sábado, 28 de maio de 2016

A desidratação de Michel Temer

Por Tereza Cruvinel, em seu blog:

As duas primeiras semanas do governo interino de Michel Temer foram devastadoras para sua sustentação e efetivação depois de uma agora não tão certa condenação da presidente afastada Dilma Rousseff. Tão precoce corrosão vem sendo determinada por um fator congênito, a ilegitimidade decorrente da natureza golpista do impeachment, e os erros cometidos com determinação pelo governo e pelo próprio presidente. 

Já deu para ver que Temer não será um Itamar Franco: um presidente de transição que entendeu seu papel e tratou de representá-lo com a combinação de grandeza e a humildade que o momento exigia. Efetivado, fez o melhor possível no curto tempo restante, inclusive o Plano Real, cuja paternidade é sempre atribuída exclusivamente a seu ministro da Fazenda, FHC.

Não há evidência maior da deterioração acelerada do que o fato de a grande mídia, depois da enorme contribuição dada ao afastamento de Dilma, estar agora veiculando caudalosamente as gravações de Sergio Machado que expõem, de maneira obscena, as conspirações para fazer do impeachment uma grande operação abafa da Lava Jato. Agora até a Veja admite que o impeachment foi uma grande armação das oligarquias de sempre. 

Por detrás desta enxurrada de conversas desmoralizantes para os partidos que apoiam o novo governo, e do tratamento que a mídia lhe dispensa, estão os primeiros indícios de que as fichas da aposta começam a ser recolhidas. Não para permitir a restauração do governo Dilma mas para viabilizar uma outra pactuação, na melhor das hipóteses pela antecipação da eleição presidencial. Deve estar para sair uma pesquisa, do Ibope ou do Datafolha, sobre a avaliação do presidente interino nestes dias trepidantes que estão gerando frustração e não esperança.

Diferentemente de Itamar Franco, Temer ignorou o significado da interinidade. Comportou-se como um presidente eleito indiretamente e fez da aspereza a marca inicial da gestão. Insurgiu-se contra as estruturas e as políticas públicas que vinham sendo implementadas pela presidente da qual era vice, com a qual fora eleito a partir de outro programa. A tomada do poder com indisfarçada energia revanchista, chutando a porta, derrubando as estruturas, removendo os antigos colaboradores com incivilidade, e toda uma coreografia de assalto ao butim, não passou desapercebida pela população, inclusive por setores que apoiaram o impeachment. Ao anunciar as primeiras medidas fiscais, Temer afirmou, em tom de queixa, que é interino mas não pode deixar o país parado. Não se trata disso, ele sabe. Deixar o pais parado é uma coisa. Ignorar que ainda há uma presidente com mandato, apenas impedida de exercê-lo, é outra.

Itamar Franco montou uma equipe provisória com todos os partidos que apoiaram o afastamento de Collor. O PT liberou Walter Barelli, neste primeiro momento, para assumir o Trabalho. Quando veio o governo definitivo, após a condenação de Collor, é que cometeu o erro de vetar o ingresso de Erundina na equipe. A única exigência de Itamar aos partidos foi a de que os indicados fossem à prova de denúncias de corrupção. Temer, por sua vez, nomeou investigados pela Lava Jato. Já perdeu Jucá e é grande a pressão para que afaste logo Henrique Alves. Muitos outros foram citados por Sergio Machado como vulneráveis. Ainda na interinidade, uma das poucas inovações de Itamar foi criar a Comissão Nacional de Combate à Corrupção. Já Temer chegou ao cargo ungido pelos que conceberam o impeachment como “um grande acordo para estancar esta sangria”.

Recordemos a conversa:

MACHADO - Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer].

JUCÁ - Só o Renan [Calheiros] que está contra essa porra. 'Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha'. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.

MACHADO - É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.

JUCÁ - Com o Supremo, com tudo.

MACHADO - Com tudo, aí parava tudo.

JUCÁ - É. Delimitava onde está, pronto.

Mas Temer deve ter motivos para não agir como interino e fazer tudo ao contrário de Itamar, o primeiro “presidente interino” que o Brasil teve por motivo de impeachment. Entre 3 de outubro, dia em que tomou posse como chefe do governo provisório, e 29 de dezembro, dia da condenação de Collor, Itamar Franco não forçou as costuras do paletó de interino. Todos os ministros foram orientados a gerir suas pastas com sobriedade, trocando apenas os ocupantes de cargos de estrita confiança, e gerindo as políticas que estavam em curso sem grandes piruetas. Gustavo Krause, na Fazenda, foi orientado a zelar pela estabilidade econômica e o controle possível da inflação. No governo definitivo é que Itamar passaria a buscar um plano arrojado para debelar a inflação, que veio a ser o Real. Temer, em poucos dias, não pacificou nem reunificou. Seu governo espalhou mais ventos e começa a colher tempestades.

Temer, todos sabem, deu um cavalo de pau na estrutura governamental e na política econômica. A equipe econômica está implementando um programa com medidas de arrocho que alegram os financistas e assombram os trabalhadores. Tornou invisíveis, dentro de secretarias de pouco importância, temas como políticas para mulheres, direitos humanos e igualdade racial. A intolerância para com os que deixaram o governo vitimou até mesmo um garçom, por sinal negro, do gabinete presidencial. Fala-se muito, nas repartições, em “espantar o cheiro de petista”. A forte reação do setor de cultura forçou a recriação do Minc mas eles continuam nas ruas, gritando “Fora Temer”. Os movimentos sociais já sitiaram a casa de Temer em São Paulo e apoiadores do impeachment vivem sendo “escrachados” dentro de aviões, na praia, no comércio. A Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo organizam novas manifestações.

Por que faz tudo isso, mesmo tendo prometido ser alguém “capaz de unificar o país”? Por que tanta trepidação. Em sua entrevista à Folha, no dia 22, (antes do furacão Sergio Machado), o editor da revista americana Foreign Polícy, David Rothkopf, também manifestou estranheza. Revisitando:

Folha - O sr. já se manifestou pessimista também com o governo Temer.
David Rothkopf - Não só ele está sob uma nuvem de suspeitas, mas tantos membros do Congresso estão que parece que mais caos, batalhas políticas e paralisia absoluta são muito prováveis.

Se ele é culpado de quaisquer dos crimes de que é acusado, ele deveria renunciar. Porque se ele não faz isso e também é removido do cargo, seria uma catástrofe para o Brasil e para a democracia brasileira.

Se ele não é culpado, então ele deveria seguir uma agenda simples, focada na recuperação econômica e particularmente no bem estar dos mais pobres, que são os que mais sofrem com a recessão, enquanto permite a atores independentes combater a corrupção em todos os níveis. Investigações, leis e reformas que combatam de fato esse mal. Só com um esforço intensivo ele pode ganhar alguma credibilidade real.”


Temer, entretanto, optou não por uma agenda simples e conciliadora mas por uma agenda de guerra. Uma agenda que levanta poeira, propiciando aos que tramaram o impeachment a execução do plano de escapar no meio da ventania, no bojo de um acordo de que o Brasil não deveria ter tomado conhecimento. Mas a politica é feita de contradições, e foram elas que permitiram o vazamento das gravações de Sergio Machado.

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