Vivemos tempos de intolerância em alta, egos em estado de exaltação e simultânea exaustão, consumismo desenfreado de auto-imagens nas redes virtuais, que muitas vezes nada têm de sociais. Antigamente havia a máxima “diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és”. Hoje, a equação mudou de rumo: vale o “digo-te o que consumo e vais saber quem eu sou”. E na sociedade brasileira isso se multiplicou nos espaços de uma classe burguesa em que muitos gostam de se pensar como vivendo dentro de um supermercado de luxo na Europa ou em Miami, Nova Iork, tanto faz. Também se multiplicou nos espaços de uma classe média onde muitos gostam de se ver como desfrutando de privilégios semelhantes aos dos mais ricos.
Esta é uma das razões da crise social que está na base, no bastidor, no porão e no sótão das atuais histerias políticas e econômicas que a velha mídia gosta de alimentar falando da “crise”. Com os aumentos do salário mínimo, a elevação do padrão de vida daqueles a quem o saudoso Florestan Fernandes chamava “os de baixo”, muita gente do andar de cima e do andar intermédio sentiu, além de ter perdido parte do seus poder aquisitivo do trabalho alheio, a perda de status social. Estes não suportam ter agora de disputar espaço no shopping center, no aeroporto, na rua, na universidade, no elevador social e na escada rolante com aqueles que antes olhavam de cima.
Os governos do PT podem ter cometido outros erros, mas cometeram este, de base, que pode ser fatal: achar que o processo de mudança da paisagem social que promoveram poderia passar batido, sem conflitos, sem ódios desatados, sem ressentimentos.
Na América Latina, e o Brasil não é exceção, sempre que uma crise social se apresenta, há a tendência de resolvê-la com recursos ao autoritarismo seletivo, seja por onde for. Foi assim em 45, quando Getulio foi derrubado não por seu autoritarismo, mas por seu “populismo”, foi derrubado pela direita e não pela esquerda. Foi suicidado em 54 pelo mesmo motivo, com o famoso manifesto dos coronéis reclamando de quando os operários estavam ganhando. Foi assim em 64 também, com a ameaça das reformas de base.
Por que seria diferente agora? A diferença é que, como os militares não estão mais disponíveis para golpes, tenta-se o golpe por outros meios, além da mídia golpista: o Judiciário e o aparelho policial.
Este aparato golpista faz de tudo para inverter o que se poderia chamar de “a narrativa Brasil”, a narrativa de um país que hoje serve de exemplo ao mundo inteiro em termos de políticas sociais de combate à miséria, à pobreza e à exclusão.
Como vivemos em tempos de individualismo feroz, os protagonistas deste golpe capitalizam o narcisismo como arma, dispondo-se a produzir as manchetes mais espetaculares a cada dia e assim tornarem-se os “heróis” desse ressentimento dos que não aguentam que pobres ou ex-pobres não tenham mais de mendigar salários em vez de exercer direitos, não aguentam a ideia de que pobres e ex-pobres tenham descoberto que têm direito a ter direitos, que é o direito-base de todos os outros.
Tais personagens – juízes, procuradores, um ou outro policial – protagonizam um narcisismo grotesco, preferindo o vigor das manchetes ao rigor da profissão que deveriam abraçar. São movidos por uma paródia grosseira da frase da rainha de Branca de Neve: “Diga-me, jornal meu, haverá alguém hoje mais famoso do que eu?” E assim se transformam nas bruxas caçadoras de inocentes e culpados indiscriminadamente, fabricando seus culpados antes mesmo que esses tenham a chance de se defender.
Mas a desconstrução da narrativa Brasil atinge muito mais gente. Por exemplo, intelectuais, escritores, artistas que se movem pelo mesmo gesto de pequenos narcisos. Tornaram-se frequentes agora as “metáforas do exagero” para descrever o Brasil. Recentemente fomos brindados aqui na Alemanha por um escritor em ascensão no mercado brasileiro, com frases bombásticas e vazias do tipo “O Brasil é um país xenófobo, homofóbico, racista, corrupto etc., numa retórica que nada diz porque dilui as acusações em generalidades sem rumo. Chegou a afirmar que os escritores brasileiros não se interessam por política, só escrevem para uma elite (os saraus da periferia de São Paulo e de outras cidades não existem…) e que ele, o escritor em questão, consegue ser ouvido só porque foi convidado para falar na Alemanha. É um modo solerte, mas desconchavado, de auto-promoção: venho de um país de borra (para não dizer coisa pior), mas vejam como eu sou bacana…
Li entrevista de outro escritor na mesma situação de estar ascendendo no mercado, no mesmo diapasão, esta dada aí mesmo no Brasil. Li igualmente entrevista de renomado cientista que trabalha no Brasil com pérolas do tipo “o brasileiro é muito ignorante”… “fazer pesquisa de ponta aqui é pior é mais difícil do que no resto do mundo”… Gostaria de saber que “mundo” é este a que o cientista se referia: provavelmente inclui apenas chamado “circuito Elizabeth Arden” da diplomacia brasileira, Nova York, Londres, Paris… O resto não existe.
Não sei onde dará esta crise. Mas sei para onde vai este narcisismo desenfreado. Vai acabar numa tremenda duma ressaca, que não haverá Engov que cure.
Esta é uma das razões da crise social que está na base, no bastidor, no porão e no sótão das atuais histerias políticas e econômicas que a velha mídia gosta de alimentar falando da “crise”. Com os aumentos do salário mínimo, a elevação do padrão de vida daqueles a quem o saudoso Florestan Fernandes chamava “os de baixo”, muita gente do andar de cima e do andar intermédio sentiu, além de ter perdido parte do seus poder aquisitivo do trabalho alheio, a perda de status social. Estes não suportam ter agora de disputar espaço no shopping center, no aeroporto, na rua, na universidade, no elevador social e na escada rolante com aqueles que antes olhavam de cima.
Os governos do PT podem ter cometido outros erros, mas cometeram este, de base, que pode ser fatal: achar que o processo de mudança da paisagem social que promoveram poderia passar batido, sem conflitos, sem ódios desatados, sem ressentimentos.
Na América Latina, e o Brasil não é exceção, sempre que uma crise social se apresenta, há a tendência de resolvê-la com recursos ao autoritarismo seletivo, seja por onde for. Foi assim em 45, quando Getulio foi derrubado não por seu autoritarismo, mas por seu “populismo”, foi derrubado pela direita e não pela esquerda. Foi suicidado em 54 pelo mesmo motivo, com o famoso manifesto dos coronéis reclamando de quando os operários estavam ganhando. Foi assim em 64 também, com a ameaça das reformas de base.
Por que seria diferente agora? A diferença é que, como os militares não estão mais disponíveis para golpes, tenta-se o golpe por outros meios, além da mídia golpista: o Judiciário e o aparelho policial.
Este aparato golpista faz de tudo para inverter o que se poderia chamar de “a narrativa Brasil”, a narrativa de um país que hoje serve de exemplo ao mundo inteiro em termos de políticas sociais de combate à miséria, à pobreza e à exclusão.
Como vivemos em tempos de individualismo feroz, os protagonistas deste golpe capitalizam o narcisismo como arma, dispondo-se a produzir as manchetes mais espetaculares a cada dia e assim tornarem-se os “heróis” desse ressentimento dos que não aguentam que pobres ou ex-pobres não tenham mais de mendigar salários em vez de exercer direitos, não aguentam a ideia de que pobres e ex-pobres tenham descoberto que têm direito a ter direitos, que é o direito-base de todos os outros.
Tais personagens – juízes, procuradores, um ou outro policial – protagonizam um narcisismo grotesco, preferindo o vigor das manchetes ao rigor da profissão que deveriam abraçar. São movidos por uma paródia grosseira da frase da rainha de Branca de Neve: “Diga-me, jornal meu, haverá alguém hoje mais famoso do que eu?” E assim se transformam nas bruxas caçadoras de inocentes e culpados indiscriminadamente, fabricando seus culpados antes mesmo que esses tenham a chance de se defender.
Mas a desconstrução da narrativa Brasil atinge muito mais gente. Por exemplo, intelectuais, escritores, artistas que se movem pelo mesmo gesto de pequenos narcisos. Tornaram-se frequentes agora as “metáforas do exagero” para descrever o Brasil. Recentemente fomos brindados aqui na Alemanha por um escritor em ascensão no mercado brasileiro, com frases bombásticas e vazias do tipo “O Brasil é um país xenófobo, homofóbico, racista, corrupto etc., numa retórica que nada diz porque dilui as acusações em generalidades sem rumo. Chegou a afirmar que os escritores brasileiros não se interessam por política, só escrevem para uma elite (os saraus da periferia de São Paulo e de outras cidades não existem…) e que ele, o escritor em questão, consegue ser ouvido só porque foi convidado para falar na Alemanha. É um modo solerte, mas desconchavado, de auto-promoção: venho de um país de borra (para não dizer coisa pior), mas vejam como eu sou bacana…
Li entrevista de outro escritor na mesma situação de estar ascendendo no mercado, no mesmo diapasão, esta dada aí mesmo no Brasil. Li igualmente entrevista de renomado cientista que trabalha no Brasil com pérolas do tipo “o brasileiro é muito ignorante”… “fazer pesquisa de ponta aqui é pior é mais difícil do que no resto do mundo”… Gostaria de saber que “mundo” é este a que o cientista se referia: provavelmente inclui apenas chamado “circuito Elizabeth Arden” da diplomacia brasileira, Nova York, Londres, Paris… O resto não existe.
Não sei onde dará esta crise. Mas sei para onde vai este narcisismo desenfreado. Vai acabar numa tremenda duma ressaca, que não haverá Engov que cure.
QUEIRA OU NÃO QUEIRA , O BRASIL ESTÁ CAMINHANDO PARA UMA GUERRA CIVIL , A ELITE NÃO SE CONFORMA DE PERDER PRIVILÉGIO , E OS DE BAIXO QUE ACENDERAM DA POBREZA NÃO VÃO MAIS ACEITAR VOLTAR , AI VAI SER RESOLVIDO NA BRIGA , E QUE O DIABO ACABE COM OS QUE BRIGAREM , E LEVE PARA OS QUINTO DOS INFERNO.
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