Por Adriano de Freixo, no jornal Brasil de Fato:
Em 13 de dezembro de 1968, na reunião em que foi decidida a decretação do Ato Institucional 5 (AI-5), a única voz divergente foi a do então vice-presidente Pedro Aleixo. Ao ser interpelado por Gama e Souza, ministro da Justiça e redator do Ato, sobre se desconfiava das “mãos honradas” do presidente Costa e Silva, que seria o responsável pela aplicação daquele instrumento de exceção, o jurista mineiro respondeu com uma sentença que se tornaria célebre afirmando que do general presidente ele não desconfiava, mas que desconfiava, sim, do guarda da esquina.
Mais de quatro décadas depois esta sentença seria lembrada pelo ministro Ricardo Lewandowski, em 2012, durante o julgamento da Ação Penal 470 no Supremo Tribunal Federal (STF), quando a chamada “teoria do domínio de fato” foi utilizada para condenar o ex-ministro José Dirceu e alguns outros réus. Na ocasião, o atual presidente do Supremo externou a sua preocupação sobre como os juízes de primeira instância poderiam vir a aplicar tal teoria.
A lembrança desses fatos se torna relevante à medida que na última sexta-feira (4), durante os tristes episódios relacionados ao depoimento do ex-presidente Lula no escritório da Polícia Federal, em Congonhas, assistiu-se a um exemplo claro do que é o uso abusivo do poder pelos “guardas da esquina”, neste caso, juízes de primeira instância, procuradores da República e delegados da PF, que compõem a chamada “Força-Tarefa” da “Operação Lava Jato”.
Como já assinalado por inúmeros juristas, a condução coercitiva de Lula foi absolutamente ilegal e inconstitucional, constituindo-se muito mais em um ato político, do que em um procedimento jurídico justificável. O próprio ministro do STF, Marco Aurélio Mello, figura insuspeita de “ser petista”, condenou tal ação e assinalou que medidas como essa só geram incerteza jurídica para todos os cidadãos, ressaltando que magistrados não devem agir como “justiceiros”.
Neste sentido, a condenação veemente dos excessos – já bastante numerosos – cometidos pelo Juiz Sérgio Moro e pelos demais condutores da “Lava Jato” – ancorados na certeza de que estão garantidos pela blindagem midiática – não passa por gostar ou não de Lula, por concordar ou não com as políticas implementadas durante a “Era PT”, por ser ou não “condescendente com a corrupção” ou por fechar os olhos para os inúmeros equívocos cometidos pelos governos petistas. Ela passa, sim, pela defesa da democracia, do estado de direito e das garantias constitucionais.
O que foi feito com o ex-presidente pode se repetir – e se repete – com qualquer cidadão, militante dos movimentos sociais ou não, por ordem de qualquer um dos inúmeros “guardas da esquina” presentes no judiciário Brasil afora. Está cada vez mais claro que a crescente escalada conservadora a que estamos assistindo tem no judiciário e nos meios jurídicos – onde crescem cada vez as perspectivas punitivistas – alguns de seus principais bunkers. Punitivismo, aliás, que é a prática cotidiana das forças repressivas e do judiciário contra os alvos de sempre. Ou a sociedade organizada se mobiliza contra isto ou caminharemos para graves retrocessos em nossa ainda frágil democracia que podem vir a ser irreversíveis.
Diante deste quadro, nos soa bastante familiar a descrição feita pelo historiador Peter Gay sobre o comportamento do judiciário alemão no período entre as duas grandes guerras, durante a chamada “República de Weimar”: “(...) praticamente todos eles [os juízes] vieram de camadas privilegiadas, com estreitas relações com os aristocratas, oficiais, políticos conservadores (...) Sempre que os juízes achavam possível distorcer a lei em benefício da reação, eles o faziam: Hitler, sendo austríaco, deveria ter sido deportado após o seu putsch, mas foi-lhe permitido permanecer na Alemanha porque ele se considerava alemão. Por outro lado, contra os Espartacistas, comunistas ou cândidos jornalistas, as cortes procediam com o maior rigor”. Era o “ovo da serpente” em gestação.
Em 13 de dezembro de 1968, na reunião em que foi decidida a decretação do Ato Institucional 5 (AI-5), a única voz divergente foi a do então vice-presidente Pedro Aleixo. Ao ser interpelado por Gama e Souza, ministro da Justiça e redator do Ato, sobre se desconfiava das “mãos honradas” do presidente Costa e Silva, que seria o responsável pela aplicação daquele instrumento de exceção, o jurista mineiro respondeu com uma sentença que se tornaria célebre afirmando que do general presidente ele não desconfiava, mas que desconfiava, sim, do guarda da esquina.
Mais de quatro décadas depois esta sentença seria lembrada pelo ministro Ricardo Lewandowski, em 2012, durante o julgamento da Ação Penal 470 no Supremo Tribunal Federal (STF), quando a chamada “teoria do domínio de fato” foi utilizada para condenar o ex-ministro José Dirceu e alguns outros réus. Na ocasião, o atual presidente do Supremo externou a sua preocupação sobre como os juízes de primeira instância poderiam vir a aplicar tal teoria.
A lembrança desses fatos se torna relevante à medida que na última sexta-feira (4), durante os tristes episódios relacionados ao depoimento do ex-presidente Lula no escritório da Polícia Federal, em Congonhas, assistiu-se a um exemplo claro do que é o uso abusivo do poder pelos “guardas da esquina”, neste caso, juízes de primeira instância, procuradores da República e delegados da PF, que compõem a chamada “Força-Tarefa” da “Operação Lava Jato”.
Como já assinalado por inúmeros juristas, a condução coercitiva de Lula foi absolutamente ilegal e inconstitucional, constituindo-se muito mais em um ato político, do que em um procedimento jurídico justificável. O próprio ministro do STF, Marco Aurélio Mello, figura insuspeita de “ser petista”, condenou tal ação e assinalou que medidas como essa só geram incerteza jurídica para todos os cidadãos, ressaltando que magistrados não devem agir como “justiceiros”.
Neste sentido, a condenação veemente dos excessos – já bastante numerosos – cometidos pelo Juiz Sérgio Moro e pelos demais condutores da “Lava Jato” – ancorados na certeza de que estão garantidos pela blindagem midiática – não passa por gostar ou não de Lula, por concordar ou não com as políticas implementadas durante a “Era PT”, por ser ou não “condescendente com a corrupção” ou por fechar os olhos para os inúmeros equívocos cometidos pelos governos petistas. Ela passa, sim, pela defesa da democracia, do estado de direito e das garantias constitucionais.
O que foi feito com o ex-presidente pode se repetir – e se repete – com qualquer cidadão, militante dos movimentos sociais ou não, por ordem de qualquer um dos inúmeros “guardas da esquina” presentes no judiciário Brasil afora. Está cada vez mais claro que a crescente escalada conservadora a que estamos assistindo tem no judiciário e nos meios jurídicos – onde crescem cada vez as perspectivas punitivistas – alguns de seus principais bunkers. Punitivismo, aliás, que é a prática cotidiana das forças repressivas e do judiciário contra os alvos de sempre. Ou a sociedade organizada se mobiliza contra isto ou caminharemos para graves retrocessos em nossa ainda frágil democracia que podem vir a ser irreversíveis.
Diante deste quadro, nos soa bastante familiar a descrição feita pelo historiador Peter Gay sobre o comportamento do judiciário alemão no período entre as duas grandes guerras, durante a chamada “República de Weimar”: “(...) praticamente todos eles [os juízes] vieram de camadas privilegiadas, com estreitas relações com os aristocratas, oficiais, políticos conservadores (...) Sempre que os juízes achavam possível distorcer a lei em benefício da reação, eles o faziam: Hitler, sendo austríaco, deveria ter sido deportado após o seu putsch, mas foi-lhe permitido permanecer na Alemanha porque ele se considerava alemão. Por outro lado, contra os Espartacistas, comunistas ou cândidos jornalistas, as cortes procediam com o maior rigor”. Era o “ovo da serpente” em gestação.
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