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Foi um espetáculo grotesco o da sessão da Câmara dos Deputados do dia 17 de abril passado. Durante horas, deputados votaram pela continuidade do processo de impeachment da presidenta Dilma no Congresso Nacional. A cena revelou aspectos inusitados.
Ficou claro que muitos votantes pareciam desconhecer, ou desconsideravam inteiramente , o tema em questão, declarando seus votos por razões que não estão em questão. Uma legião de deputados alteou sua voz para homenagear mãe, pai, filhos e netos, às vezes nominado-os individualmente. Houve um que foi ao microfone com seu filho de 18 anos a tiracolo e queria que o rapaz votasse em seu lugar. Outro, depois de votar, voltou correndo para dizer que se esquecera de anunciar à Nação o nome de um seu parente, que precisava ser homenageado. Uma mulher fez o elogio de seu marido, prefeito de Montes Claros, cujos méritos eram tais que demonstravam que o “Brasil tinha jeito”, sem imaginar que o dito marido seria preso no dia seguinte pela manhã.
Quando terminaram as eleições de 2014, analistas mostraram que o conservadorismo tinha aumentado na Câmara. Crescera a “bancada BBB”, dos ruralistas (Boi), dos armamentistas (Bala) e dos evangélicos ( Bíblia). Esses parlamentares, de conservadorismo atroz, elegeram um de seus membros para a Presidência da Câmara, o deputado Eduardo Cunha, da bancada da Bíblia, que é apegada a uma leitura extremamente fundamentalista do livro maior do cristianismo, o que dá base a posições de um atraso chocante.
Mas, o que não se sabia, era que também tinha crescido a “bancada mamãe-titia-filho e neto”, de parlamentares que votam declarando estar fazendo o que julgam melhor para o futuro não do país e seu povo, mas desses seus entes queridos.
Houve ainda longa invocação utilitária de Deus. Salvo engano, todos os que assim procederam, o fizeram para colocar Deus como uma espécie de fiador ou cabo-eleitoral do impeachment. Fez-nos lembrar da Constituição de 1824, elaborada por Pedro I e sua corte de escravistas, que homologava sem ressalva o sistema escravocrata em vigor no Brasil e que declarava, logo no seu início, ter sido escrita “em nome da Santíssima Trindade”.
A fatídica sessão, por outro lado, foi prenhe de hipocrisia. Era repulsivo ver deputados envolvidos em corrupção, vociferarem coléricos contra a corrupção, bradarem que era por isso que estavam votando pelo impeachment e apoiarem, por fim, um processo que pode levar à presidência e à vice -presidência da República, Michel Temer, citado na Lava Jato, e Eduardo Cunha, réu em processo de corrupção no STF.
Momento culminante do vexame a que chegou essa sessão inglória da Câmara foi quando um deputado, defensor da ditadura militar e conhecido por suas ligações com torturadores, resolveu homenagear um dos mais execrados torturadores do regime passado, o coronel Brilhante Ustra, que torturou a presidenta Dilma na época da resistência. Foi um momento de vergonha para a história do Legislativo brasileiro. Mas foi também uma oportunidade para pessoas que, de boa fé, estão nesta frente pelo impeachment, pensando estar lutando “por um Brasil melhor”, tomarem consciência de quem são seus companheiros de viagem e se lembrarem do dito popular que diz “dize-me com quem andas e eu te direi quem és”.
Essa seqüência medíocre de declarações de voto teve, entretanto, um outro efeito, o de realçar as excelentes e corajosas intervenções feitas por algumas deputadas e alguns deputados comprometidos com a luta pela democracia e contra o golpe. Destas, é de justiça destacar-se as empolgantes declarações de voto oriundas da bancada do PCdoB, as do PSOL, algumas da bancada do PT, e a de um ex-ministro do PMDB que denunciou com firmeza a falsidade de todo o processo.
Nessa primeira peleja travada na Câmara dos Deputados fomos derrotados. Mas é bom fixar o alcance limitado dessa derrota. Estava em causa, tão somente, a aprovação de um Relatório a ser encaminhado ao Senado, autorizando-o a abrir um processo de impeachment da presidenta Dilma. Perdemos essa batalha. Mas não podemos ensarilhar as armas.
Como disse a presidenta do PCdoB, Luciana Santos, “a luta democracia versus golpismo prossegue. O golpe poderá ser barrado, agora, no Senado Federal, ou na fase de instauração do processo ou na fase de julgamento.”
Essa luta deve crescer em três frentes: a de ideias, a de massas e a parlamentar.
A frente de ideias é a do desmascaramento do plano golpista, que visa afastar um governo eleito e que não cometeu nenhum crime de responsabilidade e trocá-lo por outro oriundo de um golpe parlamentar-judicial de direita. É preciso explicar às amplas massas as consequências dessa eventual mudança, a primeira das quais é a perda de direitos conseguidos nos últimos 12 anos. Não querem apenas substituir um governo honesto por outro que já está envolvido com processos de corrupção e delações, mas, mais que isto, querem implantar um programa econômico-social no qual as vantagens que o povo teve nos últimos 12 anos serão consideradas excessivas e mudadas por um regime que na Europa chamam de “austeridade”, ou seja, arrocho para o povo, liberalidade para o mercado, menos soberania para a Nação e mais submissão ao capital estrangeiro.
A frente de massas será potencializada se a divulgação das ideias for intensamente feita e se continuarmos o bom trabalho que desenvolvemos de um mês para cá junto aos setores sociais organizados. Não perder de vista que crescemos bastante na movimentação em geral, o que significa que o povo está percebendo cada vez mais de que lado estão seus interesses. A grande mídia está sendo desacreditada e devemos mostrá-la como venal.
A frente parlamentar é, nesse caso, a decisiva, e é onde vai desaguar todo o esforço das duas anteriores. Aí se destaca o trabalho no Senado e nos estados. Posto que cada estado tem apenas três senadores, é preciso programar encontros com os mesmos, chamá-los a assembleias com trabalhadores e intelectuais, com juristas, além de realizar debates e promover manifestações.
Por último, ter em conta que não se ganha adeptos tratando-os de forma ríspida ou delimitando posições com os mesmos em diversos terrenos. Temos que ganhar os indecisos, e a posição básica de unidade é ser contra o impeachment. Mesmo os que não apoiem o governo Dilma e a critiquem, mas que não aceitem golpe na democracia devem ser unificados. As amarrações devem ser feitas persistentemente, revigoradas sempre, sem o que ficam abertas as portas para a traição, como tantas que ocorreram na Câmara. A traição deve ser estigmatizada. Taidor foi Judas, foi Silvério dos Reis. Temer traiu. Não aceitamos ser governados por traidor.
Por último, levar em conta que o Governo que apoiamos deixou que se criasse, dentro do Estado brasileiro, grupos no Ministério Público Federal, na Polícia Federal e no Judiciário, que tramam e contestam abertamente o Poder constituído. O Governo foi leniente na ampliação da independência e autonomia de órgãos executivos dentro do Governo. Nessa base, grupos arrivistas de direita criaram um Estado dentro do Estado e contra o Estado legal. E chegamos a anomalias como a da atuação, à revelia da lei, do juiz Sérgio Moro, que inicialmente se imaginava que fazia uma boa e aplaudida campanha contra a corrupção e que hoje sabemos que usa o confronto contra a corrupção, como expediente de apelo popular na luta política contra os governos de Lula e Dilma.
Os desmandos da “República de Curitiba”, que foram tratados com indolência pelo STF, podem voltar à carga agora, depois do que ocorreu na Câmara. Nova tentativa de prender Lula pode acontecer. Qual a razão? não precisa. Será forjada de última hora para encobrir a motivação central, que é de arrefecer o entusiasmo das massas, humilhando seu maior líder. Precisamos alertar o movimento social de que esta hipótese está posta e que ela pode ser afastada se for desmascarada amplamente, com antecedência e por todos os meios.
* Haroldo Lima é engenheiro, foi deputado federal e diretor geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, e é membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.
Muito coerente, viva a democracia.
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