Por Marcos de Aguiar Villas-Bôas, na revista CartaCapital:
Uma regra básica da boa política tributária é evitar discriminações entre situações similares. A tributação dos investimentos deve ser a mais linear possível, de modo que isentar a LCA e a LCI, dois dos principais títulos de renda fixa emitidos por instituições financeiras brasileiras, é um erro grosseiro. Da mesma forma, é um equívoco isentar os dividendos, apesar das suas diferenças.
Ao tributar determinados investimentos de forma beneficiada, o Estado intervém na economia por meio da tributação, exatamente aquilo que os defensores da isenção dos dividendos tanto demonizam.
Com a isenção do Imposto de Renda (IR) sobre alguns investimentos, as alocações de recursos no mercado passam a ser feitas de forma diferente das que se veria em caso de tratamento tributário igual. Assim, em vez de aumentar investimentos, o que acontece é um deslocamento do interesse sobre aqueles mais tributados para os menos tributados.
Uma medida de política tributária muito mais eficiente e equânime seria conceder uma isenção aplicável a todos os retornos sobre os investimentos, evitando, assim, a tributação dos valores correspondentes à inflação.
Poderia se conceder, por exemplo, um percentual de isenção igual ao da inflação do período ou, para um incentivo maior, um percentual de isenção igual ao da Taxa Selic. Os mais avançados trabalhos de política tributária, como a Mirrlees Review e a Henry Review, trazem propostas semelhantes.
Outro incentivo aos investimentos que pode ser eficiente é aproximar o nosso IR de umexpenditure tax (impostos sobre os gastos, em tradução livre), prevendo a possibilidade de dedução de um percentual dos investimentos como despesa. A ideia do imposto sobre os gastos é tributar apenas a parte consumida da renda, não tributando a parte poupada ou investida até que ela venha a ser gasta.
Os riscos do expenditure tax normalmente são atribuídos à proposta drástica de permitir uma dedução de todos os valores poupados ou investidos, porém não se fala na previsão legal de dedução, por exemplo, de 10% dos valores investidos, sem incluir os meramente poupados. Dando certo essa experimentação, seria possível aumentar para 20% e, assim, sucessivamente.
A vantagem da dedução em relação à isenção do retorno é que não gera perda direta, mas diferimento da arrecadação. Apesar de serem medidas contra a progressividade, pois quem investe mais é o mais rico, essas são formas muito mais eficientes de incentivar os investimentos por meio do sistema tributário. A isenção dos dividendos reduz muito a arrecadação e a progressividade, como também causa enorme ineficiência econômica.
A isenção dos retornos no percentual da inflação e a dedução de 10% da poupança e dos investimentos como despesa, associadas ao fim da isenção dos dividendos e dos retornos sobre a LCA e a LCI, e à criação de novas alíquotas mais altas do IRPF, seria um ótimo pacote de reformas desse imposto.
É preciso avaliar, entretanto, se essas medidas para fomento do investimento, que afetam a arrecadação, são mais importantes do que uma drástica redução e simplificação da tributação do consumo, que elevaria em muito a demanda agregada, gerando consequentemente investimentos. Entendo que não. A prioridade deve ser aumentar a progressividade do IRPF em troca da redução do peso da tributação sobre o consumo.
No tocante ao IRPF, deve-se tributar sócios e trabalhadores da forma mais similar possível. A isenção dos dividendos provoca imenso incentivo à “pejotização” e a todos quererem se tornar sócios. Segundo dados da Receita Federal, por incrível que pareça, há mais declarações de IR de empresários e autônomos do que de trabalhadores do setor privado no Brasil.
Não é de surpreender que há quem defenda ser a isenção dos dividendos boa. Esse mecanismo seria, dizem, uma sacada não percebida pelos países desenvolvidos. Falta explicar essa sacada e lembrar que tais países estão em estágio teórico e prático de política tributária infinitamente superior ao do Brasil.
Há quem defenda que tributar o sócio é bitributar, pois a empresa já é tributada. É preciso considerar, entretanto, os diferentes regimes de tributação das pessoas jurídicas, como o Simples, que permite a um sócio ser muito pouco tributado na empresa e receber dezenas de milhares de reais em dividendos isentos de imposto. Em 2013, segundo dados da FGV, 95,3% das empresas brasileiras eram optantes do Simples.
Há ainda o regime beneficiado de pagamento do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) com base no lucro presumido e, mesmo no caso de empresas no lucro real, há a possibilidade de elas pagarem menos IRPJ e CSLL (o imposto sobre o lucro líquido) por conta de prejuízos e incentivos fiscais.
Os defensores da tributação dos dividendos também não lembram que a pessoa física deveria estar sujeita a alíquotas muito mais altas, como acontece nos países desenvolvidos, o que enfraqueceria ainda mais o argumento da bitributação. O Brasil é um dos únicos países do mundo no qual a alíquota máxima do IRPF é menor do que a alíquota do IRPJ (34%, quando somado à CSLL).
Muitos dizem que tributar pouco a pessoa física é uma particularidade que se justifica no Brasil. Os argumentos são os mais falaciosos, como exemplificar alguma dedução que pode ser feita do IRPF no exterior, mas não no Brasil. A ideia é que aqui se tributa menos, porém se deduz menos.
Eles esquecem de mencionar, no entanto, que não há no Brasil limite para a dedução de despesas médicas do contribuinte e dos seus dependentes, o que não acontece nos países desenvolvidos. Os ricos terminam deduzindo milhares de reais por mês a título de despesas médicas, reduzindo consideravelmente a base de cálculo do IRPF, já diminuída, logo de início, pela isenção dos dividendos.
Como diz Jessé de Souza no seu livro “A tolice da inteligência brasileira”, a elite intelectual brasileira, no afã de defender os seus próprios interesses ou os interesses da “elite do dinheiro”, cria curiosas narrativas para iludir os demais. A ideia de que a isenção dos dividendos é uma sacada brasileira não percebida pelos países desenvolvidos é mais uma narrativa de mau gosto dessa elite intelectual.
* Marcos de Aguiar Villas-Bôas, doutor pela PUC-SP, mestre pela UFBA, é conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda e pesquisador independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology.
Ao tributar determinados investimentos de forma beneficiada, o Estado intervém na economia por meio da tributação, exatamente aquilo que os defensores da isenção dos dividendos tanto demonizam.
Com a isenção do Imposto de Renda (IR) sobre alguns investimentos, as alocações de recursos no mercado passam a ser feitas de forma diferente das que se veria em caso de tratamento tributário igual. Assim, em vez de aumentar investimentos, o que acontece é um deslocamento do interesse sobre aqueles mais tributados para os menos tributados.
Uma medida de política tributária muito mais eficiente e equânime seria conceder uma isenção aplicável a todos os retornos sobre os investimentos, evitando, assim, a tributação dos valores correspondentes à inflação.
Poderia se conceder, por exemplo, um percentual de isenção igual ao da inflação do período ou, para um incentivo maior, um percentual de isenção igual ao da Taxa Selic. Os mais avançados trabalhos de política tributária, como a Mirrlees Review e a Henry Review, trazem propostas semelhantes.
Outro incentivo aos investimentos que pode ser eficiente é aproximar o nosso IR de umexpenditure tax (impostos sobre os gastos, em tradução livre), prevendo a possibilidade de dedução de um percentual dos investimentos como despesa. A ideia do imposto sobre os gastos é tributar apenas a parte consumida da renda, não tributando a parte poupada ou investida até que ela venha a ser gasta.
Os riscos do expenditure tax normalmente são atribuídos à proposta drástica de permitir uma dedução de todos os valores poupados ou investidos, porém não se fala na previsão legal de dedução, por exemplo, de 10% dos valores investidos, sem incluir os meramente poupados. Dando certo essa experimentação, seria possível aumentar para 20% e, assim, sucessivamente.
A vantagem da dedução em relação à isenção do retorno é que não gera perda direta, mas diferimento da arrecadação. Apesar de serem medidas contra a progressividade, pois quem investe mais é o mais rico, essas são formas muito mais eficientes de incentivar os investimentos por meio do sistema tributário. A isenção dos dividendos reduz muito a arrecadação e a progressividade, como também causa enorme ineficiência econômica.
A isenção dos retornos no percentual da inflação e a dedução de 10% da poupança e dos investimentos como despesa, associadas ao fim da isenção dos dividendos e dos retornos sobre a LCA e a LCI, e à criação de novas alíquotas mais altas do IRPF, seria um ótimo pacote de reformas desse imposto.
É preciso avaliar, entretanto, se essas medidas para fomento do investimento, que afetam a arrecadação, são mais importantes do que uma drástica redução e simplificação da tributação do consumo, que elevaria em muito a demanda agregada, gerando consequentemente investimentos. Entendo que não. A prioridade deve ser aumentar a progressividade do IRPF em troca da redução do peso da tributação sobre o consumo.
No tocante ao IRPF, deve-se tributar sócios e trabalhadores da forma mais similar possível. A isenção dos dividendos provoca imenso incentivo à “pejotização” e a todos quererem se tornar sócios. Segundo dados da Receita Federal, por incrível que pareça, há mais declarações de IR de empresários e autônomos do que de trabalhadores do setor privado no Brasil.
Não é de surpreender que há quem defenda ser a isenção dos dividendos boa. Esse mecanismo seria, dizem, uma sacada não percebida pelos países desenvolvidos. Falta explicar essa sacada e lembrar que tais países estão em estágio teórico e prático de política tributária infinitamente superior ao do Brasil.
Há quem defenda que tributar o sócio é bitributar, pois a empresa já é tributada. É preciso considerar, entretanto, os diferentes regimes de tributação das pessoas jurídicas, como o Simples, que permite a um sócio ser muito pouco tributado na empresa e receber dezenas de milhares de reais em dividendos isentos de imposto. Em 2013, segundo dados da FGV, 95,3% das empresas brasileiras eram optantes do Simples.
Há ainda o regime beneficiado de pagamento do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) com base no lucro presumido e, mesmo no caso de empresas no lucro real, há a possibilidade de elas pagarem menos IRPJ e CSLL (o imposto sobre o lucro líquido) por conta de prejuízos e incentivos fiscais.
Os defensores da tributação dos dividendos também não lembram que a pessoa física deveria estar sujeita a alíquotas muito mais altas, como acontece nos países desenvolvidos, o que enfraqueceria ainda mais o argumento da bitributação. O Brasil é um dos únicos países do mundo no qual a alíquota máxima do IRPF é menor do que a alíquota do IRPJ (34%, quando somado à CSLL).
Muitos dizem que tributar pouco a pessoa física é uma particularidade que se justifica no Brasil. Os argumentos são os mais falaciosos, como exemplificar alguma dedução que pode ser feita do IRPF no exterior, mas não no Brasil. A ideia é que aqui se tributa menos, porém se deduz menos.
Eles esquecem de mencionar, no entanto, que não há no Brasil limite para a dedução de despesas médicas do contribuinte e dos seus dependentes, o que não acontece nos países desenvolvidos. Os ricos terminam deduzindo milhares de reais por mês a título de despesas médicas, reduzindo consideravelmente a base de cálculo do IRPF, já diminuída, logo de início, pela isenção dos dividendos.
Como diz Jessé de Souza no seu livro “A tolice da inteligência brasileira”, a elite intelectual brasileira, no afã de defender os seus próprios interesses ou os interesses da “elite do dinheiro”, cria curiosas narrativas para iludir os demais. A ideia de que a isenção dos dividendos é uma sacada brasileira não percebida pelos países desenvolvidos é mais uma narrativa de mau gosto dessa elite intelectual.
* Marcos de Aguiar Villas-Bôas, doutor pela PUC-SP, mestre pela UFBA, é conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda e pesquisador independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology.
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