Da revista CartaCapital:
A medida cautelar do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, de cancelamento da posse de Luiz Inácio Lula da Silva como ministro-chefe da Casa Civil viola, segundo vários juristas, os princípios garantidores do Estado Democrático de Direito. A liminar, além disso, é contraditória também com posturas anteriores do próprio Gilmar Mendes.
A prerrogativa de foro, o direito ao julgamento na instância máxima da Justiça, teoricamente mais equidistante das disputas, existe para contrapor o uso costumeiro de acusações de improbidade e corrupção contra inimigos políticos, antes mesmo da apuração e comprovação dos crimes imputados, na política brasileira e também naquelas de outros países.
Quanto rotulou a indicação do ex-presidente Lula como “grave interferência política no processo judicial”, Mendes sugeriu que Lula estaria fugindo a Justiça. A nomeação de Lula por Dilma Rousseff teria o objetivo, escreveu Mendes, de "impedir o cumprimento de ordem de prisão de juiz de primeira instância. Uma espécie de salvo conduto emitida pela Presidente da República"
Em 2002, porém, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em fim de mandato, aprovou uma lei estabelecendo foro privilegiado para ex-ministros e ex-presidentes, Gilmar Mendes defendeu julgamentos em instâncias superiores para ocupantes de cargos públicos e considerou falacioso o argumento de que a extinção da prerrogativa aumentaria a impunidade.
A abolição do dispositivo, escreveu o ministro em artigo na Folha de S.Paulo em 2012, poderia ensejar perseguições. Seria um perigo “a rede de intrigas da pequena política enveredar comarcas, adensar o jogo eleitoral e conspurcar de vez nossa jovem democracia."
Foro privilegiado após o mandato
Em 2005, no relato de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a lei promulgada por FHC, Gilmar Mendes aprovou a prerrogativa de foro especial. E não só para detentores de cargo, mas para ex-ministros e ex-presidentes.
Para fundamentar a sua posição, Mendes remeteu àquilo que chama de “lição” do jurista Victor Nunes Leal: “A jurisdição especial, como prerrogativa de certas funções públicas, é realmente instituída não no interesse da pessoa do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com o alto grau de independência que resulta de certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade.”
Segundo Mendes, a razão para a prerrogativa de foro é “dar garantia quando já não se exerce mais a função, porque todos nós sabemos, infelizmente a história da improbidade...é uma história de improbidade e de improbidades!”.
A argumentação apoia-se no histórico do uso das ações de improbidade como instrumento de perseguição política. A necessidade de estender o foro especial para além do mandato de cargo público deve-se ao tempo próprio de andamento das ações judiciais, nunca coincidente com o fim do exercício da função. Em outras palavras, os ocupantes de cargos públicos processados no exercício da função continuam a responder aos processos por muitos anos depois do fim dos seus mandatos.
Continua Mendes: “Tanto é que muitos desses cidadãos que hoje têm de dar explicações, tanto no campo parlamentar quanto no âmbito do Ministério Público, eram agentes que manejavam e atuavam com as ações de improbidade como instrumento de fazer política, como instrumento de atuação política e, não raro, como mecanismo de perseguição e até de extorsão”.
Na defesa do foro privilegiado inclusive após o mandato, Mendes remete mais uma vez a Victor Nunes Leal: “A aceitar a ideia de que desapeada do cargo a pessoa deva responder perante qualquer instância, certamente haverá a possibilidade, exatamente, das perseguições...e, certamente, isso terá implicações sobre o próprio exercício do cargo.”
Talvez, ponderou o ministro do Supremo, o objetivo seja “criar constrangimento”, ou “provocar um tipo de administração temerosa desse tipo de perseguição”.
O jurista Márcio Bonilla, em um trecho de artigo transcrito por Mendes em sua liminar, esclarece que o foro especial “não é honraria pessoal nem representa privilégio. É proteção que nasce com o exercício do cargo ou função, pelo reconhecimento da elevada hierarquia funcional e dos poderes que emanam do seu exercício, visando à segurança e à isenção da distribuição da Justiça. Resguarda-se dessa forma o prestígio das instituições.”
Em 2013, Gilmar Mendes atacou Moro
Gilmar Mendes não mostra hoje o menor sinal de desaprovação de ações do juiz federal Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, mas em 2013 fez críticas severas à atuação do magistrado.
Segundo acusou o ministro do STF em um habeas corpus do caso Banestado, “atua com inequívoco desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito o juiz que se irroga de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional". Era uma referência a Moro.
As críticas parecem na medida também para certas práticas atuais do juiz de Curitiba: "Revelam-se abusivas as reiterações de prisões desconstituídas por instâncias superiores e as medidas excessivas tomadas para sua efetivação, principalmente o monitoramento dos patronos da defesa, sendo passíveis inclusive de sanção administrativa."
Práticas do juiz Sergio Moro, na descrição de seus críticos do meio judiciário, foram condenadas com veemência pelo Gilmar Mendes do passado: "O Tribunal tem-se manifestado várias vezes em relação a essa questão, que o juiz é órgão de controle no processo criminal. Tem uma função específica. Ele não é sócio do Ministério Público e, muito menos, membro da Polícia Federal, do órgão investigador, no desfecho da investigação."
E ainda: "Penso que não pode ser diferente o papel desta Corte e de nós juízes, pois é inaceitável, sob qualquer fundamento ou crença, tergiversar com o Estado de Direito, com a liberdade do cidadão e com os postulados do devido processo legal.”
A distância em relação ao posicionamento do ministro Gilmar Mendes de hoje parece imensurável.
A medida cautelar do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, de cancelamento da posse de Luiz Inácio Lula da Silva como ministro-chefe da Casa Civil viola, segundo vários juristas, os princípios garantidores do Estado Democrático de Direito. A liminar, além disso, é contraditória também com posturas anteriores do próprio Gilmar Mendes.
A prerrogativa de foro, o direito ao julgamento na instância máxima da Justiça, teoricamente mais equidistante das disputas, existe para contrapor o uso costumeiro de acusações de improbidade e corrupção contra inimigos políticos, antes mesmo da apuração e comprovação dos crimes imputados, na política brasileira e também naquelas de outros países.
Quanto rotulou a indicação do ex-presidente Lula como “grave interferência política no processo judicial”, Mendes sugeriu que Lula estaria fugindo a Justiça. A nomeação de Lula por Dilma Rousseff teria o objetivo, escreveu Mendes, de "impedir o cumprimento de ordem de prisão de juiz de primeira instância. Uma espécie de salvo conduto emitida pela Presidente da República"
Em 2002, porém, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em fim de mandato, aprovou uma lei estabelecendo foro privilegiado para ex-ministros e ex-presidentes, Gilmar Mendes defendeu julgamentos em instâncias superiores para ocupantes de cargos públicos e considerou falacioso o argumento de que a extinção da prerrogativa aumentaria a impunidade.
A abolição do dispositivo, escreveu o ministro em artigo na Folha de S.Paulo em 2012, poderia ensejar perseguições. Seria um perigo “a rede de intrigas da pequena política enveredar comarcas, adensar o jogo eleitoral e conspurcar de vez nossa jovem democracia."
Foro privilegiado após o mandato
Em 2005, no relato de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a lei promulgada por FHC, Gilmar Mendes aprovou a prerrogativa de foro especial. E não só para detentores de cargo, mas para ex-ministros e ex-presidentes.
Para fundamentar a sua posição, Mendes remeteu àquilo que chama de “lição” do jurista Victor Nunes Leal: “A jurisdição especial, como prerrogativa de certas funções públicas, é realmente instituída não no interesse da pessoa do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com o alto grau de independência que resulta de certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade.”
Segundo Mendes, a razão para a prerrogativa de foro é “dar garantia quando já não se exerce mais a função, porque todos nós sabemos, infelizmente a história da improbidade...é uma história de improbidade e de improbidades!”.
A argumentação apoia-se no histórico do uso das ações de improbidade como instrumento de perseguição política. A necessidade de estender o foro especial para além do mandato de cargo público deve-se ao tempo próprio de andamento das ações judiciais, nunca coincidente com o fim do exercício da função. Em outras palavras, os ocupantes de cargos públicos processados no exercício da função continuam a responder aos processos por muitos anos depois do fim dos seus mandatos.
Continua Mendes: “Tanto é que muitos desses cidadãos que hoje têm de dar explicações, tanto no campo parlamentar quanto no âmbito do Ministério Público, eram agentes que manejavam e atuavam com as ações de improbidade como instrumento de fazer política, como instrumento de atuação política e, não raro, como mecanismo de perseguição e até de extorsão”.
Na defesa do foro privilegiado inclusive após o mandato, Mendes remete mais uma vez a Victor Nunes Leal: “A aceitar a ideia de que desapeada do cargo a pessoa deva responder perante qualquer instância, certamente haverá a possibilidade, exatamente, das perseguições...e, certamente, isso terá implicações sobre o próprio exercício do cargo.”
Talvez, ponderou o ministro do Supremo, o objetivo seja “criar constrangimento”, ou “provocar um tipo de administração temerosa desse tipo de perseguição”.
O jurista Márcio Bonilla, em um trecho de artigo transcrito por Mendes em sua liminar, esclarece que o foro especial “não é honraria pessoal nem representa privilégio. É proteção que nasce com o exercício do cargo ou função, pelo reconhecimento da elevada hierarquia funcional e dos poderes que emanam do seu exercício, visando à segurança e à isenção da distribuição da Justiça. Resguarda-se dessa forma o prestígio das instituições.”
Em 2013, Gilmar Mendes atacou Moro
Gilmar Mendes não mostra hoje o menor sinal de desaprovação de ações do juiz federal Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, mas em 2013 fez críticas severas à atuação do magistrado.
Segundo acusou o ministro do STF em um habeas corpus do caso Banestado, “atua com inequívoco desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito o juiz que se irroga de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional". Era uma referência a Moro.
As críticas parecem na medida também para certas práticas atuais do juiz de Curitiba: "Revelam-se abusivas as reiterações de prisões desconstituídas por instâncias superiores e as medidas excessivas tomadas para sua efetivação, principalmente o monitoramento dos patronos da defesa, sendo passíveis inclusive de sanção administrativa."
Práticas do juiz Sergio Moro, na descrição de seus críticos do meio judiciário, foram condenadas com veemência pelo Gilmar Mendes do passado: "O Tribunal tem-se manifestado várias vezes em relação a essa questão, que o juiz é órgão de controle no processo criminal. Tem uma função específica. Ele não é sócio do Ministério Público e, muito menos, membro da Polícia Federal, do órgão investigador, no desfecho da investigação."
E ainda: "Penso que não pode ser diferente o papel desta Corte e de nós juízes, pois é inaceitável, sob qualquer fundamento ou crença, tergiversar com o Estado de Direito, com a liberdade do cidadão e com os postulados do devido processo legal.”
A distância em relação ao posicionamento do ministro Gilmar Mendes de hoje parece imensurável.
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