Por Valter Pomar, em seu blog:
1. O centro da tática continua sendo derrotar a contraofensiva conservadora.
A contraofensiva conservadora possui diversos protagonistas e métodos, mas propósitos estratégicos comuns: a) realinhar o Brasil aos EUA, afastando-nos dos BRICS e da integração regional; b) reduzir o salário e a renda dos setores populares, diminuindo as verbas das políticas sociais, alterando a legislação trabalhista, reduzindo direitos, não reajustando salários e pensões, provocando desemprego e arrocho; c) diminuir o acesso do povo às liberdades democráticas, criminalizando a política, os movimentos sociais e os partidos de esquerda, partidarizando a justiça, ampliando o terrorismo policial-militar especialmente contra os pobres, moradores de periferia e negros, subordinando o Estado laico ao fundamentalismo religioso, agredindo os direitos das mulheres, dos setores populares, dos indígenas.
2. Os objetivos da contraofensiva conservadora supõem/incluem interditar o PT e Lula.
Isso não ocorre por acaso, por maldade patológica ou vontade de aparecer deste ou daquele personagem: é decorrência lógica de uma determinada situação mundial, regional e nacional, uma situação de impasse estratégico, em que as forças em disputa precisam derrotar as outras da forma o mais permanente possível. Por isto não basta deter temporariamente, é preciso derrotar a contraofensiva da direita.
3. Só a unidade popular derrotará a contraofensiva conservadora.
Há diferentes linhas políticas no campo popular. Há os que defendem o ajuste fiscal, argumentando por exemplo que não há alternativa e que o investimento virá se fizermos concessões que incluem a reforma da previdência, a prevalência do negociado sobre o legislado, o ajuste fiscal etc.
Em nossa opinião, os que adotam esta opção capitularam em diferentes níveis ao pensamento neoliberal e estão implementando uma política suicida, que se não for derrotada e revertida causará a desmoralização e destruição da esquerda.
Há no campo popular, também, os que têm como objetivo derrotar o governo Dilma, especialmente devido à política econômica. Os defensores desta tática consideram que o golpismo, embora exista, constituiria no essencial uma chantagem, chantagem que a direita usa contra o governo e que o governo usa contra a esquerda, tendo como objetivo preservar a política econômica dentro de parâmetros conservadores. Na prática, estes setores – tanto quanto os ultra-moderados— correm o risco de converter-se em linha auxiliar da direita.
Há quem defenda que o centro estaria em derrotar o golpismo. Os defensores desta tática (ao menos em sua grande maioria) não defendem a política econômica do governo Dilma, mas consideram que a derrota do golpismo é essencial para que o governo tenha margem de manobra também na esfera econômica. Consideram, ainda, que centrar fogo na política econômica enfraqueceria o governo e, portanto, fortaleceria o golpismo. Portanto, na opinião dos que defendem esta linha, a luta contra o golpismo (ou, noutras palavras, a defesa da democracia) constitui o centro da tática e deve subordinar qualquer movimento de crítica à política econômica.
Finalmente, há os que defendem que nosso objetivo é derrotar o golpismo e mudar a política econômica. A mudança na política econômica é essencial para garantir apoio de massa contra o golpismo. Manter a política econômica enfraquece o governo e ajuda o golpismo, ou pelo menos ajuda as elites a recuperar plenamente o governo em 2018. Além disso, sem mudança na política econômica, não haverá como viabilizar as reformas estruturais.
4. É possível, além de derrotar a contraofensiva conservadora, criar as condições para uma ofensiva da esquerda?
Sim, se no mais curto prazo de tempo conseguirmos modificar a estratégia do PT e alterar a política econômica do governo.
Os principais obstáculos a transpor são: a) o estado adiantado, a violência, eficiência, velocidade e multiplicidade dos ataques da direita, que vem sendo maiores do que a capacidade de compreensão e reação de amplos setores da esquerda; b) as resistências ativas ou passivas que setores do governo e do Partido oferecem à necessidade de mudar de política econômica e de estratégia; c) o nível de fadiga de material, desalento, desmoralização, curto-prazismo e derrotismo em amplos setores da esquerda; d) a incapacidade dos que se pretendem “esquerda da esquerda”, de produzir uma alternativa que seja potente social, cultural e politicamente, o que os faz oscilar entre uma condição testemunhal e ser linha auxiliar da direita; e) a confusão reinante --político-ideológica, programática e estratégica -- de que constitui exemplo a incapacidade que alguns demonstram de compreender o que ocorreu em 2005 e em 2013, deixando por isto de reagir de forma adequada; f) o nível de captura de parte das instâncias dirigentes do PT por concepções e procedimentos “de outro planeta”, o que torna cada vez mais difícil operacionalizar a mudança da linha política.
Os problemas apontados e outros terão que ser superados “a quente”, no debate ideológico, na formulação e aplicação de outra estratégia e tática, na mobilização social e na reorganização da atuação partidária.
5. Para derrotar a “contraofensiva das elites”, é preciso compreender sua natureza.
A ofensiva das elites teve diferentes protagonistas: os setores médios reacionários, o grande capital, os partidos de direita, o oligopólio da mídia, segmentos do aparato de Estado -- com destaque para setores do Judiciário e do MPF, a PF e as forças armadas.
A ofensiva das elites teve múltiplos alvos: os direitos trabalhistas, os direitos sociais, as liberdades democráticas, as mulheres, os negros, a juventude especialmente da periferia, os movimentos sociais, os partidos de esquerda, o governo, o mandato presidencial e a liderança de Lula.
A ofensiva das elites não teve um único comando. Mas por diversos motivos, entre os quais sua falsa “imparcialidade”, coube à mídia e ao complexo judiciário um protagonismo imenso, o que além das dificuldades que isto gera para a esquerda, constitui um sinal a mais do caráter estrutural e profundo da crise: o protagonismo político está com mecanismos que são praticamente imunes ao controle social e à soberania popular, dando margem àquilo que alguém chamou de "bonapartismo judiciário" e de "república estranha” onde o judiciário e a mídia atuam como “poder moderador", apesar (ou por causa) das benesses, do tráfico de influência e das suspeitas transações.
Desde o início de 2015, as elites adotaram duas táticas. Uma tática foi adotada pelos que consideram prioritário o ajuste fiscal recessivo, ajuste que teria o efeito colateral de desgastar o governo Dilma e a esquerda, ajudando assim a criar o ambiente para uma vitória das candidaturas das elites em 2016 e 2018. Outra tática foi adotada pelos que consideravam prioritário criar as condições para interromper imediatamente o mandato da presidenta Dilma, interditar o PT e Lula, com o objetivo de assumir desde já o controle integral do governo federal e eliminar por um longotempo a esquerda como alternativa de governo.
Ao tempo que aplicavam duas táticas, as elites tinham (ver ponto 1) unidade estratégica, cimentada por três grandes aparatos: a indústria de comunicação, a indústria cultural e a indústria educacional. Frente às derrotas eleitorais e às crises econômicas, setores importantes das elites reagiram aprofundando sua opção por uma visão de mundo conservadora, num fenômeno que recorda, sob vários aspectos, o que ocorreu na Europa nos anos 1920 e 1930. Esta dimensão político-cultural-ideológica é parte cada vez mais importante da luta de classes e, portanto, não deve ser subestimada. É preciso, numa ação concertada com os trabalhadores da comunicação, da cultura e da educação, colocar em primeiro plano o debate político-cultural no sentido amplo da palavra. E combinar este debate com uma demonstração da força artística-cultural das esquerdas, dos setores democráticos e populares.
As elites não apenas tinham unidade estratégica: suas táticas, apesar de diferentes, alimentavam-se mutuamente. A ameaça golpista estimulava setores do governo a adotar uma política conservadora; e uma política conservadora ampliava o desgaste do governo e, por tabela, a força do golpismo.
6. Em dezembro de 2015, impusemos uma derrota parcial e temporária à contraofensiva das elites.
Ao longo de 2015, o campo popular esteve dividido tanto na estratégia quanto na tática, com diferentes leituras da situação política mundial, regional e nacional, diferentes alternativas estratégicas e diferentes posturas táticas frente à ofensiva das elites. Pior: ao contrário do que ocorria no caso das elites, as diferentes linhas existentes no setor popular enfraqueciam umas às outras.
Apesar da intensidade da contraofensiva da direita, apesar das fragilidades, inconsistências e divergências existentes na esquerda, o ano de 2015 começou com os "coxinhas" dominando as ruas e terminou com os setores populares dominando as ruas; iniciou com Levy na Fazenda e terminou com Levy fora da Fazenda.
Derrotamos (mesmo que parcial e temporariamente) os setores mais truculentos da direita, através de uma política oposta ao derrotismo e à capitulação sem combate, confirmando a importância da luta de massas, da mobilização social e da disputa político-ideológica.
Dentre os diversos motivos pelos quais o ano terminou melhor do que começou, destacamos que em dezembro de 2015 as elites viveram um momento de forte divisão tática, ao mesmo tempo em que a maior parte do campo popular unificou sua ação
A divisão das elites ocorreu quando o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, com o intuito de proteger seus interesses pessoais, deflagrou o processo de impeachment, recorrendo às já conhecidas "manobras" regimentais. O início do processo de impeachment, marcado pelas características criminosas já descritas, colocou os setores populares diante de uma disjuntiva: unidade na ação ou derrota sem pena. Isto vinha temperado por um aspecto adicional: Eduardo Cunha ofereceu publicamente uma barganha, abrindo mão de iniciar naquele momento o processo de impeachment, caso os deputados petistas votassem a favor dele no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Voto que tornaria o PT cúmplice de uma operação de acobertamento dos crimes de que Cunha era acusado. Como o PT decidiu não participar desta operação de acobertamento, Cunha deu início ao processo de impeachment.
Embora parte das elites tenha apoiado a iniciativa de Cunha, este processo de impeachment nasceu sob o estigma do golpe animado por objetivos pessoais e criminosos. Como disse editorial de um importante jornal das elites: naquele momento Cunha tornara-se "disfuncional". Isto contribuiu para que as manifestações coxinhas de 13 de dezembro de 2015 fossem um fracasso de público e de crítica. Por outro lado, aqueles setores da esquerda que defendiam que o impeachment seria apenas chantagem, e que propunham como centro da tática derrotar o governo, tiveram que refluir para não serem confundidos com a pior direita. A imensa maioria dos setores progressistas, democráticos e de esquerda iniciou um processo em grande medida espontâneo de unificação, que ficou visível no caráter plural e massivo das manifestações de 16 de dezembro, que foram convocadas unitariamente, em torno das consignas "Contra o golpe, em defesa da democracia!", "Fora Cunha!" e "Por uma nova política econômica!".
É verdade que alguns setores "torceram o nariz" para a construção da unidade (por exemplo, os que queriam manter distância do governo) ou para os termos que a unidade foi feita (por exemplo, os que antes consideravam melhor não fazer ataques diretos a Cunha e a Levy). Mas a combinação entre a pressão popular e a ofensiva da direita tornou possível a unidade, não em torno de uma única palavra de ordem, mas em torno das três, deixando a cada setor envolvido a liberdade de estabelecer as hierarquias e as vinculações entre cada um dos aspectos.
Logo após as manifestações, a presidenta Dilma recebeu a Frente Brasil Popular; o Supremo Tribunal Federal derrotou os aspectos mais aberrantes dos procedimentos adotados por Eduardo Cunha; e o ministro da Fazenda Joaquim Levy deixou o governo. Vendo-se de conjunto, um saldo positivo para os setores populares, ao término de um ano marcado pela ofensiva das elites.
7. Embora em 2015 o Natal tenha sido melhor que o Dia de Reis, as elites continuaram com a iniciativa estratégica.
No governo seguiu predominando não apenas uma atitude defensiva frente a uma correlação de forças difícil, mas uma capitulação programática e uma subordinação aos interesses dos "aliados" de centro-direita em detrimento das bases sociais populares e de esquerda que saíram às ruas em defesa da democracia e contra o golpismo. Vale lembrar que, ao receber a FBP, a presidenta Dilma não sinalizou uma guinada na política. E que, em entrevista concedida nos Estados Unidos, a presidenta chegou a dizer que seu legado seria o ajuste e a reforma da previdência.
No Partido segue predominando uma postura recuada. Vide a recente propaganda do PT na TV, a contemporização de vários setores frente a Eduardo Cunha, a demora em perceber até onde setores da direita pretendem ir nos ataques contra o PT e Lula, a insistência numa política de alianças esgotada, as expectativas no “Conselhão” e nos setores “produtivos” do grande capital. Vide também as declarações do prefeito Marinho sobre “ideologia de gênero”, assim como algumas declarações do prefeito Haddad sobre o “passe livre”, que compõem um quadro geral de defensivismo. Vide, ainda, a subordinação do PT do Espírito Santo ao governador Paulo Hartung (PMDB), apesar dos seguidos ataques deste ao governo federal.
Disfuncional ou não, Cunha sobreviveu a crise de dezembro. E mesmo setores do PMDB dizem que “o impeachment não morreu”. Aliás, o PMDB de Temer, Renam e Cunha continua ocupando papel central na luta política nacional.
Além disso, o PT segue na defensiva no debate sobre a corrupção. Esta questão ganhou uma importância imensa nos últimos 10 anos, articulando-se com a judicialização da política, com a partidarização do Judiciário, assim como com as operações que visam a cassação do PT e a interdição política de Lula, com consequências que atingiriam o conjunto da esquerda brasileira (um detalhamento a respeito está no documento: “O PT no combate contra a corrupção”). A campanha eleitoral de 2016 deve ser vista, neste sentido, como um grande teste para o PT demonstrar ser capaz de construir uma rede de financiamento militante e libertar-se da dependência frente ao financiamento empresarial.
Finalmente, prossegue o “ajuste”, a queda na atividade econômica, demissões, pressão sobre os salários, cortes em projetos fundamentais (MCMV, por exemplo), ofensiva contra a Petrobrás (incluindo privatização), desmonte na indústria de transformação etc. A isto se agrega -- e é potencializado pelo oligopólio da mídia— a situação na saúde pública, a catástrofe causada pela Samarco e suas controladoras Vale e BHP em MInas Gerais etc. Para completar o quadro, há que se considerar as mobilizações contra o aumento das passagens, as Olimpíadas, a continuidade das operações de criminalização dos movimentos sociais e as eleições municipais de 2016, quando os diferentes setores das elites pretendem impor uma derrota eleitoral profunda ao PT, frente ao que há duas alternativas: tentar municipalizar o debate eleitoral ou enfrentar o debate político nacional. Não consideramos que seja possível municipalizar o debate, em primeiro lugar porque nossos inimigos não permitirão isto; em segundo lugar, porque a situação dos municípios não permite fugir do debate nacional.
8. Passado o armistício, recomeça a batalha campal, no qual Lula é o alvo principal.
Em resumo: no final de 2015, os setores populares conseguiram barrar a ofensiva das elites, mas não conseguimos eliminar suas causas, nem muito menos conseguimos iniciar uma contraofensiva de esquerda. O período entre 16 de dezembro de 2015 e 10 de fevereiro de 2016 pode ser descrito como de interrupção momentânea das hostilidades mais ferozes, mas o quadro geral continuou perigoso e negativo e, passado o Carnaval, a batalha regressa e tende a ser campal.
Há vários exemplos disto: ataques crescentes contra os direitos da classe trabalhadora, repressão aos movimentos sociais, propostas ultraliberais na pauta do Congresso, declarações de líderes da oposição em defesa do impeachment, proposta de cassar o registro do PT. Mas o alvo principal das forças da mídia, do grande capital e da direita política é, agora, o ex-presidente Lula.
Não há consenso - entre as forças reacionárias - acerca de até onde irão no ataque a Lula. Entretanto, no aparelho de Estado, na mídia, no PSDB e em outros partidos, existem setores que têm toda ambição e nenhuma inibição; e não parece existir, da parte dos demais, disposição e energia para impor limites. Portanto, o mais provável é que a escalada de ataques prossiga, até atingir seus objetivos, ou até ser detida por força superior.
A radicalização dos ataques da direita contra Lula vai gerar, inevitável e espontaneamente, reações duras de diversos setores populares. A esquerda política e social deve buscar incentivar, apoiar e dirigir com firmeza estas reações, até porque as tentativas de interdição de Lula e do PT lançam mão de métodos e tem objetivos que rompem com a legalidade democrática vigente deste 1988. Não constituem a afirmação de uma suposta “legalidade republicana”. Decorrem, isto sim, da partidarização da justiça e da judicialização da política em favor da oposição de direita. Nunca é demais perguntar: se o financiamento empresarial da política e dos políticos é um problema sistêmico, por qual motivo as investigações e condenações são direcionadas contra o PT?
A campanha contra Lula é um sinal de que a direita não considera que as eleições presidenciais de 2018 estejam decididas em seu favor e, por isso, eles precisam tentar remover ilegalmente seus principais adversários: o PT e Lula. Dito de outra forma, um setor importante do consórcio direita/mídia/grande capital está decidido a recuperar, a qualquer custo e por longo tempo,através de meios não-eleitorais, o controle do governo federal. Reafirmamos o que já foi dito seguidas vezes ao longo de 2015: consideramos que este tipo de expediente é golpismo, não apenas por desrespeitar a lei, mas principalmente porque de fato almeja tirar do povo o direito de escolher quem ocupará a presidência da República.
Frente a isto, a cantilena “republicana”, entoada principalmente no Ministério da Justiça, virou trilha sonora da tendência suicida. O arrefecimento dos ataques contra o governo e contra a presidenta Dilma, decorrentes em parte da prioridade momentânea dos ataques da direita contra Lula, não são motivo de relaxamento. O governo precisa lançar mão dos mecanismos que lei garante para impor limites ao comportamento arbitrário de setores da Polícia Federal, do Ministério Público Federal, da Justiça e da mídia. Impor limites também é parte do equilíbrio de poderes.
Sobre a mídia, vale lembrar que sua regulação praticamente inexiste no Brasil. Qualquer democracia liberal europeia tem controle social da mídia mais avançado do que o vigente no Brasil, mesmo depois de 13 anos de governos encabeçados por nosso partido.
9. Neste momento de crise profunda, fracassa a estratégia de conciliação.
A insistência na estratégia de conciliação e a insistência na atual política econômica terão como resultado mais provável uma derrota global da esquerda brasileira, que pode ser manifestar de diferentes formas, entre as quais: a interdição do Partido e de Lula, a interrupção da experiência governamental da esquerda brasileira, o realinhamento do Brasil aos EUA, uma redução brutal do salário direto e indireto das camadas populares, a restrição às liberdades democráticas.
Políticas de conciliação tem alguma chance de êxito, ainda que parcial e temporário, apenas em determinados momentos da luta de classe (citando a análise de uma companheira, momentos em que "a esquerda está fortalecida o suficiente para que a direita e o capital se vejam obrigados a aceitar os acordos e pactos", o que "aliás, é a grande armadilha em que a esquerda costuma cair; pois costuma confundir este 'baixar as armas' com um 'entregar as armas', o que gera as famigeradas crenças no 'republicanismo', no 'estado democrático de direito' etc".). Não vivemos numa situação deste tipo. A crise brasileira, assim como a crise internacional, devem aprofundar-se durante o ano de 2016. Tanto em âmbito mundial quanto regional, deve ocorrer uma intensificação dos conflitos, que os EUA sempre tendem a empurrar para um desfecho militar, terreno onde contam com vantagem relativa.
Evidentemente, a crise internacional não vai durar para sempre. Nos próximos anos ou décadas, haverá um desfecho, mais ou menos duradouro, favorável a alguma das forças em luta. Há pelo menos três grandes desfechos possíveis: a) a vitória, continuidade, aprofundamento do tipo de capitalismo atualmente hegemônico e em crise; b) a derrota do neoliberalismo e afirmação de um tipo de capitalismo alternativo; c) a vitória das forças que defendem uma sociedade alternativa ao capitalismo.
Noutro texto detalhamos estes cenários, que na vida real tendem a aparecer de forma simultânea e combinada. O que importa destacar é que não haverá “transição tranquila” entre o mundo que temos e o que virá depois da crise. Qualquer orientação política que desconheça isto, que insista em soluções convencionais e de curto prazo, estará estimulando ilusões e preparando derrotas.
10. O Brasil vive um impasse que exige soluções estruturais.
O que foi dito acerca da natureza profunda da crise mundial, vale também para o contexto regional e para o contexto nacional, que tem parentesco com o ocorrido no país nas décadas de 1920 e 1930.O país vive um “impasse estratégico”, relacionado ao esgotamento do modelo vigente entre 1930-1980, aos impasses decorrentes da tentativa neoliberal de superar este modelo e aos limites e contradições de nossa tentativa de superar o neoliberalismo.
Embora a situação mundial e regional impacte fortemente o Brasil, a dinâmica da crise brasileira não é um reflexo passivo e mecânico da situação internacional. Ademais, é preciso levar em conta opções que foram feitas (ou que deixaram de ser feitas) frente à crise brasileira e frente aos impactos da crise internacional. Ressalte-se que não construir um programa estratégico alternativo conduz, inevitavelmente, à adoção de “receitas” hegemônicas, convencionais, tradicionais.
11. Para superar a crise é preciso enfrentar o grande capital.
No fundo da polêmica acerca do programa alternativo, está o diagnóstico da crise. A crise é produzida pelo grande capital, através da redução do investimento, por um lado como reação defensiva à crise internacional; por outro lado como reação ofensiva contra os ganhos sociais acumulados desde 2003 pela classe trabalhadora. A crise produz efeitos deletérios crescentes nos salários, serviços públicos, na produção, na desigualdade social, ao tempo que fortalece o oligopólio financeiro privado. À medida que prossegue, ganha componentes novos, alguns dos quais inicialmente resultado de movimentações políticas. Um exemplo disto é o risco de uma crise bancária como efeito colateral da Operação Lava Jato.
O caminho através do qual o grande capital busca superar sua crise é, justamente, a redução dos custos diretos e indiretos da força de trabalho. A política de ajuste fiscal recessivo contribui neste sentido. O atual ministro da Fazenda, por exemplo, parece acreditar impossível retomar o crescimento sem contar com o apoio do grande capital privado; e também impossível contar com o apoio do grande capital privado sem fazer/acenar concessões substantivas (por exemplo, as reformas da previdência e da legislação trabalhista). O que implica em ampliar a crise social, até desfazer tudo o que de positivo foi feito desde 2003. Com o agravante de que, no ambiente de crise mundial em que vivemos, o resultado não será regressar aos patamares de 2002. O resultado tende a ser ao mesmo tempo diferente e pior, especialmente devido ao enfraquecimento da indústria brasileira e a ampliação da dependência externa. Do ponto de vista político, os níveis de tensão social serão ainda maiores, especialmente no interior da classe trabalhadora, na relação dos setores populares com os setores médios, fortalecendo as tendências fascistas e conservadoras. Em síntese, um governo encabeçado pela esquerda, mas que aplica um programa social-liberal, cada vez mais liberal e menos social, apenas pavimenta o caminho para a direita 100% neoliberal regressar ao governo.
Tanto a crise, quanto o caminho que o grande capital adota para superar sua crise, provocam desemprego numa ponta e desindustrialização na outra. Isto conduz amplos setores da esquerda a defender, como estratégia para superar a crise, uma aliança da classe trabalhadora com os setores “produtivos”, “não especulativos”, do grande capital. Efetivamente, derrotar o setor financeiro do grande capital poderia liberar recursos para realizar investimentos públicos, que por sua vez poderiam impulsionar investimentos privados, que são objetivamente de interesse do capital “produtivo”. Acontece que daí não decorre que os capitalistas chamados de “produtivos” tenham força e/ou disposição real de enfrentar o setor financeiro, em favor de uma política de alianças que traz implícita uma redução ou pelo menos uma contenção de sua taxa de lucros, que decorrerá da ampliação do salário direto e indireto da classe trabalhadora.
Dito de outra forma: é verdade que a derrota do grande capital financeiro poderia estimular o desenvolvimento de outro padrão de acumulação capitalista, distinto do atual, onde haveria espaço para um amplo desenvolvimento de pequenos, médios e até grandes capitalistas. Mas também é verdade que, para que isto aconteça, seria preciso derrotar o setor hegemônico do grande capital, obrigando/atraindo os demais setores do grande capital a aceitar outro padrão de acumulação, que permita combinar crescimento econômico com ampliação da qualidade de vida e da democracia da maioria do povo brasileiro. O grande capital privado pode ser forçado a aceitar isto, mas não o fará de bom grado. Vargas que o diga.
12. É preciso quebrar a ditadura do capital financeiro e fortalecer o Estado.
A crença na capitulação inevitável e a crença nas virtudes de uma “aliança estratégica com o capital produtivo” são falsas nos seus próprios termos. Ou seja: ambas as crenças, quando traduzidas em política prática, não produzem o resultado que almejam. A insistência na política econômica de concessões amplas e generalizadas ao grande capital enfraquece o governo (vide, aliás, o fracasso das generosas isenções e desonerações fiscais praticadas no primeiro mandato da presidenta Dilma). E a crença na “aliança perdida” estimula as ilusões e um defensivismo que enfraquecem e desgastam o PT.
No contexto de crise estrutural, um programa econômico alternativo não pode se limitar a rearranjar e redistribuir as variáveis já existentes. Um programa econômico alternativo deve ser um dos instrumentos que permitam converter a crise numa alternativa estrutural. Por isto o núcleo do programa alternativo consiste em quebrar a ditadura do oligopólio financeiro privado e ampliar a intervenção do Estado na economia, tendo como diretrizes:
a) no médio prazo: indústria forte e tecnologicamente avançada, setor financeiro poderoso e público, reforma agrária e universalização das políticas sociais, desenvolvimento econômico com elevação do bem-estar social, ampliação das liberdades democráticas, política externa soberana e de integração regional;
b) no curto prazo: derrubar a taxa de juros, alongar o pagamento da dívida pública, controlar o câmbio, cumprir integralmente o Orçamento, impulsionar um plano de obras públicas (habitação e construção civil), tendo como suporte os bancos públicos, a Petrobrás e o complexo de empresas vinculadas a ela.
13. A grande política precisa estar no comando.
Nenhuma das diretrizes citadas anteriormente será completamente executada/viabilizada no curto prazo, nem será resultado de medidas estritamente “econômicas” ou “administrativas”. Aliás, a mudança na política econômica tem duas dimensões vinculadas: a econômica e a política. E a mudança na política só terá êxito se fizer parte de uma alteração mais global na linha estratégia do Partido e do conjunto da esquerda brasileira, vinculando novamente ação de governo e mobilização social, reformas estruturais e luta pelo socialismo.
As mobilizações de dezembro de 2015, a ocupação das escolas estaduais pela juventude secundarista, a mobilização das mulheres, negros e LGBT contra a ofensiva medieval liderada por Cunha, a disposição manifesta pela Central Única dos Trabalhadores e por outros setores da classe demonstraram que há energia e vontade social para implementar nossas tarefas de curto e médio prazo. Mas para que tenhamos êxito, é preciso que o PT mude de estratégia e o governo mude de política econômica. Ao contrário daquela frase, a crise que vivemos não pode ser reduzida à crise da direção. Mas só teremos êxito se nossa direção mudar.
1. O centro da tática continua sendo derrotar a contraofensiva conservadora.
A contraofensiva conservadora possui diversos protagonistas e métodos, mas propósitos estratégicos comuns: a) realinhar o Brasil aos EUA, afastando-nos dos BRICS e da integração regional; b) reduzir o salário e a renda dos setores populares, diminuindo as verbas das políticas sociais, alterando a legislação trabalhista, reduzindo direitos, não reajustando salários e pensões, provocando desemprego e arrocho; c) diminuir o acesso do povo às liberdades democráticas, criminalizando a política, os movimentos sociais e os partidos de esquerda, partidarizando a justiça, ampliando o terrorismo policial-militar especialmente contra os pobres, moradores de periferia e negros, subordinando o Estado laico ao fundamentalismo religioso, agredindo os direitos das mulheres, dos setores populares, dos indígenas.
2. Os objetivos da contraofensiva conservadora supõem/incluem interditar o PT e Lula.
Isso não ocorre por acaso, por maldade patológica ou vontade de aparecer deste ou daquele personagem: é decorrência lógica de uma determinada situação mundial, regional e nacional, uma situação de impasse estratégico, em que as forças em disputa precisam derrotar as outras da forma o mais permanente possível. Por isto não basta deter temporariamente, é preciso derrotar a contraofensiva da direita.
3. Só a unidade popular derrotará a contraofensiva conservadora.
Há diferentes linhas políticas no campo popular. Há os que defendem o ajuste fiscal, argumentando por exemplo que não há alternativa e que o investimento virá se fizermos concessões que incluem a reforma da previdência, a prevalência do negociado sobre o legislado, o ajuste fiscal etc.
Em nossa opinião, os que adotam esta opção capitularam em diferentes níveis ao pensamento neoliberal e estão implementando uma política suicida, que se não for derrotada e revertida causará a desmoralização e destruição da esquerda.
Há no campo popular, também, os que têm como objetivo derrotar o governo Dilma, especialmente devido à política econômica. Os defensores desta tática consideram que o golpismo, embora exista, constituiria no essencial uma chantagem, chantagem que a direita usa contra o governo e que o governo usa contra a esquerda, tendo como objetivo preservar a política econômica dentro de parâmetros conservadores. Na prática, estes setores – tanto quanto os ultra-moderados— correm o risco de converter-se em linha auxiliar da direita.
Há quem defenda que o centro estaria em derrotar o golpismo. Os defensores desta tática (ao menos em sua grande maioria) não defendem a política econômica do governo Dilma, mas consideram que a derrota do golpismo é essencial para que o governo tenha margem de manobra também na esfera econômica. Consideram, ainda, que centrar fogo na política econômica enfraqueceria o governo e, portanto, fortaleceria o golpismo. Portanto, na opinião dos que defendem esta linha, a luta contra o golpismo (ou, noutras palavras, a defesa da democracia) constitui o centro da tática e deve subordinar qualquer movimento de crítica à política econômica.
Finalmente, há os que defendem que nosso objetivo é derrotar o golpismo e mudar a política econômica. A mudança na política econômica é essencial para garantir apoio de massa contra o golpismo. Manter a política econômica enfraquece o governo e ajuda o golpismo, ou pelo menos ajuda as elites a recuperar plenamente o governo em 2018. Além disso, sem mudança na política econômica, não haverá como viabilizar as reformas estruturais.
4. É possível, além de derrotar a contraofensiva conservadora, criar as condições para uma ofensiva da esquerda?
Sim, se no mais curto prazo de tempo conseguirmos modificar a estratégia do PT e alterar a política econômica do governo.
Os principais obstáculos a transpor são: a) o estado adiantado, a violência, eficiência, velocidade e multiplicidade dos ataques da direita, que vem sendo maiores do que a capacidade de compreensão e reação de amplos setores da esquerda; b) as resistências ativas ou passivas que setores do governo e do Partido oferecem à necessidade de mudar de política econômica e de estratégia; c) o nível de fadiga de material, desalento, desmoralização, curto-prazismo e derrotismo em amplos setores da esquerda; d) a incapacidade dos que se pretendem “esquerda da esquerda”, de produzir uma alternativa que seja potente social, cultural e politicamente, o que os faz oscilar entre uma condição testemunhal e ser linha auxiliar da direita; e) a confusão reinante --político-ideológica, programática e estratégica -- de que constitui exemplo a incapacidade que alguns demonstram de compreender o que ocorreu em 2005 e em 2013, deixando por isto de reagir de forma adequada; f) o nível de captura de parte das instâncias dirigentes do PT por concepções e procedimentos “de outro planeta”, o que torna cada vez mais difícil operacionalizar a mudança da linha política.
Os problemas apontados e outros terão que ser superados “a quente”, no debate ideológico, na formulação e aplicação de outra estratégia e tática, na mobilização social e na reorganização da atuação partidária.
5. Para derrotar a “contraofensiva das elites”, é preciso compreender sua natureza.
A ofensiva das elites teve diferentes protagonistas: os setores médios reacionários, o grande capital, os partidos de direita, o oligopólio da mídia, segmentos do aparato de Estado -- com destaque para setores do Judiciário e do MPF, a PF e as forças armadas.
A ofensiva das elites teve múltiplos alvos: os direitos trabalhistas, os direitos sociais, as liberdades democráticas, as mulheres, os negros, a juventude especialmente da periferia, os movimentos sociais, os partidos de esquerda, o governo, o mandato presidencial e a liderança de Lula.
A ofensiva das elites não teve um único comando. Mas por diversos motivos, entre os quais sua falsa “imparcialidade”, coube à mídia e ao complexo judiciário um protagonismo imenso, o que além das dificuldades que isto gera para a esquerda, constitui um sinal a mais do caráter estrutural e profundo da crise: o protagonismo político está com mecanismos que são praticamente imunes ao controle social e à soberania popular, dando margem àquilo que alguém chamou de "bonapartismo judiciário" e de "república estranha” onde o judiciário e a mídia atuam como “poder moderador", apesar (ou por causa) das benesses, do tráfico de influência e das suspeitas transações.
Desde o início de 2015, as elites adotaram duas táticas. Uma tática foi adotada pelos que consideram prioritário o ajuste fiscal recessivo, ajuste que teria o efeito colateral de desgastar o governo Dilma e a esquerda, ajudando assim a criar o ambiente para uma vitória das candidaturas das elites em 2016 e 2018. Outra tática foi adotada pelos que consideravam prioritário criar as condições para interromper imediatamente o mandato da presidenta Dilma, interditar o PT e Lula, com o objetivo de assumir desde já o controle integral do governo federal e eliminar por um longotempo a esquerda como alternativa de governo.
Ao tempo que aplicavam duas táticas, as elites tinham (ver ponto 1) unidade estratégica, cimentada por três grandes aparatos: a indústria de comunicação, a indústria cultural e a indústria educacional. Frente às derrotas eleitorais e às crises econômicas, setores importantes das elites reagiram aprofundando sua opção por uma visão de mundo conservadora, num fenômeno que recorda, sob vários aspectos, o que ocorreu na Europa nos anos 1920 e 1930. Esta dimensão político-cultural-ideológica é parte cada vez mais importante da luta de classes e, portanto, não deve ser subestimada. É preciso, numa ação concertada com os trabalhadores da comunicação, da cultura e da educação, colocar em primeiro plano o debate político-cultural no sentido amplo da palavra. E combinar este debate com uma demonstração da força artística-cultural das esquerdas, dos setores democráticos e populares.
As elites não apenas tinham unidade estratégica: suas táticas, apesar de diferentes, alimentavam-se mutuamente. A ameaça golpista estimulava setores do governo a adotar uma política conservadora; e uma política conservadora ampliava o desgaste do governo e, por tabela, a força do golpismo.
6. Em dezembro de 2015, impusemos uma derrota parcial e temporária à contraofensiva das elites.
Ao longo de 2015, o campo popular esteve dividido tanto na estratégia quanto na tática, com diferentes leituras da situação política mundial, regional e nacional, diferentes alternativas estratégicas e diferentes posturas táticas frente à ofensiva das elites. Pior: ao contrário do que ocorria no caso das elites, as diferentes linhas existentes no setor popular enfraqueciam umas às outras.
Apesar da intensidade da contraofensiva da direita, apesar das fragilidades, inconsistências e divergências existentes na esquerda, o ano de 2015 começou com os "coxinhas" dominando as ruas e terminou com os setores populares dominando as ruas; iniciou com Levy na Fazenda e terminou com Levy fora da Fazenda.
Derrotamos (mesmo que parcial e temporariamente) os setores mais truculentos da direita, através de uma política oposta ao derrotismo e à capitulação sem combate, confirmando a importância da luta de massas, da mobilização social e da disputa político-ideológica.
Dentre os diversos motivos pelos quais o ano terminou melhor do que começou, destacamos que em dezembro de 2015 as elites viveram um momento de forte divisão tática, ao mesmo tempo em que a maior parte do campo popular unificou sua ação
A divisão das elites ocorreu quando o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, com o intuito de proteger seus interesses pessoais, deflagrou o processo de impeachment, recorrendo às já conhecidas "manobras" regimentais. O início do processo de impeachment, marcado pelas características criminosas já descritas, colocou os setores populares diante de uma disjuntiva: unidade na ação ou derrota sem pena. Isto vinha temperado por um aspecto adicional: Eduardo Cunha ofereceu publicamente uma barganha, abrindo mão de iniciar naquele momento o processo de impeachment, caso os deputados petistas votassem a favor dele no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Voto que tornaria o PT cúmplice de uma operação de acobertamento dos crimes de que Cunha era acusado. Como o PT decidiu não participar desta operação de acobertamento, Cunha deu início ao processo de impeachment.
Embora parte das elites tenha apoiado a iniciativa de Cunha, este processo de impeachment nasceu sob o estigma do golpe animado por objetivos pessoais e criminosos. Como disse editorial de um importante jornal das elites: naquele momento Cunha tornara-se "disfuncional". Isto contribuiu para que as manifestações coxinhas de 13 de dezembro de 2015 fossem um fracasso de público e de crítica. Por outro lado, aqueles setores da esquerda que defendiam que o impeachment seria apenas chantagem, e que propunham como centro da tática derrotar o governo, tiveram que refluir para não serem confundidos com a pior direita. A imensa maioria dos setores progressistas, democráticos e de esquerda iniciou um processo em grande medida espontâneo de unificação, que ficou visível no caráter plural e massivo das manifestações de 16 de dezembro, que foram convocadas unitariamente, em torno das consignas "Contra o golpe, em defesa da democracia!", "Fora Cunha!" e "Por uma nova política econômica!".
É verdade que alguns setores "torceram o nariz" para a construção da unidade (por exemplo, os que queriam manter distância do governo) ou para os termos que a unidade foi feita (por exemplo, os que antes consideravam melhor não fazer ataques diretos a Cunha e a Levy). Mas a combinação entre a pressão popular e a ofensiva da direita tornou possível a unidade, não em torno de uma única palavra de ordem, mas em torno das três, deixando a cada setor envolvido a liberdade de estabelecer as hierarquias e as vinculações entre cada um dos aspectos.
Logo após as manifestações, a presidenta Dilma recebeu a Frente Brasil Popular; o Supremo Tribunal Federal derrotou os aspectos mais aberrantes dos procedimentos adotados por Eduardo Cunha; e o ministro da Fazenda Joaquim Levy deixou o governo. Vendo-se de conjunto, um saldo positivo para os setores populares, ao término de um ano marcado pela ofensiva das elites.
7. Embora em 2015 o Natal tenha sido melhor que o Dia de Reis, as elites continuaram com a iniciativa estratégica.
No governo seguiu predominando não apenas uma atitude defensiva frente a uma correlação de forças difícil, mas uma capitulação programática e uma subordinação aos interesses dos "aliados" de centro-direita em detrimento das bases sociais populares e de esquerda que saíram às ruas em defesa da democracia e contra o golpismo. Vale lembrar que, ao receber a FBP, a presidenta Dilma não sinalizou uma guinada na política. E que, em entrevista concedida nos Estados Unidos, a presidenta chegou a dizer que seu legado seria o ajuste e a reforma da previdência.
No Partido segue predominando uma postura recuada. Vide a recente propaganda do PT na TV, a contemporização de vários setores frente a Eduardo Cunha, a demora em perceber até onde setores da direita pretendem ir nos ataques contra o PT e Lula, a insistência numa política de alianças esgotada, as expectativas no “Conselhão” e nos setores “produtivos” do grande capital. Vide também as declarações do prefeito Marinho sobre “ideologia de gênero”, assim como algumas declarações do prefeito Haddad sobre o “passe livre”, que compõem um quadro geral de defensivismo. Vide, ainda, a subordinação do PT do Espírito Santo ao governador Paulo Hartung (PMDB), apesar dos seguidos ataques deste ao governo federal.
Disfuncional ou não, Cunha sobreviveu a crise de dezembro. E mesmo setores do PMDB dizem que “o impeachment não morreu”. Aliás, o PMDB de Temer, Renam e Cunha continua ocupando papel central na luta política nacional.
Além disso, o PT segue na defensiva no debate sobre a corrupção. Esta questão ganhou uma importância imensa nos últimos 10 anos, articulando-se com a judicialização da política, com a partidarização do Judiciário, assim como com as operações que visam a cassação do PT e a interdição política de Lula, com consequências que atingiriam o conjunto da esquerda brasileira (um detalhamento a respeito está no documento: “O PT no combate contra a corrupção”). A campanha eleitoral de 2016 deve ser vista, neste sentido, como um grande teste para o PT demonstrar ser capaz de construir uma rede de financiamento militante e libertar-se da dependência frente ao financiamento empresarial.
Finalmente, prossegue o “ajuste”, a queda na atividade econômica, demissões, pressão sobre os salários, cortes em projetos fundamentais (MCMV, por exemplo), ofensiva contra a Petrobrás (incluindo privatização), desmonte na indústria de transformação etc. A isto se agrega -- e é potencializado pelo oligopólio da mídia— a situação na saúde pública, a catástrofe causada pela Samarco e suas controladoras Vale e BHP em MInas Gerais etc. Para completar o quadro, há que se considerar as mobilizações contra o aumento das passagens, as Olimpíadas, a continuidade das operações de criminalização dos movimentos sociais e as eleições municipais de 2016, quando os diferentes setores das elites pretendem impor uma derrota eleitoral profunda ao PT, frente ao que há duas alternativas: tentar municipalizar o debate eleitoral ou enfrentar o debate político nacional. Não consideramos que seja possível municipalizar o debate, em primeiro lugar porque nossos inimigos não permitirão isto; em segundo lugar, porque a situação dos municípios não permite fugir do debate nacional.
8. Passado o armistício, recomeça a batalha campal, no qual Lula é o alvo principal.
Em resumo: no final de 2015, os setores populares conseguiram barrar a ofensiva das elites, mas não conseguimos eliminar suas causas, nem muito menos conseguimos iniciar uma contraofensiva de esquerda. O período entre 16 de dezembro de 2015 e 10 de fevereiro de 2016 pode ser descrito como de interrupção momentânea das hostilidades mais ferozes, mas o quadro geral continuou perigoso e negativo e, passado o Carnaval, a batalha regressa e tende a ser campal.
Há vários exemplos disto: ataques crescentes contra os direitos da classe trabalhadora, repressão aos movimentos sociais, propostas ultraliberais na pauta do Congresso, declarações de líderes da oposição em defesa do impeachment, proposta de cassar o registro do PT. Mas o alvo principal das forças da mídia, do grande capital e da direita política é, agora, o ex-presidente Lula.
Não há consenso - entre as forças reacionárias - acerca de até onde irão no ataque a Lula. Entretanto, no aparelho de Estado, na mídia, no PSDB e em outros partidos, existem setores que têm toda ambição e nenhuma inibição; e não parece existir, da parte dos demais, disposição e energia para impor limites. Portanto, o mais provável é que a escalada de ataques prossiga, até atingir seus objetivos, ou até ser detida por força superior.
A radicalização dos ataques da direita contra Lula vai gerar, inevitável e espontaneamente, reações duras de diversos setores populares. A esquerda política e social deve buscar incentivar, apoiar e dirigir com firmeza estas reações, até porque as tentativas de interdição de Lula e do PT lançam mão de métodos e tem objetivos que rompem com a legalidade democrática vigente deste 1988. Não constituem a afirmação de uma suposta “legalidade republicana”. Decorrem, isto sim, da partidarização da justiça e da judicialização da política em favor da oposição de direita. Nunca é demais perguntar: se o financiamento empresarial da política e dos políticos é um problema sistêmico, por qual motivo as investigações e condenações são direcionadas contra o PT?
A campanha contra Lula é um sinal de que a direita não considera que as eleições presidenciais de 2018 estejam decididas em seu favor e, por isso, eles precisam tentar remover ilegalmente seus principais adversários: o PT e Lula. Dito de outra forma, um setor importante do consórcio direita/mídia/grande capital está decidido a recuperar, a qualquer custo e por longo tempo,através de meios não-eleitorais, o controle do governo federal. Reafirmamos o que já foi dito seguidas vezes ao longo de 2015: consideramos que este tipo de expediente é golpismo, não apenas por desrespeitar a lei, mas principalmente porque de fato almeja tirar do povo o direito de escolher quem ocupará a presidência da República.
Frente a isto, a cantilena “republicana”, entoada principalmente no Ministério da Justiça, virou trilha sonora da tendência suicida. O arrefecimento dos ataques contra o governo e contra a presidenta Dilma, decorrentes em parte da prioridade momentânea dos ataques da direita contra Lula, não são motivo de relaxamento. O governo precisa lançar mão dos mecanismos que lei garante para impor limites ao comportamento arbitrário de setores da Polícia Federal, do Ministério Público Federal, da Justiça e da mídia. Impor limites também é parte do equilíbrio de poderes.
Sobre a mídia, vale lembrar que sua regulação praticamente inexiste no Brasil. Qualquer democracia liberal europeia tem controle social da mídia mais avançado do que o vigente no Brasil, mesmo depois de 13 anos de governos encabeçados por nosso partido.
9. Neste momento de crise profunda, fracassa a estratégia de conciliação.
A insistência na estratégia de conciliação e a insistência na atual política econômica terão como resultado mais provável uma derrota global da esquerda brasileira, que pode ser manifestar de diferentes formas, entre as quais: a interdição do Partido e de Lula, a interrupção da experiência governamental da esquerda brasileira, o realinhamento do Brasil aos EUA, uma redução brutal do salário direto e indireto das camadas populares, a restrição às liberdades democráticas.
Políticas de conciliação tem alguma chance de êxito, ainda que parcial e temporário, apenas em determinados momentos da luta de classe (citando a análise de uma companheira, momentos em que "a esquerda está fortalecida o suficiente para que a direita e o capital se vejam obrigados a aceitar os acordos e pactos", o que "aliás, é a grande armadilha em que a esquerda costuma cair; pois costuma confundir este 'baixar as armas' com um 'entregar as armas', o que gera as famigeradas crenças no 'republicanismo', no 'estado democrático de direito' etc".). Não vivemos numa situação deste tipo. A crise brasileira, assim como a crise internacional, devem aprofundar-se durante o ano de 2016. Tanto em âmbito mundial quanto regional, deve ocorrer uma intensificação dos conflitos, que os EUA sempre tendem a empurrar para um desfecho militar, terreno onde contam com vantagem relativa.
Evidentemente, a crise internacional não vai durar para sempre. Nos próximos anos ou décadas, haverá um desfecho, mais ou menos duradouro, favorável a alguma das forças em luta. Há pelo menos três grandes desfechos possíveis: a) a vitória, continuidade, aprofundamento do tipo de capitalismo atualmente hegemônico e em crise; b) a derrota do neoliberalismo e afirmação de um tipo de capitalismo alternativo; c) a vitória das forças que defendem uma sociedade alternativa ao capitalismo.
Noutro texto detalhamos estes cenários, que na vida real tendem a aparecer de forma simultânea e combinada. O que importa destacar é que não haverá “transição tranquila” entre o mundo que temos e o que virá depois da crise. Qualquer orientação política que desconheça isto, que insista em soluções convencionais e de curto prazo, estará estimulando ilusões e preparando derrotas.
10. O Brasil vive um impasse que exige soluções estruturais.
O que foi dito acerca da natureza profunda da crise mundial, vale também para o contexto regional e para o contexto nacional, que tem parentesco com o ocorrido no país nas décadas de 1920 e 1930.O país vive um “impasse estratégico”, relacionado ao esgotamento do modelo vigente entre 1930-1980, aos impasses decorrentes da tentativa neoliberal de superar este modelo e aos limites e contradições de nossa tentativa de superar o neoliberalismo.
Embora a situação mundial e regional impacte fortemente o Brasil, a dinâmica da crise brasileira não é um reflexo passivo e mecânico da situação internacional. Ademais, é preciso levar em conta opções que foram feitas (ou que deixaram de ser feitas) frente à crise brasileira e frente aos impactos da crise internacional. Ressalte-se que não construir um programa estratégico alternativo conduz, inevitavelmente, à adoção de “receitas” hegemônicas, convencionais, tradicionais.
11. Para superar a crise é preciso enfrentar o grande capital.
No fundo da polêmica acerca do programa alternativo, está o diagnóstico da crise. A crise é produzida pelo grande capital, através da redução do investimento, por um lado como reação defensiva à crise internacional; por outro lado como reação ofensiva contra os ganhos sociais acumulados desde 2003 pela classe trabalhadora. A crise produz efeitos deletérios crescentes nos salários, serviços públicos, na produção, na desigualdade social, ao tempo que fortalece o oligopólio financeiro privado. À medida que prossegue, ganha componentes novos, alguns dos quais inicialmente resultado de movimentações políticas. Um exemplo disto é o risco de uma crise bancária como efeito colateral da Operação Lava Jato.
O caminho através do qual o grande capital busca superar sua crise é, justamente, a redução dos custos diretos e indiretos da força de trabalho. A política de ajuste fiscal recessivo contribui neste sentido. O atual ministro da Fazenda, por exemplo, parece acreditar impossível retomar o crescimento sem contar com o apoio do grande capital privado; e também impossível contar com o apoio do grande capital privado sem fazer/acenar concessões substantivas (por exemplo, as reformas da previdência e da legislação trabalhista). O que implica em ampliar a crise social, até desfazer tudo o que de positivo foi feito desde 2003. Com o agravante de que, no ambiente de crise mundial em que vivemos, o resultado não será regressar aos patamares de 2002. O resultado tende a ser ao mesmo tempo diferente e pior, especialmente devido ao enfraquecimento da indústria brasileira e a ampliação da dependência externa. Do ponto de vista político, os níveis de tensão social serão ainda maiores, especialmente no interior da classe trabalhadora, na relação dos setores populares com os setores médios, fortalecendo as tendências fascistas e conservadoras. Em síntese, um governo encabeçado pela esquerda, mas que aplica um programa social-liberal, cada vez mais liberal e menos social, apenas pavimenta o caminho para a direita 100% neoliberal regressar ao governo.
Tanto a crise, quanto o caminho que o grande capital adota para superar sua crise, provocam desemprego numa ponta e desindustrialização na outra. Isto conduz amplos setores da esquerda a defender, como estratégia para superar a crise, uma aliança da classe trabalhadora com os setores “produtivos”, “não especulativos”, do grande capital. Efetivamente, derrotar o setor financeiro do grande capital poderia liberar recursos para realizar investimentos públicos, que por sua vez poderiam impulsionar investimentos privados, que são objetivamente de interesse do capital “produtivo”. Acontece que daí não decorre que os capitalistas chamados de “produtivos” tenham força e/ou disposição real de enfrentar o setor financeiro, em favor de uma política de alianças que traz implícita uma redução ou pelo menos uma contenção de sua taxa de lucros, que decorrerá da ampliação do salário direto e indireto da classe trabalhadora.
Dito de outra forma: é verdade que a derrota do grande capital financeiro poderia estimular o desenvolvimento de outro padrão de acumulação capitalista, distinto do atual, onde haveria espaço para um amplo desenvolvimento de pequenos, médios e até grandes capitalistas. Mas também é verdade que, para que isto aconteça, seria preciso derrotar o setor hegemônico do grande capital, obrigando/atraindo os demais setores do grande capital a aceitar outro padrão de acumulação, que permita combinar crescimento econômico com ampliação da qualidade de vida e da democracia da maioria do povo brasileiro. O grande capital privado pode ser forçado a aceitar isto, mas não o fará de bom grado. Vargas que o diga.
12. É preciso quebrar a ditadura do capital financeiro e fortalecer o Estado.
A crença na capitulação inevitável e a crença nas virtudes de uma “aliança estratégica com o capital produtivo” são falsas nos seus próprios termos. Ou seja: ambas as crenças, quando traduzidas em política prática, não produzem o resultado que almejam. A insistência na política econômica de concessões amplas e generalizadas ao grande capital enfraquece o governo (vide, aliás, o fracasso das generosas isenções e desonerações fiscais praticadas no primeiro mandato da presidenta Dilma). E a crença na “aliança perdida” estimula as ilusões e um defensivismo que enfraquecem e desgastam o PT.
No contexto de crise estrutural, um programa econômico alternativo não pode se limitar a rearranjar e redistribuir as variáveis já existentes. Um programa econômico alternativo deve ser um dos instrumentos que permitam converter a crise numa alternativa estrutural. Por isto o núcleo do programa alternativo consiste em quebrar a ditadura do oligopólio financeiro privado e ampliar a intervenção do Estado na economia, tendo como diretrizes:
a) no médio prazo: indústria forte e tecnologicamente avançada, setor financeiro poderoso e público, reforma agrária e universalização das políticas sociais, desenvolvimento econômico com elevação do bem-estar social, ampliação das liberdades democráticas, política externa soberana e de integração regional;
b) no curto prazo: derrubar a taxa de juros, alongar o pagamento da dívida pública, controlar o câmbio, cumprir integralmente o Orçamento, impulsionar um plano de obras públicas (habitação e construção civil), tendo como suporte os bancos públicos, a Petrobrás e o complexo de empresas vinculadas a ela.
13. A grande política precisa estar no comando.
Nenhuma das diretrizes citadas anteriormente será completamente executada/viabilizada no curto prazo, nem será resultado de medidas estritamente “econômicas” ou “administrativas”. Aliás, a mudança na política econômica tem duas dimensões vinculadas: a econômica e a política. E a mudança na política só terá êxito se fizer parte de uma alteração mais global na linha estratégia do Partido e do conjunto da esquerda brasileira, vinculando novamente ação de governo e mobilização social, reformas estruturais e luta pelo socialismo.
As mobilizações de dezembro de 2015, a ocupação das escolas estaduais pela juventude secundarista, a mobilização das mulheres, negros e LGBT contra a ofensiva medieval liderada por Cunha, a disposição manifesta pela Central Única dos Trabalhadores e por outros setores da classe demonstraram que há energia e vontade social para implementar nossas tarefas de curto e médio prazo. Mas para que tenhamos êxito, é preciso que o PT mude de estratégia e o governo mude de política econômica. Ao contrário daquela frase, a crise que vivemos não pode ser reduzida à crise da direção. Mas só teremos êxito se nossa direção mudar.
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