quarta-feira, 20 de abril de 2016

Dilma: "Vou lutar em todas as trincheiras"

Por Bruno Trezena

Dilma Rousseff estava sentada à mesa do gabinete presidencial no Palácio do Planalto na tarde de quarta-feira (20) olhando alguns papeis. Ela e uma assessora especial conversavam quando eu e mais oito blogueiros irrompemos delicadamente pela porta do espaço. A presidenta levantou-se com agilidade e veio nos abraçar afavelmente, perguntando o nome dos veículos de mídia independente presentes ali e sorrindo ao reconhece-los. Ali era Dilma Rousseff, uma mulher de 68 anos disposta a conversar sobre tudo. Iniciava-se, assim, mais uma coletiva de blogueiros com a Presidência da República.


Saúde

A primeira coisa que pude notar em sua fisionomia é como Dilma está bem. Ninguém que se alimenta de informação comercial consegue prever que a presidenta está tão forte diante de um cenário político tão avassalador. Matérias machistas, como a da IstoÉ, logo se esfarelam no ar em cinco minutos de conversa franca com Dilma. Ela comentou, inclusive: “O que fizeram foi uma clara atitude machista. O oligopólio midiático costuma praticar inúmeros abusos, mas o que fizeram foi de extrema misoginia. Na História, a mulher sempre esteve atrelada a estereótipos de histeria ou fraqueza. Ou é um, ou é outro. E isso é inaceitável. Somos tão fortes quanto vocês homens”, disse ela rindo.

Futuro

Dilma mostra clara indignação quando é questionada sobre o futuro. Em meio ao caos político que o país se afundou, claramente num projeto de “quanto pior, melhor” fomentado pelos partidos de oposição, a presidente tem clara noção do ódio que reverbera por aí. Dos mais recorrentes preconceitos à fala bizarra do deputado Jair Bolsonaro em referência ao torturador Brilhante Ustra. Aliás, é nele que surge uma informação importante, mas conto depois.

A presidenta faz menção que deseja um país mais humano no futuro: “Gostaria que meus netos, quando adultos, pudessem se preocupar com questões sociais e jamais realizar julgamentos injustos, como o que estou passando agora. Quero que vivam numa democracia forte, sem que a sociedade recorra ao ódio, intolerância, preconceitos ou bullying. É isso que espero, de coração”.

Injustiça

Quando questionada sobre o golpe em curso, Dilma é direta e enfática: “Sei muito bem que o impeachment é previsto na Constituição. Mas sem crime de responsabilidade é golpe. É disso que me refiro sempre”. A presidenta emenda que, mesmo depois da sessão na Câmara que decidiu pela abertura do processo, ainda preza pela instituição democrática: “Respeito muito os deputados porque a representatividade é importante no país, mas ali, naquele momento, a Casa ficou desnuda perante os milhões de cidadãos. Foi isso que chocou todo mundo”.

Ainda segundo ela, não tenta vitimizar o Governo, porque é vítima real de uma articulação para tomar o poder: “Não estou me vitimando, gente. É claro que sou uma vítima de um processo extremamente vergonhoso para a nossa História. Qualquer um que sofreu uma grande injustiça sabe do que falo. Sem crime de responsabilidade é farsa, um golpe”.

O vice

A presidenta é questionada em determinado momento se jamais lhe passou pela cabeça que Michel Temer pudesse estar articulando um golpe como este: “Não, tenho um motivo em especial que me fazia acreditar nisso. Que me fazia acreditar nele”. Sobre Temer estar conspirando nos bastidores do impeachment um novo governo, ela reitera: “Ninguém pode aceitar que um vice-presidente use de sua função para desvio de objetivo. Negociar cargos para um governo virtual é inaceitável. Só o voto popular e soberano pode garantir isso. E os votos dados foram a mim, não a ele”, concluiu.

Estratégia

O governo já anda com uma lupa na mão para cada passo do Senado Federal quanto ao rito do impeachment: “Vou lutar em todas as trincheiras que existirem. Não trabalho com a hipótese de afastamento, porque sei que não cometi crime nenhum. Mas na hipótese de qualquer erro por lá, iremos acionar as instância competentes, como o STF”.

Cunha

Achei engraçado uma expressão que a presidenta usou para o atual presidente da Câmara: “pecado comum”. Ela se refere a Eduardo Cunha como alguém sem legitimidade para conduzir o processo de impeachment, logo ele, um réu por corrupção: “Não é engraçado que esse golpe travestido de legalidade seja tocado por alguém como ele e sentado na presidência daquela Casa? O pecado comum está lá, a frente dessa farsa, contaminando parte do Parlamento”, critica.

Ditadura

Numa parte da coletiva, Dilma parece mais relaxada na cadeira da enorme mesa de madeira de lei. Com um abraço, apoia a cabeça e continua a entrevista contando um fato de sua história. Ela retorna aos primeiros meses de 1970, aos 21 anos, quando era prisioneira da Ditadura. O assunto se inicia pela fala de Bolsonaro no dia da votação em referência à Ustra: “A Grande Mídia erra muito, vocês sabem. Nunca disse que havia sido torturada pelo Ustra. Quando os jornais e revistas precisam, eles inventam mesmo”, aponta.

Ainda a presidenta, numa segunda-feira pós Carnaval daquele ano, entrava pela sede do DOI-Codi na Rua Barão de Limeira, Tijuca, quando viu o major pela primeira vez: “Ele se apresentou como doutor Tibiriçá”, diz. Mais tarde, momentos antes do término da pena que cumpria, reencontrou o militar no DOI-Codi: “Ele já era o tal Brilhante Ustra. Me olhou, reconheceu e disse que se voltasse ali ia acabar com a boca cheia de formiga. Aquilo foi fichinha perto do que os outros falavam e ameaçavam. Torturador é tudo igual, não tem maior ou menor”, conta.

No meio daquele papo, a presidenta emenda um pensamento com tom de sabedoria: “Lutei boa parte da minha vida pela democracia, mas nunca imaginei ter que lutar agora, aos 67 anos”.

Despedida

A presidenta tirou os tradicionais selfies com os jornalistas e contou uma piada com o “timer” da foto do celular de um deles. Estava ótima, bem e disposta. Muitos ali a abraçaram e desejaram força pelo momento. Ela, altiva, reiterava que tinha muitas forças para lutar pela democracia e o Governo, uma gestão eleita por 54 milhões de brasileiros.

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