existem outras circunstâncias. Podemos sair dessa situação com políticas anticíclicas, e isso requer investimentos públicos e privados, requer crédito. Não se pode fazer isso com um superavit de 0,5% do PIB, que foi aprovado no Congresso para o orçamento de 2016. Esse superavit estrangula toda a política ativa. Se o governo colocar um plano de reativação, deixando de lado os cortes, terá que se preparar para uma violenta reação do setor financeiro, que se beneficia muito com as políticas de ajuste e as altas taxas de juros.
As maiores do mundo, de 14,25%.
Exato. Esses grupos financeiros e os partidos conservadores questionam o aumento de 10 bilhões de reais (2,5 bilhões de dólares) para o programa Bolsa Família e se calam a respeito dos mais de 500 bilhões de reais (125 bilhões de dólares) que se pagam por juros da dívida, e se incluirmos os swaps (seguros de câmbio pagos pelo governo) chegamos a 600 bilhões de reais (150 bilhões de dólares), e nessa conta não agregamos a amortização de capital da dívida. É absurdo. Pedem austeridade fiscal enquanto esses custos financeiros representam 93% do deficit.
Apesar desse lucro, os bancos continuam sendo hostis com Dilma.
Porque há um setor poderoso demais, que sempre quer ampliar sua renda e seus privilégios.
Impeachment
Dilma Rousseff recordou, em entrevista publicada neste fim de semana, que há um tempo atrás, Paul Krugman (Prêmio Nobel de Economia de 2008) alertou sobre os fatores políticos que contaminaram artificialmente a realidade econômica até derivar na grave crise atual, e lamentou, em diálogo com a Folha de São Paulo, o radicalismo adotado pela oposição, encabeçada pelo PSDB e pelo peemedebista Eduardo Cunha, cegados pelo desejo de desestabilizar o governo a qualquer custo, inclusive promovendo um impeachment e obstruindo o trabalho do Congresso.
Esse ponto de vista de Krugman e Rousseff coincide com a tese de Pedro Paulo Bastos, ex-presidente da Associação Brasileira de Investigadores da História Econômica, para quem “a realidade seria menos crítica se não fosse por esse clima contaminado pelas tentativas de impeachment”.
As entidades empresariais apoiam o impeachment?
A condução da Federação de Indústrias de São Paulo (FIESP), com seu presidente Paulo Skaf, apoiou o impeachment, mas os industriais estão divididos. Há setores importantes que não estão a favor do golpe. Por outro lado, no caso dos banqueiros, parece que entre eles há uma posição mais homogênea de simpatia com relação ao impeachment. Querem que Dilma saia rápido.
Dilma e o PT
O PT sempre procurou ser aceito pelas classes empresariais, os bancos, mas nunca foi incluído nem respeitado. Eu acho que essas classes alimentam uma rejeição total aos símbolos, ao programa e aos valores da esquerda e encarnados pelo PT, embora o partido não haja implementado um programa realmente de esquerda, ainda que possa fazê-lo no futuro. E o outro tema concreto é que, ainda que o PT tenha feito concessões à direita, a direita quer mais. O programa da direita quer a privatização dos bancos estatais, como o Banco de Brasil, além da Petrobras, que é como a jóia da coroa. Esses grupos também querem reverter os direitos sociais e trabalhistas que foram sendo conquistados nos últimos anos. Por tudo isso é que a direita econômica e política está demonizando o PT.
Legado de Lula
As elites defendem a economia política da exclusão?
Sim, essa é a situação. Nossa economia política pode ser melhor entendida quando vemos que o Brasil vem de uma cultura escravagista, que esse modelo foi abolido poucos anos antes do fim do Século XIX, mas que deixou como legado um racismo muito forte. O Brasil é um país onde os direitos trabalhistas sempre foram encarados com desprezo pela classe média profissional e pelas elites. Esses setores acomodados, entre os quais quase todos são brancos, se sentem naturalmente, e até etnicamente superiores aos trabalhadores manuais, que são majoritariamente mestiços ou negros, herdeiros da escravidão, que ganham a vida em atividades econômica, simbólica e culturalmente subvalorizadas. Eu me lembro quantas críticas houve contra a formalização das trabalhadoras domésticas, impulsionada por Dilma. Ou contra a criação de cotas para negros nas universidades. Foi preciso usar o fórceps para que essas conquistas fossem aceitas pelas classes altas, acostumadas a níveis de consumo de países ricos, graças à enorme desigualdade brasileira, e o custo inumano desses milhões de pessoas pobres. Eu usaria a expressão: o maior problema da política econômica brasileira é a resistência a qualquer mudança que beneficie os setores secularmente excluídos.
Setores beneficiados na época de Lula…
Ao fazer um balanço destes quatro governos do PT, não devemos deixar de elogiar o ex-presidente Lula. Ele não só atendeu as demandas dos trabalhadores formais como levou adiante uma política para os trabalhadores informais e os cidadãos mais pobres do Brasil. Na verdade, Lula respeitou o que já estava previsto na Constituição de 1988, mas que nenhum presidente havia posto em prática. Não nos esqueçamos de um cenário que existia em vários estados, principalmente no Nordeste: os trabalhadores estavam obrigados a vender sua mão de obra por valores indignos, e com a valorização do salário mínimo foi estabelecido um piso que trouxe uma transformação real importante para muita gente.
* Publicado originalmente no jornal argentino Página-12. Tradução de Victor Farinelli.
1 comentários:
O minucioso artigo é mto.conveniente pra aqueles desprovidos de preconceitos e carentes de dados que possam esclarecer a nossa realidade política e econômica
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