sábado, 9 de abril de 2016

Uma nova ofensiva da direita no campo

Por Alceu Luís Castilho, no site Outras Palavras:

Aos fatos:

1) Dois sem-terra foram mortos ontem em Quedas do Iguaçu, em ação conjunta da Polícia Militar do Paraná com seguranças da Araupel. A empresa ocupa terras da União. Sete mil pessoas disputam o território, no Acampamento Dom Tomás Balduíno. Pelo menos outros seis sem-terra ficaram feridos. Texto do MST descreve um ataque: “Sem Terra são assassinados no Paraná“. Os textos da grande imprensa falam em “confronto”. E apresentam a versão da polícia de que quem fez a emboscada foram os sem-terra. Os mortos: Vilmar Bordim, 44 anos, casado, três filhos; Leomar Bhorbak, 25 anos, que deixa a esposa grávida de nove meses.

2) Cento e dez famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) foram expulsas nesta semana do Acampamento Hugo Chávez, em Cacaulândia (RO). O acampamento foi sitiado. Depois, incendiado: “Acampamento do MST é incendiado um dia após serem expulsos, em RO“. Com direito a alteração da cena do crime: “Polícia faz perícia em acampamento do MST, em Cacaulândia, RO“.

3) Líder de trabalhadores rurais, Ivanildo Francisco da Silva foi assassinado anteontem em Mogeiro (PB), na frente da filha de um ano. Ela ficou chorando ao redor do corpo, suja de sangue. Silva presidia o PT no município. Para o deputado estadual Frei Anastácio (PT), ele foi mais uma vítima do latifúndio.

4) Na Bahia, o cacique Babau Tupinambá e seu irmão foram presos em Olivença, após reintegração de posse na Aldeia Gravatá: “Com acusações contraditórias, PM prende cacique Babau Tupinambá e o irmão na Bahia“. Eles denunciaram retirada de areia da área indígena.

Por que uma ofensiva?

É fato que conflitos no campo nunca deixaram de existir no Brasil. Ocorrem diariamente. Sob a forma de ameaças, despejos, assassinatos. A maior parte não é divulgada pela grande imprensa. Alguns ficam confinados à mídia alternativa. Outros são registrados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em relatórios que a imprensa igualmente minimizará, ou em pesquisas acadêmicas. Há, porém, elementos para identificar um acirramento específico da ofensiva dos proprietários de terra.

Um deles, claro, a simultaneidade dessas ações, com um grau de truculência acima da média. Outro, a própria demonstração de força. Duas mortes em um acampamento onde vivem milhares de famílias não são um fato banal, nem mesmo para os padrões brasileiros. Com a participação de uma polícia – a comandada pelo governador Beto Richa (PSDB) – que já demonstrou não ter pudores na repressão, como na greve dos professores, em abril do ano passado.

Mas o incêndio em Cacaulândia é emblemático de um esforço de intimidação: não se trata somente de reprimir, e sim de traumatizar, de deixar uma imagem muito forte (no caso, o fogo) de que eles, os grandes proprietários, têm o poder. Com a certeza de que o poder público pouco fará para reverter o processo. Isso já aconteceu em momentos históricos específicos. Como nos anos 80, com a ofensiva da União Democrática Ruralista (UDR), comandada pelo hoje senador Ronaldo Caiado (DEM-GO).

Existe também um contexto político de emergência dos setores violentos e fascistas (excludentes) da sociedade. Isso vem ocorrendo desde 2013, nas cidades, e foi potencializado em 2016 com a campanha pela deposição da presidente Dilma Rousseff. Com direito a agressões a quem pensa diferente ou veste a cor vermelha. Para completar, a bancada ruralista no Congresso e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) se posicionaram a favor do impeachment.

Não custa lembrar que líderes como o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) têm incitado a população contra o MST. Ele chegou a falar até em fuzilamento.

Do outro lado, movimentos como o MST representam a linha de frente de defesa da democracia, embora críticos às ações do governo federal. Não é o caso de todos os movimentos, como os indígenas. Para os defensores do capital no campo, tanto faz: seja MST, seja MAB, sejam os movimentos indígenas, todos compõem um campo inimigo, o daqueles que disputam as terras. E são associados, paradoxalmente, a um governo que não tem a questão agrária ou a questão indígena como prioridade.

Finalmente, cabe lembrar que esse mesmo governo acabara de fazer uma sinalização no sentido contrário: “Dilma desapropria terras para reforma agrária em ato com o MST no Planalto“. Isso foi no dia 1º de abril. Ato contínuo, o TCU decidiu barrar novos assentamentos: “TCU determina suspensão da seleção de beneficiários da reforma agrária“. Como se isso acontecesse em situações similares que envolvam fraudes: “Como assim, paralisar reforma agrária por fraudes? Vão parar o INSS também?

Um detalhe que pode não ser apenas um detalhe: as 110 famílias de sem-terra do MAB expulsas sob fogo em Cacaulândia estão provisoriamente alojadas em um ginásio em Ariquemes, numa avenida chamada Tancredo Neves.

Análise: Esquerda distraída

Setores da esquerda antigoverno (desses que se recusam a ver um golpe em curso) já se apressam a dizer que não há ofensiva da direita coisa nenhuma. E sim que a responsabilidade pelo que está acontecendo é do governo. Cheguei a ler a seguinte frase: “Colocar a culpa na direita é covardia”. Ora, é claro que todos os governos da história do Brasil têm responsabilidade direta pela barbárie no campo. E que o governo atual, mais ainda que o de Luiz Inácio Lula da Silva, tem na questão agrária um de seus calcanhares-de-Aquiles; não só foi omisso, como responsável direto pelo empoderamento de grandes proprietários rurais. Bastaria mencionar que a autorização para empresas de segurança no campo ocorreu na era lulopetista.

Agora, negar a existência da direita no campo, em um país com matriz escravocrata, no país da UDR, do Araguaia, das milícias (sim, com apoio de polícias militares, estaduais), é faltar com a atenção a algumas das informações históricas mais elementares para se entender a questão agrária no Brasil. Os latifundiários existem. Assim como as grandes empresas (agropecuárias, de mineração) que exploram os nossos recursos naturais. Não são uma ficção. São atores decisivos na formação do território e na perpetuação de nossa desigualdade – estejam mais ou menos tolerados ou apoiados pelo governo de plantão. Dilma e Lula perderam uma chance histórica de combater efetivamente a desigualdade no campo. E se aliaram com esses setores. Mas não consta que eles sejam, em si, o capital agropecuário, e nem que este vá largar o osso no caso da chegada de outro grupo ao poder – o que, aliás, ele prefere. Ao governo, o que é do governo. À direita, o que é da direita.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente: