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Nos fluxos e refluxos das ideias políticas, o retrovisor nos diz que o Brasil viveu uma onda progressista entre o final da ditadura, em 1985, e o final do governo Lula, em 2010. De lá para cá, uma onda conservadora tem se espalhado lenta mas inexoravelmente sobre a sociedade, ameaçando as conquistas sócio-culturais do período anterior e a própria democracia ainda em construção. Agora o STF adere a esta onda, com a decisão que autoriza prender acusados antes do trânsito completo em julgado, conforme prescreve a Constituição. Ou seja, a partir da segunda instância, antes de esgotadas todas as possibilidades de recurso. Elegantemente o ministro Celso de Mello apontou uma “inflexão conservadora” no STF. Foi mais que isso.
Durante a onda progressista, saímos da ditadura para uma fase de oxigenação e superação dos velhos atrasos, alguns históricos e culturais, precedentes à própria ditadura. O lixo autoritário foi varrido e enterrado e em seu lugar erigimos uma Constituição democrática e preocupada com a justiça social, num processo que contou com grande participação popular. Logo, logo, testamos a resistência do sistema democrático com o impeachment legal de um presidente. A hiperinflação foi vencida no primeiro governo FH e no segundo, depois das consequências negativas do experimento neoliberal, começaram a ser implantadas as políticas sociais que ganhariam impulso e consistência no segundo governo Lula, favorecidas por um ciclo de crescimento em que todos ganharam: miseráveis, pobres, classes médias e ricos.
Velhos tabus foram sendo removidos. As mulheres tiveram seus direitos reiterados e defendidos por leis como a Maria da Penha; homossexuais puderam sair do confinamento social; as possibilidades de aborto foram ampliadas, incluindo o de anencefálicos, o que tangencia agora os casos de microcefalia; o STF teve papel importante em alguns destes avanços, e agrego a autorização para pesquisas com células-tronco; o direito ambiental se organizou gerando políticas que se colocam entre as mais avanças do mundo. os direitos humanos ganharam status e políticas de defesa, no que pese os bolsões da Idade Média que sobrevivem, como o do trabalho escravo ou semi-escravo. Os negros e afrodescendentes conquistaram direitos e políticas afirmativas; as crianças e adolescentes ganharam seu estatuto, que a vaga conservadora ameaça rasgar; milhões de pessoas saíram da miséria, milhares de jovens pobres alcançaram o ensino superior; isso e muito mais aconteceu durante a onda progressista.
A onda conservadora começou em 2005, nutrida pelo moralismo, com o caso do chamado mensalão do PT, embora tenha havido outros, mas de partidos blindados, como o PSDB. Na campanha pela sucessão de Lula, as forças reacionárias, antevendo que ficariam ainda mais tempo fora do poder, se organizaram para o confronto mas Dilma se elegeu. Em seus primeiros quatro anos de mandato o conservadorismo avançou, colocando em pauta propostas de retrocesso como a redução da idade penal, medidas homofóbicas, regressão das políticas sociais, precarização de relações trabalhistas através da terceirização ampla e irrestrita de mão-de-obra e outras mais, sempre nutridas pelo moralismo udenista. Ele sempre ganha força quando a reação quer encerrar governos populares.
Com a segunda posse de Dilma num quadro de dificuldades econômicas – algumas criadas mesmo pelo governo mas outras decorrentes do cenário global - o moralismo e o antipetismo encontraram o campo adubado para a gestação da crise política que vivemos. E aqui estamos, diante da implacável caçada a Lula, da ameaça do impeachment de Dilma desprovido de fundamentos claros e sólidos como em 1992, diante de uma Lava Jato que contribuiu fortemente para o derretimento econômico, diante do crescimento de uma direita que se finge moderna e ética para atrair os indignados. E diante da satanização do PT, cujo erro essencial foi ter seguido as regras não escritas do sistema político, especialmente as do financiamento da política e das campanhas, que só valiam para os outros. Mas isso também não estava escrito.
Mas o STF atravessou todo este tempo como guardião dos preceitos constitucionais, buscando garanti-los. O julgamento da ação penal 470, do mensalão, teve muitos vícios, mas observou o rito do devido trânsito em julgado. Só depois de esgotados os recursos aconteceram as prisões. Depois vieram Moro e a Lava Jato, as prisões preventivas prolongadas para a obtenção de delações premiadas, os vazamentos seletivos. A comunidade jurídica protestou muitas vezes, mas nem o STF, nem o CNJ ousaram frear os abusos. Mais uma vez, como disse um dia o hoje presidente Lewandowski, estavam “com a faca no pescoço”. A faca da mídia, alinhada à reação, e a faca da opinião conservadora. Ambas aplaudem os abusos em nome do combate à corrupção. Alinhando-se gradualmente à reação, o STF autorizou a prisão de um senador no exercício do mandato, que agora é solto por ordens do próprio tribunal.
E, finalmente, com a “faca no pescoço”, o STF faz o que Celso de Mello chamou de “inflexão conservadora”. Decidiu na semana passada abolir a exigência do “transito em julgado”, autorizando prisões a partir da segunda instância. O senso comum envenenado pelo moralismo e o conservadorismo diz: “Isso é bom, dará um basta no festival de recursos que garante a impunidade a muitos criminosos, pois quando o recurso chega a ser analisado pelas cortes superiores o crime já prescreveu”. Contra o senso comum, além da Constituição, a vida real: e se alguém foi injustamente condenado na primeira e na segunda instância? Quem devolverá os anos perdidos ao acusado que só vier a ser inocentado depois de recorrer à terceira instância? A resposta está na afirmação do ministro Marco Aurélio Mello, um dos quatro ministros do STF que votaram contra a mudança. "Mil vezes culpados soltos do que um inocente preso", afirmou.
Juristas e advogados protestaram. “O Supremo rasgou a Constituição. Os ministros agiram como legítimos representantes do desejo popular de punição. Não posso chamar de corte constitucional um Supremo que age assim", disse o advogado Edward Carvalho, defensor do empresário Leo Pinheiro (OAS) na Lava Jato, prevendo que agora as delações vão pipocar mais intensamente. “Isso sempre acontece quando a Justiça mostra as armas. Já acontecia na inquisição”, completa Alberto Toron. Da OAB, o meio jurídico espera um posicionamento mais forte do que uma simples nota.
Celso de Mello, o mais antigo ministro do STF, indiscutivelmente um “garantista”, ou seja, um defensor instransigente das garantias constitucionais, chegou a admitir um “erro judiciário”.
"Eu lamentei a decisão. Tenho me mantido fiel a esse entendimento que se acha hoje explicitado na Constituição. Todos se presumem inocentes e há momento a partir do qual acaba a presunção de inocência. Qual é esse momento? Momento em que transita em julgado uma condenação criminal. A constituição é muito clara a esse respeito. Portanto, a questão do erro Judiciário, lamentavelmente é sempre possível. De qualquer maneira, houve uma inflexão conservadora do Supremo na restrição do postulado constitucional de estado de inocência".
Se houve erro judiciário, quem pode corrigi-lo? O próprio STF, mas isso só ocorreria com uma mudança profunda em sua composição, ou o Congresso, se não vivesse uma fase tão lamentável, minado por suas próprias fraquezas. Se compreendesse que sua principal tarefa, neste momento, é preservar a democracia que a sociedade e o próprio Congresso, em outras legislaturas, erigiu sobre as feridas do autoritarismo.
A onda conservadora começou em 2005, nutrida pelo moralismo, com o caso do chamado mensalão do PT, embora tenha havido outros, mas de partidos blindados, como o PSDB. Na campanha pela sucessão de Lula, as forças reacionárias, antevendo que ficariam ainda mais tempo fora do poder, se organizaram para o confronto mas Dilma se elegeu. Em seus primeiros quatro anos de mandato o conservadorismo avançou, colocando em pauta propostas de retrocesso como a redução da idade penal, medidas homofóbicas, regressão das políticas sociais, precarização de relações trabalhistas através da terceirização ampla e irrestrita de mão-de-obra e outras mais, sempre nutridas pelo moralismo udenista. Ele sempre ganha força quando a reação quer encerrar governos populares.
Com a segunda posse de Dilma num quadro de dificuldades econômicas – algumas criadas mesmo pelo governo mas outras decorrentes do cenário global - o moralismo e o antipetismo encontraram o campo adubado para a gestação da crise política que vivemos. E aqui estamos, diante da implacável caçada a Lula, da ameaça do impeachment de Dilma desprovido de fundamentos claros e sólidos como em 1992, diante de uma Lava Jato que contribuiu fortemente para o derretimento econômico, diante do crescimento de uma direita que se finge moderna e ética para atrair os indignados. E diante da satanização do PT, cujo erro essencial foi ter seguido as regras não escritas do sistema político, especialmente as do financiamento da política e das campanhas, que só valiam para os outros. Mas isso também não estava escrito.
Mas o STF atravessou todo este tempo como guardião dos preceitos constitucionais, buscando garanti-los. O julgamento da ação penal 470, do mensalão, teve muitos vícios, mas observou o rito do devido trânsito em julgado. Só depois de esgotados os recursos aconteceram as prisões. Depois vieram Moro e a Lava Jato, as prisões preventivas prolongadas para a obtenção de delações premiadas, os vazamentos seletivos. A comunidade jurídica protestou muitas vezes, mas nem o STF, nem o CNJ ousaram frear os abusos. Mais uma vez, como disse um dia o hoje presidente Lewandowski, estavam “com a faca no pescoço”. A faca da mídia, alinhada à reação, e a faca da opinião conservadora. Ambas aplaudem os abusos em nome do combate à corrupção. Alinhando-se gradualmente à reação, o STF autorizou a prisão de um senador no exercício do mandato, que agora é solto por ordens do próprio tribunal.
E, finalmente, com a “faca no pescoço”, o STF faz o que Celso de Mello chamou de “inflexão conservadora”. Decidiu na semana passada abolir a exigência do “transito em julgado”, autorizando prisões a partir da segunda instância. O senso comum envenenado pelo moralismo e o conservadorismo diz: “Isso é bom, dará um basta no festival de recursos que garante a impunidade a muitos criminosos, pois quando o recurso chega a ser analisado pelas cortes superiores o crime já prescreveu”. Contra o senso comum, além da Constituição, a vida real: e se alguém foi injustamente condenado na primeira e na segunda instância? Quem devolverá os anos perdidos ao acusado que só vier a ser inocentado depois de recorrer à terceira instância? A resposta está na afirmação do ministro Marco Aurélio Mello, um dos quatro ministros do STF que votaram contra a mudança. "Mil vezes culpados soltos do que um inocente preso", afirmou.
Juristas e advogados protestaram. “O Supremo rasgou a Constituição. Os ministros agiram como legítimos representantes do desejo popular de punição. Não posso chamar de corte constitucional um Supremo que age assim", disse o advogado Edward Carvalho, defensor do empresário Leo Pinheiro (OAS) na Lava Jato, prevendo que agora as delações vão pipocar mais intensamente. “Isso sempre acontece quando a Justiça mostra as armas. Já acontecia na inquisição”, completa Alberto Toron. Da OAB, o meio jurídico espera um posicionamento mais forte do que uma simples nota.
Celso de Mello, o mais antigo ministro do STF, indiscutivelmente um “garantista”, ou seja, um defensor instransigente das garantias constitucionais, chegou a admitir um “erro judiciário”.
"Eu lamentei a decisão. Tenho me mantido fiel a esse entendimento que se acha hoje explicitado na Constituição. Todos se presumem inocentes e há momento a partir do qual acaba a presunção de inocência. Qual é esse momento? Momento em que transita em julgado uma condenação criminal. A constituição é muito clara a esse respeito. Portanto, a questão do erro Judiciário, lamentavelmente é sempre possível. De qualquer maneira, houve uma inflexão conservadora do Supremo na restrição do postulado constitucional de estado de inocência".
Se houve erro judiciário, quem pode corrigi-lo? O próprio STF, mas isso só ocorreria com uma mudança profunda em sua composição, ou o Congresso, se não vivesse uma fase tão lamentável, minado por suas próprias fraquezas. Se compreendesse que sua principal tarefa, neste momento, é preservar a democracia que a sociedade e o próprio Congresso, em outras legislaturas, erigiu sobre as feridas do autoritarismo.
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