domingo, 7 de fevereiro de 2016

O jornalismo não merecia isso

Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:

Quando o jornalismo não retrata a realidade, há algo de errado no jornalismo ou na realidade. Até alguns anos atrás, as pessoas, em sua maioria, cravariam na primeira opção. Hoje, no entanto, os fatos parecem estar perdendo a luta contra a representação. A mudança pode ser entendida pelo deslocamento da opinião pública para a era do publicismo. Pode parecer apenas um jogo de palavras, mas por trás dessas duas expressões estão formas diversas de entender a vida social.

A opinião pública é construída no jogo variado de vozes sociais, que se entrechocam no dia a dia da sociedade. Com o tempo e a força dos argumentos, passa a sobressair uma visão de mundo que dialoga de forma legítima com todos, ainda que permaneçam a divisão, o conflito e a disputa de ideias. A opinião pública é uma espécie de síntese que traz em seu corpo todos os estágios de sua construção. Além disso, trata-se de algo dinâmico, que não sossega em sua luta sem fim pela conquista de certa estabilidade impossível.

O publicismo é de outra natureza. Ele não honra as dissensões, na verdade passa por cima delas para criar uma falsa sensação de unidade em torno de valores pretensamente universais. Ancorado nos meios de comunicação, ele inverte a lógica da construção pelo melhor argumento e foge do diálogo para entronizar o pensamento único. A única garantia dada pelo publicismo é sua conquista de poder junto aos meios de comunicação.

A sutileza desse novo processo de fabricação do consenso está dada pela cortina que lança sobre as origens da ideologia que defende. Subvertendo a assertiva marxista que afirma que as ideias dominantes são as ideias da classe dominante, a nova lógica elide as classes para se firmar como um sentimento vicário de comunidade. O “nós” passa a responder pelo “todo mundo”. Os fatos são soterrados pela generalização. A desconfiança se torna certeza para evitar a dura liturgia da realidade. De opinião pública passa-se à opinião publicada.

Essa situação atingiu em cheio o jornalismo brasileiro recente. O que temos hoje não são apurações a partir de fatos, mas exercício histérico sobre vazamentos. Há muito a opinião deixou de ser um atributo adicional fundado em análises profundas e informadas para se deslocar para o primeiro estágio da cadeia da notícia. A capacidade de construir um conhecimento a partir do singular – o que distingue o jornalismo das ciências sociais e da política – se tornou um devaneio a partir do particular.

Em outras palavras, o jornalismo perdeu em independência e legitimidade; em capacidade de leitura do mundo; e em força epistemológica. Somando-se a isso a regressão na linguagem e na elegância, tem-se um produto compósito de má fé, miopia analítica, fraqueza conceitual e planura estética. Não é um bom destino para um ofício que se firmou como esteio da democracia e foi comparado por Hegel à oração matutina do homem racional.

O que pode parecer um diagnóstico sombrio, na verdade é um alerta posto ao nosso tempo. O que vem se estabelecendo no campo da informação não é apenas uma perda de consistência ética e estética, é a construção de um novo modelo de informação autoritário, avesso ao jornalismo casado com o padrão exigente de uma democracia moderna. Esse paradigma hoje dominante pode ser observado num contínuo que começa na revista Veja para chegar a jornais como Folha de S. Paulo, passando no meio do caminho pelo jornalismo televisivo e digital. Há um processo perigoso de ‘vejificação’. Não se trata de um descaminho, mas talvez de um propósito, ainda que nem sempre consciente, alimentado pelo equívoco das análises de pesquisas de mercado, de hábitos de recepção num contexto de alienação intelectual e pela confusão entre segmentação e divisão social.

É só acompanhar o noticiário político da chamada grande imprensa para se deparar com um método que inverte a temporalidade do jornalismo. O que vale é a pauta, na verdade uma tese marcadamente ideológica (no sentido de falsa consciência), virgem de realidade. Vai-se aos fatos apenas para comprovar prejulgamentos e dar sustentação a interesses. O exemplo recente da tentativa de sair do círculo garantido dos vazamentos e buscar a realidade como campo de trabalho só encontrou um bote de lata. Mas viu na embarcação um iate.

O que pode estar sendo perdido é muito grave. Não é apenas a guerrilha da informação ou a disputa de ideologias em confronto, mas uma conquista de civilização. A notícia, como a história, não tem fim. Pelo visto, não se pode dizer o mesmo do jornalismo. Ele caminha – a permanecer como está hoje, na contramão dos fatos e da inteligência –, para se tornar um instrumento publicista de interesses. A pior notícia que nos aguarda nesse cenário não será dada pelos jornais: eles deixarão de existir como o concebemos historicamente. E o mais grave, sequer saberão disso.

* João Paulo Cunha é jornalista e colunista do Brasil de Fato MG.

Um comentário:


  1. … Se o ‘miniSTRO’ da “Justiça” não fosse o ‘Zé Tucano’, observadores internacionais já estariam embarcando para o Brasil objetivando acompanhar ‘a bandalheira nazifasciterrorista de natureza jurídico-midiática anunciada’…
    E cadê a ABIN?
    Não diga que o ‘miniSTRO’ ‘Zé Tucano’ extinguiu o órgão de segurança durante a era do ‘[tíbio] PT da Governança’?
    Isso é que é republicanismo (sic)

    RESCALDO:
    se não recorrermos aos organismos internacionais e aos chefes de Estado do mundo,
    o golpe estará, enfim, plenamente materializado!
    No contexto intra-muros, pouco há mais o que fazer!
    Tirante a guerra civil!
    Lamento!…

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