domingo, 20 de março de 2016

A batalha de Stalingrado do impeachment

Por Luis Nassif, no Jornal GGN:

Os alemães montaram uma blitzkrieg contra Stalingrado. Precisavam vencer rapidamente, caso contrário o inverno rigoroso jogaria contra a ocupação. Houve uma resistência heróica que segurou as tropas alemãs, expondo-as ao inverno russo. O fator tempo decidiu a batalha.

É um quadro muito similar ao brasileiro.

O inverno rigoroso é o aprofundamento da crise, podendo chegar a um ponto crítico em meados do próximo semestre. Os grandes grupos econômicos apoiarão qualquer acordo que coloque fim à guerra política. Poderá ser saída com Michel Temer, novas eleições ou mesmo saída com Dilma.

Instalada a Comissão do Impeachment, no início a saída de Dilma afigura-se a solução mais rápida. Serão 15 sessões, 48 horas de Congresso e o desfecho da votação na Câmara no final de abril.

Nesse período, o consórcio Lava Jato-mídia jogará com tudo.

Por outro lado, o governo Dilma contará agora com Lula na articulação política. Serão necessários 171 votos para matar o impeachment. Passando, ainda haverá disputa no Senado.

No Congresso há dois grupos definidos, contra e a favor do governo. E um meio campo indefinido. Com Lula entrando no jogo, aumentam as possibilidades de ampliar o número de parlamentares contrários ao impeachment.

Se o governo conseguir os 171 votos, mata o impeachment. Aí, como em Stalingrado, o inverno passa a jogar contra as tropas nazistas. Vencido o desafio do impeachment, haverá condições de um novo pacto político estabilizando a crise política, para começar a atacar a crise econômica.
A grande ópera da Lava Jato

Desde o ano passado, a Lava Jato segue um roteiro profissional, de casar seu tempo com o tempo político.

O governo Dilma entrou 2016 mais animado.

De 16 a 20 de dezembro do ano passado, uma sucessão de fatos abriu algum espaço para respirar. O STF derrotou o surpreendente voto do Ministro Luiz Fachin sobre o rito do impeachment. Eduardo Cunha foi responsabilizado no Conselho de Ética da Câmara e o PGR entrou com uma ação contra ele. Finalmente, houve a queda do Ministro Joaquim Levy e a chegada de Ricardo Berzoini e Jacques Wagner, abrindo espaço para uma agenda de recomposição política.

Dilma se abriu finalmente para a sociedade civil, em uma reunião exitosa do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) com pronunciamentos importantes de Roberto Setúbal, presidente do Itaú-Unibanco, e Luiz Trabuco, presidente do Bradesco. Os movimentos de rua pareciam esgotados.

Pensava-se que a Lava Jato tivesse esbanjado todo seu estoque de fatos e factoides e o governo ganhasse algum fôlego para enfrentar a crise.

Mal abriu o ano, antes do Congresso começar a atuar, a Lava Jato apertou o passo visando recriar o clima de catarse que sensibilizasse novamente as ruas.

A corrida contra o tempo fez com que rapidamente se despisse do manto da isenção. Começou com Sérgio Moro oferecendo seus delatores para instruir as ações no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contra Dilma. Depois a ofensiva sobre o tríplex, rapidamente voltando-se para o sítio em Atibaia quando apareceu a offshore que poderia ter ligações com a Globo. Alimentou por semanas o noticiário com pedalinhos, barquinhos de alumínio, estátuas de Cristo Redentor.

Finalmente, entrou no jogo pesado da condução coercitiva de Lula, culminando com a divulgação de todos os grampos coletados de pessoas no entorno de Lula. E chegou ao ápice com a divulgação de um grampo ilegal na própria presidente da República.
Um rescaldo do nosso xadrez

No dia 13 de março tracei o cenário possível no dia da grande manifestação pró-impeachment, “O xadrez da política no dia D” (http://migre.me/thPrk).

Nele, juntávamos as seguintes peças e hipóteses:

1. Os três grupos protagonistas da crise eram os Lulistas, os Parlamentaristas (Renan à frente) e o Alto Comando (a Procuradoria Geral da República).

2. Só há duas saídas negociadas possíveis: o semiparlamentarismo de direito com Dilma ou semiparlamentarismo de fato com Lula assumindo a articulação do lado do governo.

3. Há duas forças conflitantes: forças moderadoras percebendo o risco de uma guerra selvagem, entre Lulistas e Parlamentaristas; e o Alto Comando apostando tudo no confronto.

4. Por enquanto, o cenário mais provável é o do pacto PMDB-PSDB visando apoiar ao impeachment.

De lá para cá ocorreram novos lances, uma montanha russa fantástica, na qual os dois lados jogam suas peças no tabuleiro visando controlar o estado de ânimo das suas respectivas tropas.
A guerra de nervos

Ponto importante é a guerra de informações, com um componente psicológico dos mais relevantes. Daqui até a votação do impeachment haverá uma sucessão de fatos, de lado a lado, visando derrubar o ânimo dos adversários e animar as próprias hostes.

Não se trata de uma mera briga de torcidas, mas da criação de um clima psicológico que influenciará os parlamentares na hora de se colocarem ante o impeachment e o próprio ânimo do STF para atuar como moderador e legalista.

É um caso clássico em que o clima do “já ganhou” pode influir na vitória. Portanto, os que sugerem asilo político para Lula ou entram em pânico, sugere-se escalda-pés, chá de limão e remédios naturebas contra a ansiedade.

Esse ping pong começou lá atrás e ganhou ímpeto a partir do dia 13. É uma verdadeira montanha russa de alternativas políticas, de ataques e contra-ataques.

Lance 0 – Oposição

A super-manifestação do dia 13, pró-impeachment,

Lance 1 – Governo

Lula aceitando o Ministério e reanimando as forças anti-impeachment, um reforço considerável, a última chance do governo Dilma.

Lance 2 – Oposição

Com autorização da PGR, a Lava Jato torna públicos todos os grampos, conseguindo abafar as repercussões positivas da decisão de Lula, mas avançando perigosamente nos limites de atuação, incorrendo em suspeita de crime, tanto os policiais federais (por terem aceito um grampo efetuado fora do prazo legal), quanto o juiz Sérgio Moro (que admitiu a divulgação do grampo).

Lance 3 – Governo

Assim que a poeira assentou, os abusos da Lava Jato provocaram uma série de manifestações indignadas, inclusive de jornais. E uma série de manifestações públicas de advogados, intelectuais, estudantes e militantes. A presunção de crime abriu espaço, de um lado, para enquadramento da Polícia Federal – o que foi feito rapidamente pelo novo Ministro da Justiça, subprocurador Eugênio Aragão, em seu primeiro pronunciamento – e para enquadramento da própria Lava Jato.

Segundo o jurista Luiz Flávio Gomes, houve crime no vazamento

(...) As críticas duras também dizem respeito a ter divulgado tudo, sem “selecionar” o que era pertinente para a investigação (conversas que não têm nada a ver com a investigação não podem ser publicadas – é crime essa divulgação);

(...) Por força do direito vigente não pode ser quebrado o sigilo telefônico de advogado, enquanto advogado (havendo suspeita contra ele, sim, pode haver interceptação);

(...) Ponto que será discutido é o seguinte: na hora da interceptação que captou a fala da Dilma (13:32h) a autorização do Moro já não existia; nesse caso a prova pode ser considerada ilegal pelo STF (por ter sido colhida no “diley”);

(...) Moro não apontou em sua decisão os artigos legais e constitucionais do seu ato de divulgação de “tudo” (há déficit de fundamentação); invocar o interesse público não vale quando o conteúdo, por lei, não pode ser divulgado (somente o STF poderia ter divulgado, por razões de segurança nacional, diz Dilma).

Ouvidos pela Folha em Curitiba, investigadores informaram ter obtido autorização do PGR.

Lance 4 – Oposição

Da Europa, Janot confirmou a autorização, embora ressalvando não saber sobre a última gravação. Mas sabia obviamente que a divulgação do conteúdo das demais visaria meramente espalhar intrigas e fortalecer o clima favorável ao impeachment.

Para reforçar a estratégia, o PGR e o decano do STF, Ministro Celso de Mello, inverteram o crime: não mais a divulgação de um grampo na própria presidente da República, mas as frases proferidas por Lula em conversas informais que, em um país sob o comando das leis, jamais poderiam ter sido divulgadas.

Lance 4 – Governo

A super-manifestação do dia 19, contra o impeachment repõe a bola com o governo, aumentando substancialmente o cacife político de Lula.

Lance 5 - Oposição

A decisão do Ministro Gilmar Mendes, assim que confirmado o sucesso das manifestações, de anular a posse de Lula e devolver o inquérito para Curitiba.

Nos próximos dias o governo terá que agir rapidamente para reverter o voto de Gilmar.
Próximos lances

Daqui até o fim de abril a disputa será atrás dos votos do Parlamento.

A divulgação dos grampos pela Lava Jato teve dois efeitos:

1. Criou álibis para Gilmar Mendes atuar no STF e criar amarras jurídicas para a movimentação de Lula.

2. Intimidou os críticos e o grupo de Lula. Todos passaram a fugir dos telefones – em um momento que exige muito contato e muita conversa.

Por outro lado, é possível que o enquadramento dos policiais federais pelo novo Ministro da Justiça Eugênio Aragão reduza os vazamentos da operação.

Mas os dois campos de disputa serão efetivamente o STF e o Congresso. Tem jogo ainda pela frente.

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