terça-feira, 1 de março de 2016

E os sonegadores do escândalo HSBC?

Por Tatiana Carlotti, no site Carta Maior:

Desdobramento da Lava Jato, a Operação Acarajé varreu da pauta as suspeitas levantadas pela jornalista Mirian Dutra relacionando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o Grupo Brasif. Tão ágil quanto a Justiça, o PIG mostrou serviço, incensando ao longo da semana a prisão de João Santana, marqueteiro das campanhas do ex-presidente Lula e da presidenta Dilma Rousseff.

Presos “preventivamente” desde a última terça-feira (23.02), Santana e sua mulher, Márcia Moura, respondem pela acusação de terem recebido US$ 7,5 milhões em contas no exterior, segundo os promotores, de forma ilegal. A questão da sonegação fiscal e evasão de divisas vieram à tona. Diante do furor da imprensa e da agilidade da Justiça, a questão se impõe:

Como andam as investigações sobre os 8,7 mil clientes brasileiros nomeados na lista do HSBC, no escândalo do Suiçalão? O que explica a cortina de silêncio, sete anos após o vazamento da lista por Hervé Falcini, sobre os sonegadores?

Considerado um dos maiores escândalos financeiros da atualidade, o Suiçalão se constituiu em grande esquema de evasão de divisas e lavagem de dinheiro do banco britânico. O requinte das operações incluía a criação de empresas offshore e de fundações para driblar o controle dos governos sobre movimentações financeiras ilegais.

O esquema veio à tona em 2009, quando Falciani, especialista em informática do HSBC, vazou para autoridades francesas uma lista com 130 mil clientes que mantinham contas secretas na sede suíça do HSBC. Entre elas, 8,7 mil contas secretas estavam em nome de brasileiros que movimentaram, em apenas dois anos (2006 e 2007), US$ 7 bilhões (R$ 20 bilhões).

Até agora, sete anos após o escândalo, só foram divulgados os nomes de sonegadores envolvidos na Operação Lava Jato, além de três magistrados do Tribunal de Justiça de São Paulo que negaram ter contas na Suíça. Como explica Luis Nassif, no site GGN, o ICIJ (Consórcio Internacional dos Jornalistas Investigativos) disponibilizou a lista para um grupo restrito de jornalistas. No Brasil, apenas Fernando Rodrigues (UOL) tem acesso aos dados.

Instalada em 2015, com pouca cobertura da mídia e apesar da resistência dos tucanos, como demonstrava reportagem da jornalista Najla Passos, aqui na Carta Maior, a CPI do HSBC quase foi encerrada por conta das dificuldades em se obter a documentação necessária para o andamento das investigações.

No começo do ano, a agência Senado informava que a Justiça francesa havia autorizado a liberação desses dados. Á época, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmava ao Último Segundo (IG): “A CPI pode revelar o maior caso de evasão fiscal da história do país. Cabe a nós trazer isso à luz, esclarecer o conjunto, como se deu. A CPI só não avança agora se não quiser. É a chance de ressurreição da CPI”, disse.

A farra nos paraísos fiscais

Aos que ainda duvidam do tamanho da corrupção perpetrada pelas elites financeiras deste país, recomendamos a leitura do especial da Carta Maior, intitulado Paraísos Fiscais: a sonegação dos ricos é a maior corrupção global.

Publicado em fevereiro do ano passado, o especial traz dados que dimensionam o prejuízo: até 2010, apontava a The Price of Offshore Revisited, os brasileiros mais ricos mantinham cerca de US$ 520 bilhões em paraísos fiscais (leiam mais).

Em artigo, avaliando o rombo do Suiçalão aos cofres brasileiros, o cientista político Antônio Lassance destacava que os “barões ladrões brasileiros” estavam na “nona colocação” entre os que mais surrupiaram dinheiro, com a ajuda do HSBC suíco. “Daria para pagar um bom pedaço dos juros da dívida pública com o dinheiro dos ricos, ou melhor, o dinheiro dos pobres que os ricos preferem sonegar”, concluia.

Já o economista Ladislau Dowbor explicava, em Os descaminhos do dinheiro (07.11.2012), como o dinheiro proveniente da corrupção vem girando em torno dos “grandes beneficiários empresariais ou donos de fortunas pessoais”, das “instituições financeiras que fazem as transferências”, dos políticos “que criam o seu contexto institucional” e, também, do Judiciário, “que não é de maneira alguma estranho ao processo, por dar suporte legal, por conivência ou por omissão”.

Cortina de silêncio

O fato é que a mesma cortina de silêncio em torno do Suiçalão vem blindando uma série de suspeitas envolvendo grãos tucanos no país. É patente a forma como esses escândalos surgem e desaparecem na mídia. Mais patente ainda a seletividade de setores do Judiciário na escolha de quem será investigado ou não.

Na última semana, em artigo publicado na Folha (FSP, 25.02.2016), o jornalista Jânio de Freitas manifestou indignação com a prisão, às pressas, de Santana e sua mulher. “A falta até de mínima sustentação das exposições de Sergio Moro, no próprio decreto de prisão de Santana e Mônica, como nas falas dos procuradores e policiais é nada menos do que escandalosa. Ou deveria sê-lo”, apontou.

E complementou: “o risco de fuga era zero, já estando ambos no exterior. Mas o problemático assunto das remessas e contas externas de Fernando Henrique foi sufocado com mais facilidade”.

A mesma cortina de silêncio foi cerrada em torno das denúncias de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, no começo do ano. Em delação premiada à Lava-Jato, ele mencionava um suposto recebimento de propina pelo “Governo FHC” no valor de US$ 100 milhões, pela venda da empresa argentina Pérez Companc (OESP, 11.01.2016). FHC negou, a pauta sumiu do noticiário.

Na última semana, Luiz Nassif rememorou outros episódios ao questionar: “O MPF se tornou um partido político?”, citando casos em que o nome do senador Aécio Neves (PSDB) surgiu nas delações da Lava-Jato. O primeiro, quando o doleiro Alberto Yousseff detalhou as propinas de Furnas (Exame, 25.08.2015); o segundo, quando das menções de Aécio pelo diretor da UTC, Carlos Alexandre de Souza, o Ceará (OESP, 30.12.2015).

Nassif também recuperou o inquérito sobre lavagem de dinheiro em uma conta em Liechtenstein em nome de uma offshore com sede nas Bahamas (GGN, 02.01.2015). Os dois primeiros casos, aponta o jornalista, foram arquivados pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot. O último permanece na gaveta da Procuradoria Geral da República. Aécio também negou, a pauta sumiu do noticiário.

Enquanto isso...
Vale destacar que, na última semana, a mesma Folha que deu espaço às denúncias de Mirian Dutra, incensou um verdadeiro carnaval em torno da prisão de Santana, com direito à destaque de falas raivosas de leitores, passando por uma quase colisão entre aeronaves, chegando até à uma reportagem muito instrutiva sobre a presença de acarajé no cardápio do governo. Um bombardeio de notícias para manter na pauta a prisão do marqueteiro.

Sobre as denúncias contra FHC? Uma notícia sobre o inquérito solicitado pelas bancadas do PT e do PCdoB à PF para investigar as relações entre FHC e a Brasif. Aliás, a notícia foi divulgada no mesmo dia em que o PSDB solicitou ao TSE a incorporação do processo contra Santana àquele que investiga a reeleição da presidenta Dilma. As manobras da oposição no TSE são tema, inclusive, de extensa reportagem da Carta Capital à venda nas bancas.

Enquanto isso, na TV Folha, jornalistas avaliavam que o “impeachment” havia voltado à pauta. Aliás, o calendário dos protestos vem sendo bem divulgado, agora, ancorado pelos índices da pesquisa Datafolha, divulgada no último sábado (27.02): “64% dos brasileiros reprovam o Governo Dilma”.

A pesquisa, é sempre bom lembrar, foi realizada entre os dias 24 e 25 da última semana, em pleno furor da imprensa com a prisão de Santana.

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