Domingo passado, Fernando Henrique Cardoso publicou um artigo intitulado “Luz no fim do túnel?”. Parece ser o primeiro de uma série dedicada à reforma política que gostaria que o governo Temer patrocinasse.
No texto há uma mudança de tom em relação à sua produção corrente. Ao contrário do que andou escrevendo nos dias em que estava ocupado com a deposição de Dilma Rousseff, agora tenta ser “neutro” e “apartidário”. Procura falar de maneira menos incendiária. Dá sinal de que deseja voltar a ser reconhecido como “pensador”.
Não é difícil diagnosticar a causa mais provável da reviravolta: o trauma nova-iorquino que sofreu.
Quem conhece o ex-presidente é capaz de calcular o quanto lhe deve ter doído ser obrigado a desconvidar-se do congresso da Associação de Estudos Latino-Americanos (Lasa), que aconteceu entre os dias 26 e 31 de maio, em Nova York.
Para quem se vangloria da fama de intelectual notável, há de ter sido duro o repúdio dos integrantes de uma das mais prestigiosas entidades científicas de sua área. Mais ainda se lembrarmos que, até pouco tempo atrás, era respeitado quase consensualmente no meio acadêmico norte-americano.
Grande parte dos membros da Lasa não aprovou que integrasse uma mesa-redonda no evento, e dirigiu aos organizadores um abaixo-assinado manifestando seu inconformismo com a presença de alguém tão vinculado ao golpe no Brasil.
Estavam prontos a vaiá-lo, com faixas, cartazes e camisetas de protesto. Temendo a reação, FHC esbravejou, mas desistiu da participação. Ficou o fato: seu envolvimento ativo no esforço de derrubar o governo Dilma atingiu em cheio sua imagem internacional.
O que mais chama a atenção no artigo não são as propostas de reforma política que sugere, pois nenhuma é nova. Relevante é a pergunta de por que, se acredita de fato nelas, não lutou para que o PSDB as endossasse há mais tempo, assim ajudando o Executivo e o Congresso a remover os óbvios entraves existentes à governabilidade.
Custa crer, por exemplo, que o ex-presidente só tenha se dado conta hoje de que é necessário fazer ampla modificação na legislação partidária, pois, segundo suas palavras, alguns partidos são “quase gazuas para o acesso a recursos públicos”.
Ou que é preciso evitar a proliferação de legendas sem identidade e conteúdo programático, “isolando as que se congregam no chamado ‘centrão’, expressão que caracteriza os agrupamentos de pessoas e interesses clientelísticos, ‘fisiológicos’ e corporativistas, que (...) mantêm a sociedade amarrada ao reacionarismo político e cultural”.
Seria cômico, se não fosse trágico, ouvir a principal liderança intelectual tucana e do atual governismo acusar seus parceiros de “ladrões” e “reacionários”. O ex-presidente foi aliado de quem nos últimos meses? De onde saíram os votos para aprovar o impeachment de Dilma?
Supondo que não foi ontem que FHC descobriu os males apontados no artigo, o que o impediu de vir antes a público com o remédio? Por que deixar o País pagar o preço de instituições disfuncionais? Por que não procurou se aliar àqueles que compartilhavam o mesmo diagnóstico e preferiu a companhia de “ladrões” e “reacionários”?
O artigo revela-se simbólico do modo como o PSDB, o empresariado e o oligopólio midiático se comportaram na crise do governo Dilma. Para derrubá-lo, não hesitaram em se associar àqueles que dizem desprezar. Parece que se esqueceram, no entanto, que foi com os “ladrões” e os “reacionários” que venceram. E é com eles que vão governar.
Não é diferente do que fizeram na economia. Buscando o fim maior da remoção de Dilma, pouco se importaram com o custo do meio escolhido para desestabilizá-la, o aprofundamento da crise econômica.
Como disse o recém-falecido coronel Jarbas Passarinho ao assinar o AI-5, quando mandou “às favas todos os escrúpulos de consciência”, FHC e os seus mandaram às favas a renda, o emprego, o consumo e o investimento brasileiros.
O que nada tem de engraçado é Fernando Henrique Cardoso querer agora tirar o corpo fora, saindo de fininho de suas responsabilidades, para posar de “sábio”. Certos estavam os membros da Lasa.
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