domingo, 17 de abril de 2016

A opinião pública no calor da hora

Por Marcos Coimbra, na revista CartaCapital:

Concluída na terça-feira 12, a mais recente pesquisa do instituto Vox Populi, encomendada pela Central Única dos Trabalhadores, mostra de que maneira a opinião pública avalia o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff às vésperas da decisão da Câmara dos Deputados.

Não é o passo derradeiro, pois tanto o Senado quanto, parece, o Supremo Tribunal Federal ainda terão o que dizer. Mas é um momento importante na longa crise política atravessada pelo País.

Os resultados indicam que ninguém ganhou com ela. Todos se enfraqueceram, o sistema político em conjunto e cada uma de suas partes. Quem, na oposição partidária, calculou que conseguiria sair maior com a crise se apequenou.

Aqueles que, na sociedade civil, especialmente na mídia e no empresariado, apostavam que seriam capazes de mobilizar amplos consensos na população ficaram com a imagem de ativismo partidarizado e interesseiro.

Que diferença em relação a 1992... Nos dias que antecederam o impeachment de Fernando Collor, quase o Brasil inteiro estava do mesmo lado. Não havia quem olhasse o Congresso e enxergasse indivíduos sem as menores condições morais de julgar o então presidente. Era inexpressiva a parcela da população que acreditava em manipulação dos meios de comunicação.



A pesquisa de agora confirma quão dividido está o Brasil. Qualquer festa após o resultado da votação no domingo 17 será de um pedaço minoritário da sociedade. É inimaginável, a considerar-se o ponto ao qual chegaram, que as divisões entre os cidadãos venham a desaparecer em prazo razoável.

Os números do apoio popular ao impeachment de Dilma desaconselhariam qualquer liderança respeitável a ir adiante com o processo. A destituição de um presidente da República tem enorme custo institucional e só faz sentido quando há maciça concordância da sociedade.

Ninguém duvida da elevada insatisfação com a petista e seu governo. Ou da enorme preocupação com a situação da economia, tanto por ser objetivamente grave quanto por ter sido fabricada a sensação de uma crise inesgotável.

Não se questionam, tampouco, os equívocos e erros cometidos por Dilma Rousseff nem a decepção de uma ampla maioria da sociedade com o PT e com o comportamento de algumas de suas lideranças nos últimos anos, quando se tornaram parecidos com aqueles que hoje vociferam contra eles.



Segundo a pesquisa, 57% da população, pouco mais da metade, apoiam o impeachment. O que significa que 43% não estão convencidos de que ele seja justo: quase 40% são contra e os restantes não sabem. No mundo civilizado, em um cenário como esse, somente as lideranças mais irresponsáveis iriam adiante no propósito de derrubar um governante.

Proporções iguais aparecem nas respostas à pergunta sobre se vivemos uma situação de “golpe de Estado”. Apenas metade dos entrevistados acredita não se tratar “de um golpe”, enquanto os restantes 48% não dizem o mesmo, dos quais 36% concordam com a frase “é um golpe, um ato antidemocrático” e os demais “não sabem”.

Esses resultados fazem pensar em quão grande é a parcela da opinião pública que não se deixou contaminar pela impressionante campanha dirigida pela mídia conservadora contra Dilma, o PT e suas lideranças.

Eles sugerem que, mesmo que critique o governo e esteja descontente com o PT, existe um expressivo pedaço do Brasil não afetado pela narrativa despejada diariamente pelos meios de comunicação.

Aos olhos de uma ampla parcela da população, revelam os números, o processo deimpeachment padece de um pecado original: em vez de se sustentar em um genuíno sentimento da maioria do País, tem baixa legitimidade, pois nasce de motivações mesquinhas de atores menores.

Aplicadas ao processo, ideias como “vingança”, “oportunismo”, “pensar em seus próprios interesses” e “traição” obtêm adesão majoritária. Para 49% dos entrevistados, a proposta de destituir Dilma resulta de “uma vingança de Eduardo Cunha” ao perceber que não seria protegido pelos parlamentares do PT. Para 50%, “a oposição está sendo oportunista (...) sem pensar nas dificuldades do Brasil”.

Para 57%, “políticos como Aécio e Fernando Henrique só pensam em seus próprios interesses quando apoiam o impeachment, pois não aceitam a derrota eleitoral de 2014 e querem assumir o poder”. Para 39%, “é traição de Michel Temer e do PMDB romper com o governo”.

As respostas à pergunta sobre se o impeachment é “a solução para o País” são um dos raros momentos da pesquisa em que não temos bipolarização: 58% dos entrevistados afirmam que “não”, enquanto 35% dizem “sim”. Ou seja: somente um terço da população festejaria o impedimento da presidenta por acreditar que o processo resolveria nossos problemas. Do outro lado, quase 60% permaneceriam céticos.



Em parte, a desconfiança é explicada pela péssima imagem atual do vice-presidente Michel Temer. Apenas 5% daqueles que o conhecem têm opinião positiva a seu respeito, enquanto 61% o avaliam de maneira negativa. Temer consegue estar tão mal quanto Dilma.

Assim chegamos a esta etapa lastimável de nossa vida política. Um País insatisfeito, dividido, desanimado e descrente nas motivações da maioria das lideranças. Pior, com uma elite que acha que as instituições precisam “se adaptar” a seus interesses conjunturais e que se considera dona do direito divino de “orientar a turba”.

Pobre democracia brasileira. Achava-se liberta da sucessão de intervenções e salvacionismos que caracterizou sua história, mas está de novo ameaçada, enredada em episódios medíocres e cercada por personagens idem.

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