Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
A unificação das lideranças do movimento social e dos partidos interessados em travar a luta essencial, mas dificílima, pela restauração da democracia brasileira após o golpe de abril-maio enfrenta dificuldades reais, mas pode ser menos complicada do que parece, como se viu numa reunião organizada na terça-feira, em Brasília, na presença de Dilma Rousseff.
A diferença principal entre uns e outros se concentra na proposta de Dilma defender um plebiscito para antecipar as eleições presidenciais, que deixariam de ser realizadas em outubro de 2018, como marca o calendário atual, para ocorrerem no final de 2016 ou início de 2017.
Liderado por Roberto Requião, um grupo de senadores acredita que a proposta é indispensável para assegurar a conquista de pelo menos cinco votos necessários para se chegar ao mínimo 27 senadores contrários ao impeachment. Caso este número venha a ser atingido, Michel Temer deverá retirar-se do Planalto, para que Dilma retorne ao gabinete que conquistou em outubro de 2014.
Conforme o senador Agacir Gurcacz, um aliado quase integral do governo Dilma que votou pela abertura do impeachment em 11 de maio, sem oferecer uma resposta a questão que em Brasília é chamada de “ governabilidade”, não há hipótese de a presidente obter o apoio necessário para retornar.
Do outro lado, a Central Única dos Trabalhadores, o MST, a Frente Brasil Popular, e outras entidades, questionaram a proposta do plebiscito. Aqui o argumento envolve princípios democráticos. De seu ponto de vista, plebiscito seria uma forma de abandonar a postura assumida nos últimos meses, quando se combateu o impeachment com base num argumento central – a ausência de crime de responsabilidade configura a mudança forçada de governo como um golpe de Estado. Ao aceitar a ideia de plebiscito, após a quebra de um mandato obtido em urnas, dá-se continuidade às votações ilegítimas de abril-maio, que afastaram Dilma com uma argumentação de natureza política – como “ governabilidade”, uma entre tantas - típica de regimes parlamentaristas e não presidencialistas. Um golpe, portanto.
Por minha conta, acrescento que não custa lembrar que foi a partir da resistência em nome desse princípio democrático que Dilma conseguiu recuperar-se aos olhos da população, inclusive em pesquisas de opinião.
O encontro com a presidente teve momentos ásperos e alfinetadas memoráveis, inevitáveis quando políticos profissionais e lideranças populares se reúnem para debater lutas comuns. Embora a argumentação dos senadores tenha apoio num raciocínio lógico, de quem faz um diagnóstico de uma situação concreta, apontando para a necessidade de a presidente encontrar caminhos para garantir os votos que lhe faltam num ambiente sempre viciado do Congresso em qualquer país do mundo, a crítica dos movimentos sociais também possui um valor inegável.
Para começar, a capacidade de blefe das lideranças políticas brasileiras para antecipar resultados errados em votações decisivas já faz parte de nosso anedotário político.
Ressurgiu de forma gloriosa quando a Câmara aprovou a abertura do impeachment por uma diferença de 30 votos acima do mínimo necessário – no mesmo dia, era possível ler nas redes sociais a previsão de que Dilma seria vitoriosa por larga margem.
Outro aspecto, mais relevante, diz respeito ao papel da luta popular na defesa do mandato de Dilma. Ao aceitar que um impasse com a envergadura de um mandato presidencial - num momento histórico que está longe de ser um período qualquer - pode resolver-se através de um atalho descoberto no Congresso, cria-se o risco de enfraquecer a mobilização da base da sociedade.
Num clássico arranjo de cúpulas, numa nova versão da clássica conciliação entre elites que marcou tantos momentos da história brasileira, a mobilização popular deixaria de ser prioridade num conflito que irá definir o destino da sociedade brasileira nas próximas décadas, seja no esforço para dar continuidade a programas de bem-estar social, seja para um projeto de retrocesso em toda linha.
Apesar das diferenças, o encontro encerrou-se num ambiente de relativa aproximação. Nos próximos dias, a Central Única de Trabalhadores irá realizar encontros internos para discutir o assunto. O mesmo deve ocorrer na maioria das entidades presentes. (A maior resistência encontra-se entre os líderes do MST, irredutíveis na defesa do mandato integral de Dilma).
Ninguém acredita que a CUT ou outras entidades irão assumir o plebiscito como um projeto de sua autoria, mas é provável que tenham uma postura mais flexível depois das discussões internas. Deixarão de fazer críticas contundentes. É até possível que deixem escapar palavras simpáticas a proposta. Isso decorre de uma consideração difícil de negar. Mesmo lembrando que a Constituição não aceita o impeachment por motivos políticos, parece impossível conquistar o retorno de Dilma à cadeira que obteve nas urnas sem dar uma resposta objetiva a situação política gerada por seu desgaste e sua rejeição.
O plebiscito surge como uma resposta a isso. Último elo de ligação entre o Executivo e a soberania popular, através do plebiscito Dilma entrega ao eleitorado a palavra final sobre o destino do país. Difícil negar que seja uma boa ideia num país cioso de sua democracia.
Há outro aspecto, de sentido histórico. A defesa incondicional do direito de Dilma retornar à presidência cumpre a função de impedir um desmanche – de natureza possivelmente irreversível – daquele modelo de Estado brasileiro construído a partir da década de 1930. Com as limitações e deficiências que todos conhecem, estamos falando de uma instituição que teve um papel decisivo na construção do Brasil como uma nação diferenciada em relação aos vizinhos, com maior potencial de desenvolvimento e bem-estar social, assumindo, nos últimos anos, um papel de liderança inconteste naquela parte da América abaixo do Rio Grande. Esta situação peculiar permitiu que, durante os anos iniciais da crise de 2008-2009, a economia brasileira fizesse o contra ciclo, em oposição a uma tendência majoritária da economia mundial – postura correta que se tornaria inviável quando a austeridade das grandes economias produziu armadilhas e desastres que até hoje ninguém sabe como resolver.
A compreensão dessa situação determina a necessidade, urgente, de derrotar o impeachment e afastar Temer. Estamos falando de um governo – formado por autoridades derrotadas nas urnas de 2014 e um vice sem voto próprio - que encara a si mesmo como uma janela de oportunidade. Compreende-se, por isso, a causa de tanta pressa e tanta perversidade, num serviço meticuloso e desequilibrado no sentido patronal e imperial, como poucas vezes se viu na história recente do capitalismo brasileiro.
Há uma causa definitiva para nunca descuidar da mobilização popular, porém. É a seguinte.
Mesmo que tudo dê certo e Dilma consiga sair-se vitoriosa na votação definitiva dos senadores, acho pura ingenuidade imaginar que seus adversários irão curvar-se diante da derrota e, cavalheirescamente, abandonar a disputa em nome das boas regras da democracia.
Aprendemos todos os dias que este manual de boas maneiras políticas não faz parte da biblioteca de estudo dos vitoriosos do golpe de abril-maio. Eles são membros de uma conspiração de longo curso, com sentido estratégico. Há muito aprenderam a fazer uso da democracia por conveniência – não por convicção. Por essa razão, mais do que nunca a mobilização popular deve ser estimulada e preservada. Teremos uma luta difícil e duradoura.
Esta é e continua a ser a grande questão.
A unificação das lideranças do movimento social e dos partidos interessados em travar a luta essencial, mas dificílima, pela restauração da democracia brasileira após o golpe de abril-maio enfrenta dificuldades reais, mas pode ser menos complicada do que parece, como se viu numa reunião organizada na terça-feira, em Brasília, na presença de Dilma Rousseff.
A diferença principal entre uns e outros se concentra na proposta de Dilma defender um plebiscito para antecipar as eleições presidenciais, que deixariam de ser realizadas em outubro de 2018, como marca o calendário atual, para ocorrerem no final de 2016 ou início de 2017.
Liderado por Roberto Requião, um grupo de senadores acredita que a proposta é indispensável para assegurar a conquista de pelo menos cinco votos necessários para se chegar ao mínimo 27 senadores contrários ao impeachment. Caso este número venha a ser atingido, Michel Temer deverá retirar-se do Planalto, para que Dilma retorne ao gabinete que conquistou em outubro de 2014.
Conforme o senador Agacir Gurcacz, um aliado quase integral do governo Dilma que votou pela abertura do impeachment em 11 de maio, sem oferecer uma resposta a questão que em Brasília é chamada de “ governabilidade”, não há hipótese de a presidente obter o apoio necessário para retornar.
Do outro lado, a Central Única dos Trabalhadores, o MST, a Frente Brasil Popular, e outras entidades, questionaram a proposta do plebiscito. Aqui o argumento envolve princípios democráticos. De seu ponto de vista, plebiscito seria uma forma de abandonar a postura assumida nos últimos meses, quando se combateu o impeachment com base num argumento central – a ausência de crime de responsabilidade configura a mudança forçada de governo como um golpe de Estado. Ao aceitar a ideia de plebiscito, após a quebra de um mandato obtido em urnas, dá-se continuidade às votações ilegítimas de abril-maio, que afastaram Dilma com uma argumentação de natureza política – como “ governabilidade”, uma entre tantas - típica de regimes parlamentaristas e não presidencialistas. Um golpe, portanto.
Por minha conta, acrescento que não custa lembrar que foi a partir da resistência em nome desse princípio democrático que Dilma conseguiu recuperar-se aos olhos da população, inclusive em pesquisas de opinião.
O encontro com a presidente teve momentos ásperos e alfinetadas memoráveis, inevitáveis quando políticos profissionais e lideranças populares se reúnem para debater lutas comuns. Embora a argumentação dos senadores tenha apoio num raciocínio lógico, de quem faz um diagnóstico de uma situação concreta, apontando para a necessidade de a presidente encontrar caminhos para garantir os votos que lhe faltam num ambiente sempre viciado do Congresso em qualquer país do mundo, a crítica dos movimentos sociais também possui um valor inegável.
Para começar, a capacidade de blefe das lideranças políticas brasileiras para antecipar resultados errados em votações decisivas já faz parte de nosso anedotário político.
Ressurgiu de forma gloriosa quando a Câmara aprovou a abertura do impeachment por uma diferença de 30 votos acima do mínimo necessário – no mesmo dia, era possível ler nas redes sociais a previsão de que Dilma seria vitoriosa por larga margem.
Outro aspecto, mais relevante, diz respeito ao papel da luta popular na defesa do mandato de Dilma. Ao aceitar que um impasse com a envergadura de um mandato presidencial - num momento histórico que está longe de ser um período qualquer - pode resolver-se através de um atalho descoberto no Congresso, cria-se o risco de enfraquecer a mobilização da base da sociedade.
Num clássico arranjo de cúpulas, numa nova versão da clássica conciliação entre elites que marcou tantos momentos da história brasileira, a mobilização popular deixaria de ser prioridade num conflito que irá definir o destino da sociedade brasileira nas próximas décadas, seja no esforço para dar continuidade a programas de bem-estar social, seja para um projeto de retrocesso em toda linha.
Apesar das diferenças, o encontro encerrou-se num ambiente de relativa aproximação. Nos próximos dias, a Central Única de Trabalhadores irá realizar encontros internos para discutir o assunto. O mesmo deve ocorrer na maioria das entidades presentes. (A maior resistência encontra-se entre os líderes do MST, irredutíveis na defesa do mandato integral de Dilma).
Ninguém acredita que a CUT ou outras entidades irão assumir o plebiscito como um projeto de sua autoria, mas é provável que tenham uma postura mais flexível depois das discussões internas. Deixarão de fazer críticas contundentes. É até possível que deixem escapar palavras simpáticas a proposta. Isso decorre de uma consideração difícil de negar. Mesmo lembrando que a Constituição não aceita o impeachment por motivos políticos, parece impossível conquistar o retorno de Dilma à cadeira que obteve nas urnas sem dar uma resposta objetiva a situação política gerada por seu desgaste e sua rejeição.
O plebiscito surge como uma resposta a isso. Último elo de ligação entre o Executivo e a soberania popular, através do plebiscito Dilma entrega ao eleitorado a palavra final sobre o destino do país. Difícil negar que seja uma boa ideia num país cioso de sua democracia.
Há outro aspecto, de sentido histórico. A defesa incondicional do direito de Dilma retornar à presidência cumpre a função de impedir um desmanche – de natureza possivelmente irreversível – daquele modelo de Estado brasileiro construído a partir da década de 1930. Com as limitações e deficiências que todos conhecem, estamos falando de uma instituição que teve um papel decisivo na construção do Brasil como uma nação diferenciada em relação aos vizinhos, com maior potencial de desenvolvimento e bem-estar social, assumindo, nos últimos anos, um papel de liderança inconteste naquela parte da América abaixo do Rio Grande. Esta situação peculiar permitiu que, durante os anos iniciais da crise de 2008-2009, a economia brasileira fizesse o contra ciclo, em oposição a uma tendência majoritária da economia mundial – postura correta que se tornaria inviável quando a austeridade das grandes economias produziu armadilhas e desastres que até hoje ninguém sabe como resolver.
A compreensão dessa situação determina a necessidade, urgente, de derrotar o impeachment e afastar Temer. Estamos falando de um governo – formado por autoridades derrotadas nas urnas de 2014 e um vice sem voto próprio - que encara a si mesmo como uma janela de oportunidade. Compreende-se, por isso, a causa de tanta pressa e tanta perversidade, num serviço meticuloso e desequilibrado no sentido patronal e imperial, como poucas vezes se viu na história recente do capitalismo brasileiro.
Há uma causa definitiva para nunca descuidar da mobilização popular, porém. É a seguinte.
Mesmo que tudo dê certo e Dilma consiga sair-se vitoriosa na votação definitiva dos senadores, acho pura ingenuidade imaginar que seus adversários irão curvar-se diante da derrota e, cavalheirescamente, abandonar a disputa em nome das boas regras da democracia.
Aprendemos todos os dias que este manual de boas maneiras políticas não faz parte da biblioteca de estudo dos vitoriosos do golpe de abril-maio. Eles são membros de uma conspiração de longo curso, com sentido estratégico. Há muito aprenderam a fazer uso da democracia por conveniência – não por convicção. Por essa razão, mais do que nunca a mobilização popular deve ser estimulada e preservada. Teremos uma luta difícil e duradoura.
Esta é e continua a ser a grande questão.
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