Allan Farias, 16, Caetano de Campos (Aclimação). "Desculpe o incomodo, estamos lutando por uma educação de qualidade!" |
Pelos planos do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), o estado entraria em 2016 economizando com o fechamento de 94 escolas e demitindo professores e demais funcionários escolares. O que ele não contava é com a reação dos 300 mil estudantes que seriam diretamente afetados com a transferência compulsória para outras escolas, distantes de casa ou do local de trabalho. Tampouco poderia imaginar que tal resposta, vinda das salas de aula, ganhando ruas e avenidas, faria das escolas a mais importante trincheira na luta que já não era mais contra a reorganização, mas pelo ensino público de qualidade. Ou que os alunos teriam entre os aliados pais, professores, trabalhadores, artistas e intelectuais nacionais e estrangeiros. Até mesmo de pessoas comuns, que mesmo distantes das lutas pelos seus direitos justamente pela baixa escolaridade, sabem que escola não se fecha.
Alckmin foi pego de surpresa também numa noite do início de novembro, quando alunos ocuparam a Escola Estadual Cefam Diadema, no município de mesmo nome, na região do ABC. E novamente na manhã seguinte, quando a Fernão Dias Paes, em Pinheiros, na capital, foi ocupada. Por causa da tensão, o fechamento de ruas laterais, a presença da Tropa de Choque da Polícia Militar e o cordão de isolamento formado por soldados sem identificação na farda aumentaram o medo de que a qualquer momento os policiais armados invadiriam a Fernão com a violência empregada em reintegrações de posse determinadas pela Justiça tucana. Foi o gatilho que desencadeou outras ocupações.
O movimento cresceu apesar da repressão policial e das tentativas de se jogar a sociedade contra o movimento, como ataques de pessoas estranhas a escolas ocupadas para responsabilizar os alunos, artimanha que contou com aval da mídia. Mas, no final, o governo do estado também perdeu na Justiça e ainda viu cair seu secretário da Educação, Herman Voorwald.
Alckmin foi pego de surpresa também numa noite do início de novembro, quando alunos ocuparam a Escola Estadual Cefam Diadema, no município de mesmo nome, na região do ABC. E novamente na manhã seguinte, quando a Fernão Dias Paes, em Pinheiros, na capital, foi ocupada. Por causa da tensão, o fechamento de ruas laterais, a presença da Tropa de Choque da Polícia Militar e o cordão de isolamento formado por soldados sem identificação na farda aumentaram o medo de que a qualquer momento os policiais armados invadiriam a Fernão com a violência empregada em reintegrações de posse determinadas pela Justiça tucana. Foi o gatilho que desencadeou outras ocupações.
O movimento cresceu apesar da repressão policial e das tentativas de se jogar a sociedade contra o movimento, como ataques de pessoas estranhas a escolas ocupadas para responsabilizar os alunos, artimanha que contou com aval da mídia. Mas, no final, o governo do estado também perdeu na Justiça e ainda viu cair seu secretário da Educação, Herman Voorwald.
Enquanto Alckmin adotava a pedagogia da repressão, cada vez mais alunos trocavam a preocupação com provas, exames, vestibulares e vida pessoal pela defesa da escola. Pintavam muros e paredes, carpiam o mato, cuidavam de jardins, desentupiam canos, lavavam banheiros, cozinhavam e realizavam atividades culturais e artísticas, como jamais visto antes naqueles espaços. Não demoraram para perceber que aprendiam, na prática, sobre cidadania, direitos humanos, política, organização, convivência.
Tudo era pretexto de aprendizado e amadurecimento, inclusive o enfrentamento às ameaças e intimidações de policiais que rodeavam as escolas à noite ou pulavam muros, com armas na mão, chamando adolescentes de 15, 16 anos de idade para “uma conversa de homem para homem” do lado de fora, como aconteceu em uma escola na Brasilândia, zona norte da capital. Ou como em Perus, na zona noroeste, quando alunos foram levados para um batalhão da PM, onde foram agredidos física e psicologicamente. A lição, da polícia, era desencorajar novas ocupações.
Em 4 de dezembro, quando havia 213 ocupações, maior número alcançado no movimento, também ocorriam prisões, a violência policial crescia e a aprovação do governo Alckmin caiu para 28%, o jeito foi suspender a reorganização. Na tentativa de recuperar sua imagem, que não havia sido desgastada nem com a crise hídrica, ele prometeu realizar audiências públicas ao longo deste ano.
O tempo vai mostrar se o governador vai cumprir sua promessa de ano novo e as determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garantem o direito à educação, à participação na discussão de políticas públicas e também à livre manifestação. A certeza é que ficaram muitas lições.
Aprendizado
Professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), filósofo e pedagogo, Dermeval Saviani havia acabado de chegar de Manaus quando soube da ocupação da Escola Estadual Carlos Gomes, no centro de Campinas, no final de novembro. “Fui lá conversar com os alunos e percebi a seriedade deles, a capacidade de visão da importância da educação, a atenção para o risco da entrada de estranhos na escola para depredar e culpá-los”, conta.
Segundo Saviani, por meio das ocupações, os estudantes ensinaram que o movimento em defesa da educação não é apenas dos professores e estudantes universitários. Mas também dos alunos da educação básica. “É importante que eles participem e se mantenham mobilizados”, defende.
“A participação do conjunto da comunidade na vida da escola, com os estudantes participando das decisões, é essencial à qualidade da educação, que por sua vez é essencial para a democratização do conhecimento para toda a sociedade”, diz o filósofo, autor de Escola e Democracia (Cortez Editora). Principal reivindicação na luta pela democratização do ensino nos anos 1970 e 1980, a participação de professores e alunos na gestão da escola e no projeto político-pedagógico acabou contemplada pela LDB. No entanto, a participação, de fato, está ameaçada pela falta de políticas que garantam mais tempo para a preparação das aulas, turmas menos numerosas e o fim da chamada meritocracia, baseada em resultados de testes e avaliações, que agrava as desigualdades na educação e enriquece empresas que vendem cursos e sistemas de ensino.
O tempo vai mostrar se o governador vai cumprir sua promessa de ano novo e as determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garantem o direito à educação, à participação na discussão de políticas públicas e também à livre manifestação. A certeza é que ficaram muitas lições.
Aprendizado
Professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), filósofo e pedagogo, Dermeval Saviani havia acabado de chegar de Manaus quando soube da ocupação da Escola Estadual Carlos Gomes, no centro de Campinas, no final de novembro. “Fui lá conversar com os alunos e percebi a seriedade deles, a capacidade de visão da importância da educação, a atenção para o risco da entrada de estranhos na escola para depredar e culpá-los”, conta.
Segundo Saviani, por meio das ocupações, os estudantes ensinaram que o movimento em defesa da educação não é apenas dos professores e estudantes universitários. Mas também dos alunos da educação básica. “É importante que eles participem e se mantenham mobilizados”, defende.
“A participação do conjunto da comunidade na vida da escola, com os estudantes participando das decisões, é essencial à qualidade da educação, que por sua vez é essencial para a democratização do conhecimento para toda a sociedade”, diz o filósofo, autor de Escola e Democracia (Cortez Editora). Principal reivindicação na luta pela democratização do ensino nos anos 1970 e 1980, a participação de professores e alunos na gestão da escola e no projeto político-pedagógico acabou contemplada pela LDB. No entanto, a participação, de fato, está ameaçada pela falta de políticas que garantam mais tempo para a preparação das aulas, turmas menos numerosas e o fim da chamada meritocracia, baseada em resultados de testes e avaliações, que agrava as desigualdades na educação e enriquece empresas que vendem cursos e sistemas de ensino.
Brinde à democracia
Vice-coordenadora da pós-gradução em Educação da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, a professora Branca Jurema Ponce considera o movimento um brinde à democracia que vai além da palavra, num exercício cotidiano. “É um brinde a uma nova concepção de escola, de conhecimento escolar, de currículo. O currículo escolar também é isso, tem de preparar o sujeito para a cidadania. É uma forma também de os pais, de os próprios alunos se formarem para a participação”, diz. ”Bendito seja esse movimento estudantil de jovens de 15 a 18 anos, num momento tão importante, formador. São garotos que trouxeram de volta uma esperança grande, que foi deixada de lado, e que vão levar para sempre essa reflexão.”
O advogado Thyago Cezar, de Bauru, no interior, vai além. “A lição que deram é uma das mais belas demonstrações de democracia participativa da história do Brasil, em que os alunos secundaristas se reuniram voluntariamente para lutar por pautas locais, regionais e estaduais, se mostrando valentes e coesos em seus pleitos, mesmo quando o governo com suas investidas, tentava desarticulá-los. As ocupações das escolas paulistas servem como modelo a toda a sociedade e devem ser lembradas como um grande marco social de lutas estudantis”, diz.
Vice-coordenadora da pós-gradução em Educação da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, a professora Branca Jurema Ponce considera o movimento um brinde à democracia que vai além da palavra, num exercício cotidiano. “É um brinde a uma nova concepção de escola, de conhecimento escolar, de currículo. O currículo escolar também é isso, tem de preparar o sujeito para a cidadania. É uma forma também de os pais, de os próprios alunos se formarem para a participação”, diz. ”Bendito seja esse movimento estudantil de jovens de 15 a 18 anos, num momento tão importante, formador. São garotos que trouxeram de volta uma esperança grande, que foi deixada de lado, e que vão levar para sempre essa reflexão.”
O advogado Thyago Cezar, de Bauru, no interior, vai além. “A lição que deram é uma das mais belas demonstrações de democracia participativa da história do Brasil, em que os alunos secundaristas se reuniram voluntariamente para lutar por pautas locais, regionais e estaduais, se mostrando valentes e coesos em seus pleitos, mesmo quando o governo com suas investidas, tentava desarticulá-los. As ocupações das escolas paulistas servem como modelo a toda a sociedade e devem ser lembradas como um grande marco social de lutas estudantis”, diz.
Conforme ressalta, ainda que a pauta principal do movimento fosse atrelada a questões de educação, o período de ocupações trouxe grandes momentos de discussões políticas e sociais, servindo como um grande laboratório de cidadania. “Foi um aprendizado imensurável que acredito muito ser difícil de se repetir nos próximos anos. Acredito que esta luta entrará para a história como o caso dos meninos que derrotaram o governador, a luta do coletivo contra o grande poder.”
No começo de dezembro, o advogado protocolou medida cautelar na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que tem sede em Washington. Na petição foram anexadas notícias de jornais, vídeos, fotografias, moções de repúdio de universidades, parecer do Ministério Público Estadual e uma análise da Universidade Federal do ABC sobre a política de reorganização. O objetivo é a análise e punição, pelos estados-membros da corte internacional, de violações aos direitos de acesso à educação e cultura, ao desenvolvimento social, psicológico e educacional, ao acesso à Justiça, à livre manifestação do pensamento e à proteção da saúde física e psicológica de crianças e adolescentes.
No começo de dezembro, o advogado protocolou medida cautelar na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que tem sede em Washington. Na petição foram anexadas notícias de jornais, vídeos, fotografias, moções de repúdio de universidades, parecer do Ministério Público Estadual e uma análise da Universidade Federal do ABC sobre a política de reorganização. O objetivo é a análise e punição, pelos estados-membros da corte internacional, de violações aos direitos de acesso à educação e cultura, ao desenvolvimento social, psicológico e educacional, ao acesso à Justiça, à livre manifestação do pensamento e à proteção da saúde física e psicológica de crianças e adolescentes.
Para o músico e videomaker Jimmy Bro, autor do documentário Escolas ocupadas – a verdadeira reorganização, quem reorganizou o ensino foram os alunos. “O que vi foi inspirador. Além de protestar, fizeram a verdadeira reorganização em vários sentidos. O que veio através de um problema refletiu em mudanças positivas, nas relações dos alunos com a escola, com os colegas e com a educação em si.”
Com o anúncio da suspensão da reorganização, no começo de dezembro, os estudantes fizeram assembleias e foram, aos poucos, desocupando as escolas, com atos simbólicos, num processo educativo e afetivo. Muitas foram pintadas e grafitadas, numa derradeira demonstração de apreço ao espaço público que tanto defenderam. As últimas desocupações ocorreram entre 18 e 22 de dezembro, com a garantia dos estudantes de permanente mobilização frente a manobras do governo. Em manifesto que publicaram, deixaram claro que estavam saindo das escolas, não da luta. E ressaltando que o conjunto das reivindicações não havia sido atendido, não cederiam.
“Essa escolha de maneira nenhuma significa ceder às pressões do governo do estado e das entidades burocráticas. Analisamos, porém, que as ocupações já cumpriram sua função e que é hora de mudar de tática.” Para eles, foi o fracasso de uma “reorganização dos poderosos, cujo plano maior era cobrar de trabalhadores e seus filhos o pagamento da fatura de uma crise.”
Com o anúncio da suspensão da reorganização, no começo de dezembro, os estudantes fizeram assembleias e foram, aos poucos, desocupando as escolas, com atos simbólicos, num processo educativo e afetivo. Muitas foram pintadas e grafitadas, numa derradeira demonstração de apreço ao espaço público que tanto defenderam. As últimas desocupações ocorreram entre 18 e 22 de dezembro, com a garantia dos estudantes de permanente mobilização frente a manobras do governo. Em manifesto que publicaram, deixaram claro que estavam saindo das escolas, não da luta. E ressaltando que o conjunto das reivindicações não havia sido atendido, não cederiam.
“Essa escolha de maneira nenhuma significa ceder às pressões do governo do estado e das entidades burocráticas. Analisamos, porém, que as ocupações já cumpriram sua função e que é hora de mudar de tática.” Para eles, foi o fracasso de uma “reorganização dos poderosos, cujo plano maior era cobrar de trabalhadores e seus filhos o pagamento da fatura de uma crise.”
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Movimento fez escola em Goiás
As ocupações de 2015 não foram exclusividade de São Paulo. Em Goiás, governada pelo também tucano Marconi Perillo, os estudantes ocuparam escolas para protestar contra decreto que autoriza a contratação de organizações sociais (OSs) para a direção de 200 unidades. O primeiro a ser ocupado, em 9 de dezembro, foi o Colégio Estadual José Carlos de Almeida, na região central de Goiânia, que havia sido fechado para reforma por Perillo. Porém, justificando baixa demanda, o governador manteve a escola fechada.
“Com as ocupações de escolas em São Paulo, enxergamos que o governador tem de dialogar com todos, independentemente de serem jovens ou não, e que a falta de diálogo acabou desgastando sua imagem em todo o mundo, sendo visto como um ditador”, avalia o estudante Gabriel Tatico, integrante da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e da União Goiana dos Estudantes Secundaristas (Uges).
De acordo com ele, os alunos paulistas ensinaram principalmente que um movimento estudantil organizado pode obter sucesso. “Houve uma vitória no momento em que o governador recuou e suspendeu a reorganização. Vai ter de dialogar. E mesmo que a reorganização vier a acontecer, já não será mais a mesma. O projeto será alterado com os debates”, diz.
“Vamos ocupar as escolas, cuidar delas e realizar atividades culturais e esportivas. Vamos defender a escola pública, exigir mais investimentos e lutar para que, quando voltarem as aulas, os professores e os diretores estejam lá. Se nada fizermos, vamos voltar e estarão lá gestores empresariais tomando conta da nossa escola.”
Movimento fez escola em Goiás
As ocupações de 2015 não foram exclusividade de São Paulo. Em Goiás, governada pelo também tucano Marconi Perillo, os estudantes ocuparam escolas para protestar contra decreto que autoriza a contratação de organizações sociais (OSs) para a direção de 200 unidades. O primeiro a ser ocupado, em 9 de dezembro, foi o Colégio Estadual José Carlos de Almeida, na região central de Goiânia, que havia sido fechado para reforma por Perillo. Porém, justificando baixa demanda, o governador manteve a escola fechada.
“Com as ocupações de escolas em São Paulo, enxergamos que o governador tem de dialogar com todos, independentemente de serem jovens ou não, e que a falta de diálogo acabou desgastando sua imagem em todo o mundo, sendo visto como um ditador”, avalia o estudante Gabriel Tatico, integrante da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e da União Goiana dos Estudantes Secundaristas (Uges).
De acordo com ele, os alunos paulistas ensinaram principalmente que um movimento estudantil organizado pode obter sucesso. “Houve uma vitória no momento em que o governador recuou e suspendeu a reorganização. Vai ter de dialogar. E mesmo que a reorganização vier a acontecer, já não será mais a mesma. O projeto será alterado com os debates”, diz.
“Vamos ocupar as escolas, cuidar delas e realizar atividades culturais e esportivas. Vamos defender a escola pública, exigir mais investimentos e lutar para que, quando voltarem as aulas, os professores e os diretores estejam lá. Se nada fizermos, vamos voltar e estarão lá gestores empresariais tomando conta da nossa escola.”
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