Por Antônio Albano de Freitas, no site Brasil Debate:
Diz lá no início de nossa Constituição Federal de 1988 que todo o poder emana do povo, e que este o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da própria Constituição (Art. 1º. parágrafo único).
Com a permissão de alguns números, no entanto, vamos levantar hipóteses acerca deste exercício de poder e representatividade, em específico, para o caso dos 81 senadores que votaram pela admissibilidade do processo de impeachment da presidente, agora afastada, Dilma Rousseff.
Em termos bem genéricos, vale dizer: estes 81 senadores têm um patrimônio acumulado, no ano de 2016, de R$ 1,28 bilhão. Este astronômico valor possivelmente ainda está subestimado, pois se fez apenas a correção pelo IGP-M, sem levar em consideração valorizações imobiliárias e financeiras desde as eleições. Por definição, isso significa que, em média, estes 81 senadores têm o equivalente a 5909% do patrimônio líquido médio em vigor no conjunto dos declarantes de Imposto de Renda (cerca de 27 milhões em 2015).
Claro, aqui estamos falando de média, e alguns senadores imediatamente esbravejariam não fazer parte deste imenso bolo. Não deixa de ser curioso, contudo, que caso fosse instituído um Imposto sobre Grandes Fortunas, parecido com o existente na França, e que se tributassem patrimônios a partir de R$5 milhões, no mínimo entre 25-30% dos senadores estariam afetados. Será por essa razão, então, que este imposto, previsto em nossa Constituição, até hoje não foi regulamentado?
Dos 81 senadores, apenas 14,8% são mulheres, sendo que, de acordo com o IBGE, estas representam 50,6% da população brasileira. O patrimônio médio das senadoras, por sinal, corresponde a somente 17% do patrimônio médio dos senadores. O que reflete, em boa parte, a triste realidade do país de que as mulheres, mesmo com nível de qualificação similar, recebem menos do que os homens.
Dos 27 senadores eleitos em 2014, não há nenhum que tenha declarado ser negro à Justiça Eleitoral. E apenas cinco se declararam pardos: Gladson Cameli (PP-AC), David Alcolumbre (DEM-AP), Romário (PSB-RJ), Fátima Bezerra (PT-RN) e Telmário Mota (PDT-RR). Todos os demais disseram ser brancos.
Como 2014 foi a primeira eleição em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) inseriu a pergunta sobre a cor da pele na ficha de inscrição dos candidatos, não é possível afirmar como se declararam os 54 senadores que foram eleitos em 2010. De uma leitura não oficial, poder-se-ia arriscar que, dos atuais 81 senadores, não mais que 30% são negros ou pardos. Segundo a PNAD de 2014, divulgada pelo IBGE, por sua vez, 53% dos brasileiros se declararam pardos ou negros.
E quanto à votação do impeachment? Neste sentido, é interessante perceber que, em alguma medida, ser a favor da admissibilidade do impeachment também tem cheiro de riqueza. Senão vejamos. O patrimônio mediano dos que votaram a favor da admissibilidade do impeachment é 142% maior do que o daqueles que votaram contra. Dentre as 12 senadoras, as seis “mais pobres” votaram contra e as seis mais ricas votaram a favor.
De modo análogo, dentre os senadores votantes (retirando-se aqui três ausências e uma abstenção, 65, portanto), a incidência de se ter um voto contra o impeachment é maior entre os senadores “mais pobres”. Entre os 50% mais ricos esta taxa é de 18,8%. Entre os 50% “mais pobres” 30,3%. E entre os 10% (entre os 11% para ser preciso) “mais pobres” 71%.
Aqui, um parêntese. Em recente palestra proferida em uma universidade progressista norte-americana, Yanis Varoufakis, ex-ministro de finanças da Grécia (e do partido Syriza), comentou os bastidores do modus operandis de suas tratativas com políticos para solucionar a questão da dívida e da recessão grega em 2015. Um dos pontos que mais chamaram a atenção foi quando o ex-ministro expôs os limites da democracia capitalista para a plateia.
Em certa ocasião, discorreu o palestrante, após intenso debate com membros do alto escalão da União Europeia, Yanis sugeriu que se realizasse uma consulta ao povo grego para ver se este aceitava ou não o acordo econômico de austeridade submetido pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI ao seu país. Tão logo a sugestão fora finalizada por Varoufakis, diversos Ministros de Finanças da Europa o indagaram feroz e pejorativamente: “Você percebe estar colocando o seu povo em uma situação difícil de ter que realizar importante decisão sobre questões complicadas? ” Ao que Yanis respondeu prontamente: “sim, isto se chama democracia! ”.
Voltando, por fim, à conjuntura brasileira recente poder-se-ia indagar: e se o povo brasileiro, ali atrás, fosse consultado acerca deste processo de impeachment? Estaríamos, hoje, vivenciando um governo desprovido de legitimidade? Talvez devêssemos convidar Yanis a palestrar mais ao sul da América.
Diz lá no início de nossa Constituição Federal de 1988 que todo o poder emana do povo, e que este o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da própria Constituição (Art. 1º. parágrafo único).
Com a permissão de alguns números, no entanto, vamos levantar hipóteses acerca deste exercício de poder e representatividade, em específico, para o caso dos 81 senadores que votaram pela admissibilidade do processo de impeachment da presidente, agora afastada, Dilma Rousseff.
Em termos bem genéricos, vale dizer: estes 81 senadores têm um patrimônio acumulado, no ano de 2016, de R$ 1,28 bilhão. Este astronômico valor possivelmente ainda está subestimado, pois se fez apenas a correção pelo IGP-M, sem levar em consideração valorizações imobiliárias e financeiras desde as eleições. Por definição, isso significa que, em média, estes 81 senadores têm o equivalente a 5909% do patrimônio líquido médio em vigor no conjunto dos declarantes de Imposto de Renda (cerca de 27 milhões em 2015).
Claro, aqui estamos falando de média, e alguns senadores imediatamente esbravejariam não fazer parte deste imenso bolo. Não deixa de ser curioso, contudo, que caso fosse instituído um Imposto sobre Grandes Fortunas, parecido com o existente na França, e que se tributassem patrimônios a partir de R$5 milhões, no mínimo entre 25-30% dos senadores estariam afetados. Será por essa razão, então, que este imposto, previsto em nossa Constituição, até hoje não foi regulamentado?
Dos 81 senadores, apenas 14,8% são mulheres, sendo que, de acordo com o IBGE, estas representam 50,6% da população brasileira. O patrimônio médio das senadoras, por sinal, corresponde a somente 17% do patrimônio médio dos senadores. O que reflete, em boa parte, a triste realidade do país de que as mulheres, mesmo com nível de qualificação similar, recebem menos do que os homens.
Dos 27 senadores eleitos em 2014, não há nenhum que tenha declarado ser negro à Justiça Eleitoral. E apenas cinco se declararam pardos: Gladson Cameli (PP-AC), David Alcolumbre (DEM-AP), Romário (PSB-RJ), Fátima Bezerra (PT-RN) e Telmário Mota (PDT-RR). Todos os demais disseram ser brancos.
Como 2014 foi a primeira eleição em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) inseriu a pergunta sobre a cor da pele na ficha de inscrição dos candidatos, não é possível afirmar como se declararam os 54 senadores que foram eleitos em 2010. De uma leitura não oficial, poder-se-ia arriscar que, dos atuais 81 senadores, não mais que 30% são negros ou pardos. Segundo a PNAD de 2014, divulgada pelo IBGE, por sua vez, 53% dos brasileiros se declararam pardos ou negros.
E quanto à votação do impeachment? Neste sentido, é interessante perceber que, em alguma medida, ser a favor da admissibilidade do impeachment também tem cheiro de riqueza. Senão vejamos. O patrimônio mediano dos que votaram a favor da admissibilidade do impeachment é 142% maior do que o daqueles que votaram contra. Dentre as 12 senadoras, as seis “mais pobres” votaram contra e as seis mais ricas votaram a favor.
De modo análogo, dentre os senadores votantes (retirando-se aqui três ausências e uma abstenção, 65, portanto), a incidência de se ter um voto contra o impeachment é maior entre os senadores “mais pobres”. Entre os 50% mais ricos esta taxa é de 18,8%. Entre os 50% “mais pobres” 30,3%. E entre os 10% (entre os 11% para ser preciso) “mais pobres” 71%.
Aqui, um parêntese. Em recente palestra proferida em uma universidade progressista norte-americana, Yanis Varoufakis, ex-ministro de finanças da Grécia (e do partido Syriza), comentou os bastidores do modus operandis de suas tratativas com políticos para solucionar a questão da dívida e da recessão grega em 2015. Um dos pontos que mais chamaram a atenção foi quando o ex-ministro expôs os limites da democracia capitalista para a plateia.
Em certa ocasião, discorreu o palestrante, após intenso debate com membros do alto escalão da União Europeia, Yanis sugeriu que se realizasse uma consulta ao povo grego para ver se este aceitava ou não o acordo econômico de austeridade submetido pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI ao seu país. Tão logo a sugestão fora finalizada por Varoufakis, diversos Ministros de Finanças da Europa o indagaram feroz e pejorativamente: “Você percebe estar colocando o seu povo em uma situação difícil de ter que realizar importante decisão sobre questões complicadas? ” Ao que Yanis respondeu prontamente: “sim, isto se chama democracia! ”.
Voltando, por fim, à conjuntura brasileira recente poder-se-ia indagar: e se o povo brasileiro, ali atrás, fosse consultado acerca deste processo de impeachment? Estaríamos, hoje, vivenciando um governo desprovido de legitimidade? Talvez devêssemos convidar Yanis a palestrar mais ao sul da América.
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