A ascensão de Michel Temer à Presidência da República, a ser confirmada pelo Senado até a metade de maio, pode propiciar um ambiente favorável para a chamada bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia). Forças altamente relevantes no Congresso mais conservador desde de 1964, parlamentares evangélicos, ruralistas e ligados à segurança pública preparam uma coleção de pautas polêmicas para serem aprovadas até 2018, muitas das quais não têm apoio do PT e do governo Dilma Rousseff.
A principal bandeira dos ruralistas, a PEC 215, que dá ao Legislativo a palavra final na demarcação de terras indígenas, deve ser objeto de uma nova ofensiva por parte dos representantes do agronegócio.
Segundo indicou o coordenador da bancada, Jerônimo Goergen (PP-RS), ao jornal O Estado de S.Paulo, seu grupo vai pedir o apoio de Temer ao projeto, aprovado em comissão especial em 2015 e que ainda depende de votação nos plenários da Câmara e do Senado.
Outro alvo dos ruralistas é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). De acordo com Goergen, seus colegas pedirão a Temer para "fechar as torneiras" de programas que beneficiem o movimento. O deputado não citou temas específicos, mas em geral os projetos do qual o MST participa são programas de incentivo à agricultura familiar, responsável por cerca de 70% dos alimentos consumidos em todo o País e parte significativa das merendas em escolas públicas.
A Frente Parlamentar da Agropecuária também pedirá a Temer, segundo o UOL, para que o governo federal empregue o Exército para “mediar” conflitos agrários no País. “Às vezes é necessária uma ação em nível nacional. Por isso a necessidade de resgatar o papel das Forças Armadas”, disse o deputado Marcos Montes (PSD-MG), presidente da frente.
Atualmente, as Forças Armadas podem ser usadas em Operações de Garantia da Lei e da Ordem, previstas na Constituição, mas esse uso é pontual e por tempo limitado. Ocorreu, por exemplo, em 2014, no sul da Bahia em meio a um conflito entre índios tupinambás e produtores rurais. Não há detalhes sobre a proposta dos ruralistas, mas a declaração de Montes indica o desejo de entregar a tarefa da mediação ao Exército.
Desarmamento e maioridade
Para a bancada da bala, uma gestão Temer também pode ajudar a destravar sua maior prioridade, o afrouxamento do Estatuto do Desarmamento, aprovado em comissão da Câmara em outubro passado. O projeto precisa passar pelo plenário da Casa, mas até agora não foi pautado porque Dilma Rousseff é vista como um empecilho, segundo disse ao Estadão o deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF).
"É por isso que até agora não colocamos para votar essa questão do Estatuto do Desarmamento. Sabemos que na Casa passa, mas a presidente veta. Precisamos conversar mais com Michel [Temer] para ter a possibilidade de fazer uma pauta positiva”, afirmou o parlamentar, coordenador da Frente Parlamentar da Segurança Pública.
Outra proposta defendida pela bancada da bala, e para a qual esperam o apoio de Temer, é a redução da maioridade penal. Duramente criticada por especialistas, mas apoiada por grande parte da população, a medida depende de mudança na Constituição. Dilma Rousseff é contrária à redução, mas Temer tem uma posição pública dúbia sobre o tema.
Evangélicos e o varejo da política
A terceira parte da bancada BBB, a dos evangélicos, também aguarda de Temer uma sinalização para colocar em votação algumas de suas propostas, como o Estatuto da Família e o Estatuto do Nascituro.
Ao Estadão, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), tesoureiro da Frente Parlamentar Evangélica, afirmou que seu grupo entrou em contato com Temer e pediu apoio à agenda conservadora. “Já fomos até ele e sugerimos que ele crie uma interlocução oficial com a bancada BBB", disse Cavalcante. "Ele tem que entender que não é só interlocução com os líderes partidários que adianta”, disse.
A afirmação indica que a bancada BBB vai cobrar de Temer a fatura na votação do impeachment de Dilma Rousseff, quando entregaram mais de 80% de seus votos pelo afastamento da petista, conforme levantamento da Agência Pública. Foram 170 votos de ruralistas, 161 de evangélicos e 30 dos parlamentares da bancada da bala, sendo que diversos deles coincidem, uma vez que alguns deputados integram mais de uma frente.
Esses votos, entretanto, não farão parte automaticamente da base de apoio a Temer. Com uma agenda que deve incluir propostas altamente impopulares, como desvincular benefícios, incluindo aposentadorias, do salário mínimo, e acabar com os gastos obrigatórios em saúde e educação, Temer precisará dar algo em troca a esses parlamentares, muitos dos quais não serão contemplados com cargos e ministérios.
Se a opção do novo governo for ceder ao conservadorismo social, a agenda de restrições econômicas de Temer ficará conjugada à ofensiva contra direitos sociais. É o sonho da bancada BBB.
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