Por Emiliano José, na revista Caros Amigos:
A memória vai buscar no fundo do baú o discurso de Tancredo Neves, de outubro de 1954, logo após o suicídio de Getúlio. Deputado federal, perguntava se o impressionante ódio contra o ex-presidente tinha alguma questão pessoal. Respondia negativamente. A questão era política. A mídia hegemônica de então, os udenistas, e parcela das camadas médias e as classes dominantes combateram Getúlio quando vivo e atacavam o seu legado pelas transformações ocorridas na vida do povo brasileiro e pelo caminho escolhido de soberania nacional, particularmente pela constituição e defesa da Petrobras, destacada de modo especial na fala dele.
Outra lembrança, esta de um livro de Flávio Tavares, O Dia em que Getúlio matou Allende. República do Galeão, centro nervoso militar do golpe em andamento, Rio de Janeiro, jornalista Pompeo de Souza à frente das articulações midiáticas. Oficiais da Aeronáutica manifestam o desejo de convocar o presidente para depor. Pompeo se insurge: “É ilegal”. Mas, imediatamente acrescenta: “Vamos, no entanto, continuar dizendo que ele será convocado”. O golpismo midiático vem de longe. Como se sabe, Getúlio foi levado ao suicídio para adiar o golpe, consumado dez anos depois, com a ditadura de 21 anos. Uma e outra recordação tem parentesco com os nervosos dias atuais. Parcelas das classes dominantes e seus representantes não parecem se conformar aos mecanismos institucionais, e querem mudar as regras do jogo com o jogo em andamento.
Vitória as urnas
Dilma ganhou a eleição. A oposição faz questão de desconhecer o fato e não lhe importa se a ideia do impeachment seja absolutamente descabida – continua a disseminá-la, tal e qual o faziam os integrantes da República do Galeão ao anunciar a impossível convocação de Vargas para depor. Também não lhe interessa se esse clima permanente de tensão política só agrave a crise econômica por que passa o País, crise que, para além dos problemas internos, está indissoluvelmente ligada à situação mundial, abalada pelos descaminhos do capitalismo financeiro. Os derrotados de 2014 – é, foram derrotados – são partidários do quanto pior, melhor. Não conseguem esconder isso.
Mais forte que tudo isso, o que mais salta à vista nesse conjuntura, nesse neoudenismo de quinta desenvolvido pela mídia hegemônica, é a perseguição odiosa, pequena, rasteira, infundada, desonesta que se move ao ex-presidente Lula e sua família. Dia após dia, um noticiário absurdo: churrasco naquele sítio, visita de dona Marisa a um apartamento, um amigo de um amigo de Lula teria construído um jardim num sítio, apartamento tríplex, barco de R$ 4 mil de presente, barbaridades sem consistência, sem qualquer amparo em fatos, que em qualquer lugar do mundo desmoralizaria os meios de comunicação que adotassem tais práticas.
A pergunta de Tancredo se impõe: é alguma coisa pessoal? Não. Lula significou um ponto fora da curva e a nossa mídia hegemônica, mui digna representante da Casa Grande, dos privilégios de nossas classes dominantes, estimuladora dos preconceitos de parcelas de nossas camadas médias, manda às favas quaisquer escrúpulos de consciência, a la Jarbas Passarinho quando da edição do AI-5 em 13 de dezembro de 1968, e se põe a combater Lula com uma ferocidade jamais vista, difamando e caluniando sem qualquer constrangimento. Tenho a convicção de que o jornalismo hegemônico está chegando ao fundo do poço, para além de sua grave situação econômica, expressa em centenas de demissões. Sua crise ético-moral é que superou qualquer avaliação mais pessimista. Esta, no entanto, é discussão para outro momento.
Não é só a mídia, obviamente. A perseguição a Lula provém de aparelhos do Estado, de setores deles, afinados com o pensamento conservador, neoudenista. Estes fornecem alimento à mídia hegemônica, vazam notícias, não importando sejam apenas ilações, apenas produto da fala de delatores. É alguma coisa pessoal? Não. Tudo é política. Aquele ponto fora da curva não pode se repetir. As elites brancas não admitem o nordestino-pobre-semianalfabeto-sem diploma de doutor-operário ter um dia chegado ao poder, e muito menos admitem, de modo algum, o seu retorno.
Não importa o resultado concreto que se obtenha contra ele, sua mulher, seus filhos. Joga-se o barro na parece para ver no que dá. Importa que se produzam ranhuras profundas na imagem do ex-presidente, construída a partir de sua extraordinária trajetória de vida e das políticas públicas que mudaram as condições de vida do povo brasileiro. Importa é abalar o capital simbólico dele. Este, o raciocínio articulado da ofensiva em andamento contra Lula. Importa é desgastá-lo a ponto de evitar sua volta em 2018 – esta a questão básica da ofensiva. Nunca um ex-presidente foi caçado dessa maneira. Caçado para ser cassado da possibilidade de novamente ser candidato a presidente da República. E não interessa à mídia hegemônica se ele é ou não candidato. Lula nem anunciou ainda se o será. Basta apenas que ele admita a possibilidade. O medo se agiganta, o ataque recrudesce.
Com a ofensiva, passo a passo, diariamente, de modo concertado, manchetes iguais, no conteúdo e na forma, vai se tentando, e conseguindo de alguma forma, naturalizar as agressões, malgrado infundadas, criando a imagem de um político como qualquer outro, aventando semelhanças com Collor, imaginem, tentando minimizar o escândalo que seria a prisão dele ou de alguém de sua família, até quando negam a notícia espalhada sabe-se lá por quem, reforçada sempre pela mídia.
Se tudo isso der em nada, se Lula, pela enésima vez, demonstrar que continua a morar em modesto apartamento – e não haveria nada demais se comprasse um –, se provar, mais do que já o fez, nunca ter desviado um tostão de dinheiro público, a direita brasileira, pelos seus aparelhos midiáticos, pelos seus poderosos aliados no Judiciário, terá causado prejuízos à maior liderança popular construída pelo povo brasileiro, ao lado de Getúlio.
Alguém pergunta sobre apartamentos de outros dignos políticos, inclusive de ex-presidente? Pergunta, investiga sobre como este ou aquele político adquiriu apartamento no Rio de Janeiro? Ou em Minas Gerais? Em outros estados? Tudo muito, muito acima dos valores da cota de apartamento que se atribui a Lula, já devolvida, segundo o ex-presidente. Nem digo se deve ou não perguntar sobre os demais políticos. Registro apenas. O que impressiona é essa obsessão, de natureza política, eivada dos preconceitos da Casa Grande, pelo ex-presidente. E nesse texto não dá nem para perguntar qual a razão do quase silêncio da mídia sobre Eduardo Cunha, cujas estripulias estão mais que provadas.
O que está em causa é a democracia. Ninguém tem o direito de assacar contra a honra das pessoas impunemente, como se tem feito contra o ex-presidente. A seletividade do Judiciário e da mídia é evidente. Visa o PT, o projeto político em andamento desde 2003, e de modo especial o ex-presidente Lula. Os amantes da democracia, avessos a esse odioso neoudenismo, não podem cruzar os braços. Trata-se de lutar na defesa de Dilma, contra o impeachment, na defesa da história e da honra do ex-presidente Lula – na defesa da democracia. E aos jornalistas cujo compromisso ético não se perdeu, cuja combatividade a favor da verdade permanece firme, cabe também entrar nessa batalha. Muitos deles, nos sites e blogs progressistas, já estão nessa trincheira, corajosamente. Esperemos que o número cresça.
A memória vai buscar no fundo do baú o discurso de Tancredo Neves, de outubro de 1954, logo após o suicídio de Getúlio. Deputado federal, perguntava se o impressionante ódio contra o ex-presidente tinha alguma questão pessoal. Respondia negativamente. A questão era política. A mídia hegemônica de então, os udenistas, e parcela das camadas médias e as classes dominantes combateram Getúlio quando vivo e atacavam o seu legado pelas transformações ocorridas na vida do povo brasileiro e pelo caminho escolhido de soberania nacional, particularmente pela constituição e defesa da Petrobras, destacada de modo especial na fala dele.
Outra lembrança, esta de um livro de Flávio Tavares, O Dia em que Getúlio matou Allende. República do Galeão, centro nervoso militar do golpe em andamento, Rio de Janeiro, jornalista Pompeo de Souza à frente das articulações midiáticas. Oficiais da Aeronáutica manifestam o desejo de convocar o presidente para depor. Pompeo se insurge: “É ilegal”. Mas, imediatamente acrescenta: “Vamos, no entanto, continuar dizendo que ele será convocado”. O golpismo midiático vem de longe. Como se sabe, Getúlio foi levado ao suicídio para adiar o golpe, consumado dez anos depois, com a ditadura de 21 anos. Uma e outra recordação tem parentesco com os nervosos dias atuais. Parcelas das classes dominantes e seus representantes não parecem se conformar aos mecanismos institucionais, e querem mudar as regras do jogo com o jogo em andamento.
Vitória as urnas
Dilma ganhou a eleição. A oposição faz questão de desconhecer o fato e não lhe importa se a ideia do impeachment seja absolutamente descabida – continua a disseminá-la, tal e qual o faziam os integrantes da República do Galeão ao anunciar a impossível convocação de Vargas para depor. Também não lhe interessa se esse clima permanente de tensão política só agrave a crise econômica por que passa o País, crise que, para além dos problemas internos, está indissoluvelmente ligada à situação mundial, abalada pelos descaminhos do capitalismo financeiro. Os derrotados de 2014 – é, foram derrotados – são partidários do quanto pior, melhor. Não conseguem esconder isso.
Mais forte que tudo isso, o que mais salta à vista nesse conjuntura, nesse neoudenismo de quinta desenvolvido pela mídia hegemônica, é a perseguição odiosa, pequena, rasteira, infundada, desonesta que se move ao ex-presidente Lula e sua família. Dia após dia, um noticiário absurdo: churrasco naquele sítio, visita de dona Marisa a um apartamento, um amigo de um amigo de Lula teria construído um jardim num sítio, apartamento tríplex, barco de R$ 4 mil de presente, barbaridades sem consistência, sem qualquer amparo em fatos, que em qualquer lugar do mundo desmoralizaria os meios de comunicação que adotassem tais práticas.
A pergunta de Tancredo se impõe: é alguma coisa pessoal? Não. Lula significou um ponto fora da curva e a nossa mídia hegemônica, mui digna representante da Casa Grande, dos privilégios de nossas classes dominantes, estimuladora dos preconceitos de parcelas de nossas camadas médias, manda às favas quaisquer escrúpulos de consciência, a la Jarbas Passarinho quando da edição do AI-5 em 13 de dezembro de 1968, e se põe a combater Lula com uma ferocidade jamais vista, difamando e caluniando sem qualquer constrangimento. Tenho a convicção de que o jornalismo hegemônico está chegando ao fundo do poço, para além de sua grave situação econômica, expressa em centenas de demissões. Sua crise ético-moral é que superou qualquer avaliação mais pessimista. Esta, no entanto, é discussão para outro momento.
Não é só a mídia, obviamente. A perseguição a Lula provém de aparelhos do Estado, de setores deles, afinados com o pensamento conservador, neoudenista. Estes fornecem alimento à mídia hegemônica, vazam notícias, não importando sejam apenas ilações, apenas produto da fala de delatores. É alguma coisa pessoal? Não. Tudo é política. Aquele ponto fora da curva não pode se repetir. As elites brancas não admitem o nordestino-pobre-semianalfabeto-sem diploma de doutor-operário ter um dia chegado ao poder, e muito menos admitem, de modo algum, o seu retorno.
Não importa o resultado concreto que se obtenha contra ele, sua mulher, seus filhos. Joga-se o barro na parece para ver no que dá. Importa que se produzam ranhuras profundas na imagem do ex-presidente, construída a partir de sua extraordinária trajetória de vida e das políticas públicas que mudaram as condições de vida do povo brasileiro. Importa é abalar o capital simbólico dele. Este, o raciocínio articulado da ofensiva em andamento contra Lula. Importa é desgastá-lo a ponto de evitar sua volta em 2018 – esta a questão básica da ofensiva. Nunca um ex-presidente foi caçado dessa maneira. Caçado para ser cassado da possibilidade de novamente ser candidato a presidente da República. E não interessa à mídia hegemônica se ele é ou não candidato. Lula nem anunciou ainda se o será. Basta apenas que ele admita a possibilidade. O medo se agiganta, o ataque recrudesce.
Com a ofensiva, passo a passo, diariamente, de modo concertado, manchetes iguais, no conteúdo e na forma, vai se tentando, e conseguindo de alguma forma, naturalizar as agressões, malgrado infundadas, criando a imagem de um político como qualquer outro, aventando semelhanças com Collor, imaginem, tentando minimizar o escândalo que seria a prisão dele ou de alguém de sua família, até quando negam a notícia espalhada sabe-se lá por quem, reforçada sempre pela mídia.
Se tudo isso der em nada, se Lula, pela enésima vez, demonstrar que continua a morar em modesto apartamento – e não haveria nada demais se comprasse um –, se provar, mais do que já o fez, nunca ter desviado um tostão de dinheiro público, a direita brasileira, pelos seus aparelhos midiáticos, pelos seus poderosos aliados no Judiciário, terá causado prejuízos à maior liderança popular construída pelo povo brasileiro, ao lado de Getúlio.
Alguém pergunta sobre apartamentos de outros dignos políticos, inclusive de ex-presidente? Pergunta, investiga sobre como este ou aquele político adquiriu apartamento no Rio de Janeiro? Ou em Minas Gerais? Em outros estados? Tudo muito, muito acima dos valores da cota de apartamento que se atribui a Lula, já devolvida, segundo o ex-presidente. Nem digo se deve ou não perguntar sobre os demais políticos. Registro apenas. O que impressiona é essa obsessão, de natureza política, eivada dos preconceitos da Casa Grande, pelo ex-presidente. E nesse texto não dá nem para perguntar qual a razão do quase silêncio da mídia sobre Eduardo Cunha, cujas estripulias estão mais que provadas.
O que está em causa é a democracia. Ninguém tem o direito de assacar contra a honra das pessoas impunemente, como se tem feito contra o ex-presidente. A seletividade do Judiciário e da mídia é evidente. Visa o PT, o projeto político em andamento desde 2003, e de modo especial o ex-presidente Lula. Os amantes da democracia, avessos a esse odioso neoudenismo, não podem cruzar os braços. Trata-se de lutar na defesa de Dilma, contra o impeachment, na defesa da história e da honra do ex-presidente Lula – na defesa da democracia. E aos jornalistas cujo compromisso ético não se perdeu, cuja combatividade a favor da verdade permanece firme, cabe também entrar nessa batalha. Muitos deles, nos sites e blogs progressistas, já estão nessa trincheira, corajosamente. Esperemos que o número cresça.
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