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"Não podemos permitir que grupos conspiradores violem a Constituição em nome de sua defesa. Toda Democracia é perfectível, caso conte com a participação social. Hoje, a democracia representativa está em questionamento, na qual o povo vota, fica por quatro anos em estado de indefensibilidade, e os governantes fazem o que querem e não o que devem. O desafio atual é passar à democracia participativa, onde a sociedade decida sobre os grandes problemas que afetam o país, ao invés dos grandes núcleos de poder econômico internos e externos. Aos povos de Nossa América resta a resistência social, cultural e política, para defender os direitos de todos, incluídas as nossas democracias”, escreve Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz, em artigo publicado por Página/12, 17-05-2016. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
O governo democrático do Brasil caiu sob a intriga palaciana de deputados e senadores, com a cumplicidade de setores jurídicos e empresariais. O Parlamento criminalizou um ato de governo público e legal que outros governos já haviam utilizado e, sem que houvesse um crime comprovado – como exige a Constituição -, destituiu Dilma Rousseff.
Aplicou-se a metodologia de "Golpe de Estado Branco”, já experimentado em Honduras e Paraguai, abrindo uma séria advertência para atuais e futuros governos do continente que tentem ampliar margens de soberania e aumentar a distribuição de renda para os povos.
Em minha recente viagem ao Brasil, pude fazer o que vários organismos internacionais não puderam: reuni-me com a presidenta, os senadores governistas e opositores, com o presidente do Supremo Tribunal Federal, o secretário geral da Conferência Nacional dos Bispos e os movimentos sociais. Publiquei os detalhes na Folha de São Paulo. Isto me permitiu uma visão suficientemente ampla do que ocorre por lá, para saber que há setores que não têm intenções de resolver a atual crise política e econômica, mas navegá-la para dirigir tudo, sem outra permissão a não ser a que eles próprios se conferem.
Após a substituição da presidenta, o Secretário Geral da Unasul disse que "coloca em risco a estabilidade democrática da região”; o da OEA considerou que gera "insegurança jurídica” e conduziu uma consulta à Corte Interamericana de Direitos Humanos; El Salvador desconheceu o governo interino e chamou sua embaixadora; os países da ALBA, integrada por Venezuela, Cuba, Nicarágua, Equador e Bolívia, disseram que se tratou de um "golpe”; e Chile e Uruguai demonstraram sua "preocupação”.
O primeiro governo a reconhecer o golpe e pedir que se "respeite o processo institucional” foi o de Mauricio Macri, em sintonia com o pedido da administração de Barack Obama de "confiar nas instituições brasileiras”.
Domesticar governos e recolonizar a América Latina é o objetivo. O que a direita não consegue conquistar nas urnas, buscará alcançar mediante a destituição ilegal de presidentes, a privatização de empresas do Estado e a entrega de recursos naturais.
Não sou de acreditar nas casualidades. Segundo documentos revelados por WikiLeaks, o atual depositário da presidência, Michel Temer, foi colaborador da inteligência norte-americana entregando documentos sensíveis a sua embaixada. E a atual Embaixadora dos Estados Unidos no Brasil é a mesma que estava no Paraguai quando se realizou o golpe destituinte a Lugo.
Por sua parte, Temer já anunciou suas próximas medidas econômicas, não votadas pelo povo do Brasil: aumentar impostos, "privatizar tudo o que se possa” (sic), e reduzir o gasto público e social. Para isso, formou um gabinete que confirma suas prioridades: não há nenhuma mulher, nenhum índio, nenhum negro. Todos homens brancos e milionários. Incluindo o maior vendedor de soja do mundo como responsável do Ministério da Agricultura, e muitos envolvidos em graves casos de corrupção que se supõe que vieram para combater.
Nenhuma Democracia, nem governo eleito, é perfeita. Porém, não podemos permitir que grupos conspiradores violem a Constituição em nome de sua defesa. Toda Democracia é perfectível, caso conte com a participação social. Hoje, a democracia representativa está em questionamento, na qual o povo vota, fica por quatro anos em estado de indefensibilidade, e os governantes fazem o que querem e não o que devem. O desafio atual é passar à democracia participativa, onde a sociedade decida sobre os grandes problemas que afetam o país, ao invés dos grandes núcleos de poder econômico internos e externos. Aos povos de Nossa América resta a resistência social, cultural e política, para defender os direitos de todos, incluídas as nossas democracias.
* Fonte: IHU
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