segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Para entender o braço da Fifa no Brasil

Por Luis Nassif, no Jornal GGN:

Nos anos 70 a TV a cabo começou a ganhar força, assim como as transmissões esportivas internacionais. As redes de TVs tornam-se globais. E os eventos esportivos ganharam dimensão internacional. Ao mesmo tempo, a inclusão da África e da Ásia no negócio futebol ampliaram de forma inédita seu alcance.

É nesse novo quadro tecnológico que o futebol se torna um negócio bilionário. Na hora certa, no lugar certo, o cartola brasileiro João Havelange ajudou a dar forma final à Fifa. Desde os anos 20 o esporte já se constituía nos eventos de maior audiência do rádio. Com os avanços tecnológicos, os grandes espetáculos esportivos passaram a dispor de uma audiência global. E, dentre todos os esportes, nenhum chegou perto da popularidade e abrangência do futebol.

Em pouco tempo monta-se a rede global, com os seguintes personagens:

1. A Fifa.

2. As confederações

3. Os clubes

4. Os grupos de mídia hegemônicos em cada país filiado.

A parte econômico-financeira é composta do patrocínio aos torneios globais, torneios regionais e campeonatos nacionais. E os eventos os financeiros ocorrem na compra de direitos de transmissão para cada um dos eventos e nos patrocínios, e no mercado de jogadores.

A partir desses elementos teceram-se as relações de influência que acabaram resultando na organização criminosa desbaratada pelo FBI.

A base do poder na FIFA são as confederações nacionais.

Para garantir a perpetuidade do poder, há uma aliança simbiótica entre os dirigentes da FIFA, os grupos de mídia nacionais e os dirigentes das Confederações.

Em parceria com a FIFA os grupos de mídia conseguiram a exclusividade para os grandes eventos, que garantem os grandes patrocínios. E conseguiram os patrocínios para os eventos regionais e nacionais. O dinheiro captado serviu para irrigar os clubes e garantir a perpetuidade política dos grupos que controlam as confederações.

Por seu lado, a parceria sempre se dá com os grupos de mídia politicamente mais influentes. E garante a blindagem dos dirigentes das confederações – não apenas perante os governos nacionais como perante os sistemas de investigação locais.

Esse modelo criou tal blindagem político-policial que acabou transbordando para outras formas de ação de crime organizado, como a lavagem de dinheiro através do superfaturamento dos contratos e do comércio de jogadores.

Segundo dados da OCDE, o mercado de jogadores movimenta US$ 4 bilhões/ano, dos quais US$ 1 bilhão proveniente de lavagem de dinheiro. Parte relevante do dinheiro lavado vem dos subornos pagos por emissoras de televisão e patrocinadores aos dirigentes esportivos.

A internacionalização do futebol

A ampliação da globalização acabou introduzindo novos elementos nessa equação.

O primeiro, o da criação da cooperação internacional para o combate ao crime organizado, que ganhou ênfase após os atentados das torres gêmeas.

Como as organizações criminosas atuavam em nível global, havia a necessidade de uma cooperação em nível internacional. E aí sobressaiu a maior competência dos órgãos de investigação norte-americanos, especialmente devido à integração entre o FBI e as forças de segurança, conforme anotou Jamil Chade, correspondente do Estadão em Genebra, em entrevista ao GGN, sobre o seu livro “Política, propina e futebol: Como o PADRÃO FIFA ameaça o esporte mais popular do planeta”.

E aí entraram em cena os interesses geopolíticos norte-americanos, a noção histórica de interesse nacional amarrado aos interesses dos grandes grupos que se internacionalizam.

Um dos últimos mercados nacionais protegidos era o das comunicações. E, nesse mercado fechado, as transmissões de partidas de futebol sempre foram um fator crítico para a hegemonia das emissoras. Basta conferir a imensa luta da Record para tentar romper com o monopólio das transmissões da Globo.

A entrada do FBI nas investigações coincide com a ofensiva internacionalizante dos grandes grupos de mídia norte-americanos e, também – segundo Chade – com as manifestações de junho de 2013 no Brasil, que passaram a percepção de que a opinião pública nacional não mais aceitaria passivamente a corrupção dos dirigentes esportivos.

Quando o FBI entrou na parada, o jogo passou a virar. A imensa organização criminosa começou a ruir. E, no rastro desse desmonte, teve início a invasão final dos grupos de mídia norte-americanos sobre os superprotegidos mercados nacionais de mídia.

Segundo Chade, empresas como a Time Warner, Disney, ESPN montaram estratégias inicialmente fechando contratos com países e clubes menores, de maneira a cercar os esquemas dos clubes maiores, que dominavam as confederações.

Para se ter uma ideia do impacto do fim do monopólio das transmissões esportivas, analise-se o mercado britânico. Com a pulverização dos canais pagos, o único evento que consegue chegar em 15 pontos de audiência são as transmissões de partidas de futebol. O restante não passa de 5 pontos.
O papel da Globo na corrupção da Fifa

O imenso poder político desses grupos garantirá algum tempo a mais de blindagem, antes que a longa mão do FBI chegue até aqui. Em alguns casos, o que garante é a aliança com os governos nacionais.

Segundo Chade, a primeira reação dos dirigentes teria sido lamentar que as prisões tivessem ocorrido na Suíça. “Se isso acontecesse na América Latina, já tínhamos resolvido tudo e estaríamos em casa”, comentou um argentino, membro da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol). “Mas eles não estavam no Brasil nem em outra república latino-americana. As prisões ocorreram justamente na Suíça, país que passou a colaborar de forma estreita com os EUA”, continua Chade.

No caso brasileiro, a Globo estreitou relações com o MPF, tornando-se a principal âncora da Lava Jato. No seu horizonte estratégico, certamente estavam os problemas que vinham pela frente.

As principais operações identificadas foram compra de votos para a Copa de 1998, para a Copa de 2010 e a compra de apoio para a eleição de Blatter em 2011. E, importante, “a realização de acordos para a Taça Libertadores, a Copa América, a Copa do Brasil e as suspeitas sobre os Mundiais de 2018 e 2022”.

Continua o livro:

“De uma maneira constante, segundo a Justiça, a propina teria sido paga a Teixeira e Havelange para que influenciassem a Fifa na decisão de quem ficaria com os direitos de transmissão das Copas de 2002 e 2006, incluindo o mercado brasileiro”.

Continua o livro:

“Uma rede de televisão no Brasil é citada como uma das envolvidas no suborno, ainda que seu nome tenha sido mantido em sigilo no documento público, uma vez que o processo não era contra ela. Naqueles Mundiais, os direitos de transmissão eram da Rede Globo. Para os suíços, o serviço dos dois cartolas teria sido comprado por essa e outras empresas que queriam manter contratos e relações com a Fifa. O documento revela uma movimentação milionária nas contas de Teixeira e Havelange. Ambos receberam subornos no valor total de pelo menos 21 milhões de francos suíços, depositados em contas abertas em paraísos fiscais. Os pagamentos ocorreram entre 1992 e 2004, e o tribunal decidiu processar os brasileiros por “atos criminosos em detrimento da Fifa”.

Prossegue a denúncia que “subornos compravam influência na Fifa e garantia de contratos no Brasil”.

Esse esquema começou a operar em 1970, segundo o procurador Thomas Hildbrand, quando Havelange assumiu o poder. Testemunhas ouvidas por ele sustentaram que “o dinheiro vinha, em grande parte, de empresas que pagaram pela transmissão das imagens das Copas de 2002 e 2006. No caso do Brasil, o valor do contrato era de US$220 milhões. Outros contratos chegavam a US$750 milhões”.

Segundo eles, Teixeira e Havelange agiram com tal impunidade porque, por conta da “cultura” brasileira, as propinas equivaliam a suplementação de verbas

“Seria essa a suposta “cultura” dos brasileiros”, constata Chade. “Mais do que um absurdo e uma ofensa a milhões de pessoas, a estratégia da defesa revela, no fundo, a imagem que a entidade tem do país e de seus representantes. Essa imagem, de tão enraizada, foi usada até mesmo diante da Justiça”.

O melhor exemplo da forma como a FIFA agia foi na imposição do estádio de Brasília.

“Poucos dias após a final da Copa do Mundo, o estádio mais caro do Brasil e o terceiro mais caro do mundo recebeu outro momento de decisão: cem casais realizaram suas festas de bodas no palco que havia servido ao Mundial. O evento chegou a ser transmitido pela TV Globo, que pagou parte dos direitos da Copa e apagou qualquer tipo de crítica ao evento. Na reportagem, a emissora insistia que o casamento coletivo tinha sido uma “grande emoção” e que o estádio havia criado novas oportunidades. Com apenas dois times e ambos na quarta divisão do futebol brasileiro Brasiliense e Luziânia , o Distrito Federal passou a ser a imagem do escândalo da Copa do Mundo e de seu legado inexistente. Meses depois do final do Mundial, a falta de jogos no estádio Mané Garrincha levou o governo do DF a transferir parte de sua burocracia para o local e ocupou as salas com suas diferentes secretarias. Do lado de fora, o estacionamento feito para as torcidas se transformou em garagem para os ônibus da cidade. Um ano depois da Copa, o rombo no estádio era de mais de R$ 3,5 milhões”.
Sobre a corrupção cultural

O combate à corrupção exige mudança de padrões culturais. Não se pode aceitar passivamente conviver com empresas sobre as quais pairam suspeitas de atividades criminosas.

Afinal, como declarou o procurador Deltan Dallagnol “o nosso parâmetro para lidar com a corrupção deve ser o crime de homicídio. Quem rouba milhões, mata milhões”. A declaração foi dada na Globonews.

Segundo ele, o simples combate às pessoas corruptas não vai fazer com que a corrupção acabe no Brasil. “Nós precisamos mudar o sistema”, declarou no Programa do Jô.

O mesmo bordão foi brandido pelo procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, para criticar a Lei de Leniência:

“Infelizmente, a despeito de todas as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil, as primeiras e únicas tentativas do Governo após a publicação da Lei Anticorrupção foram sempre no sentido de contorná-la, de desrespeitar o mínimo ético imposto por essa legislação”.

Carlos Fernando é vice-secretário de cooperação internacional do MPF, setor incumbido de buscar apoio nas investigações internacionais e de fornecer elementos solicitados pelos parceiros. Segundo Chade, o Brasil tem sido o país latino-americano que menos atendeu aos pedidos do FBI até agora.

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