Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Depois de fracassar na montagem da fantasia de um governo envolvido num comportamento ético com alguma diferença notável em relação aos antecessores, o último conto da Carochinha que acompanhou a ascensão de Michel Temer ao Planalto reside na promessa de recuperação econômica.
Está difícil. Num país onde as instituições se embaralharam, a economia e a justiça só podem andar no mesmo compasso. É o que revela reportagem de Fernando Scheller e Monica Scaramuzzo, publicada pelo Estado de S. Paulo (19/6/2016), que aponta os números das 32 grandes empresas investigadas diretamente pela Lava Jato e pela Operação Zelotes e revela um estado de calamidade previsível mas ainda mais grave do que se poderia imaginar.
Com receita combinada de R$ 760 bilhões, patrimônio que equivale a 14% do PIB, elas têm um poder de impacto indireto muito maior sobre a economia, "de proporções incomensuráveis," nas palavras do economista José Roberto Monteiro de Barros. Com poucas exceções, estes foram os grupos privados que, ao lado do setor público, alavancaram o crescimento do país em anos recentes.
Numa combinação de fatores perversos que se alimentam mutuamente, num ciclo vicioso que explica uma recessão sem paralelo, o desemprego em ritmo de galope, a perda de renda e a falta de perspectivas reais para uma retomada, "muitas companhias, sobretudo fornecedoras da Petrobras, quebraram ou estão em recuperação judicial. Grandes grupos estão vendendo ativos e com dificuldade de financiar suas dívidas. Cerca de 1 milhão de trabalhadores foram demitidos ao longo dos últimos doze meses", resumem os jornalistas, citando estimativas da Força Sindical. Nem é surpreendente que, nesse ambiente, a distancia entre a renda de ricos e pobres, que havia caído por mais de uma década, esteja se ampliando, como demonstra estudo do professor Rodolfo Hoffman, da USP, que aponta para um crescimento de 3% a partir de 2015.
Como se o passado não fosse suficiente, o presente não tem oferecido palavras úteis para o futuro. A única divergência real entre aliados que constituem o governo interino consiste em definir qual deve ser a extensão do projeto de austeridade que se pretende implantar como eixo da política economica do país pelos próximos vinte anos. A ideia não é crescimento. É arrocho. Esta é a grande novidade.
Embora se trata de um governo de caráter temporário, não se fala agora de um ajuste temporário, que pode ou não fazer parte da cartilha econômica de muitos governos, inclusive de histórico progressista – como ocorreu com Lula no início do primeiro mandato, com Dilma no segundo.
No Brasil de 2016 corre-se o risco de aprovar uma emenda constitucional que irá orientar a questão básica de toda política econômica – o gasto público, matéria prima original para um país crescer, retroceder ou ficar estagnado – através de um projeto que Henrique Meirelles quer aprovar para durar pelos próximos vinte anos.
Para entender um pouco a proposta, é preciso comparar com os velhos programas decenais da antiga União Soviética stalinista. A diferença é que agora se pretende desregulamentar o Estado, estimular desindustrialização e a abertura absoluta ao capital externo. A finalidade não é construir uma potência econômica autônoma e fechada, nos moldes do socialismo num só país, nem criar regras favoráveis aos trabalhadores e aos mais pobres, mas atrair investimentos externos pela construção de um paraíso dominado pela lógica do mercado financeiro, inteiramente aberta aos grandes grupos estrangeiros, sem o menor sinal, nem simbólico, para expressar algum desejo de soberania nacional – como se viu no projeto de abertura das empresas aéreas.
Isso quer dizer que, por vinte anos consecutivos, o país estará submetido à uma mesma política econômica, sujeita a acertos e ajustes no detalhe, apenas. Como estamos falando de emenda constitucional, e não de lei ordinária, é bom recordar que as futuras gerações terão dificuldades imensas, quem sabe intransponíveis, para alterar a orientação ficar aprovada. Isso porque o rito para derrubar uma cláusula constitucional envolve a construção de maiorias sólidas, nas duas casas, em diversas votações, para poder efetivar-se.
Basta imaginar a dificuldade de aprovar, em situações normais, qualquer medida de caráter progressista pelo Congresso, em matéria que sempre vai envolver grandes interesses econômicos, para se calcular o tamanho da guerra a ser travada, neste caso.
Há outro aspecto. Após a aprovação de uma emenda constitucional, mesmo a troca de governo através de eleições presidenciais será insuficiente para produzir efeitos práticos sobre a vida da maioria da população. É que o raio de ação dos novos governantes já estará pré-definido pelos novos parâmetros constitucionais. A existência de uma legislação semelhante - que limita o endividamento do governo norte-americano - tem permitido ao Partido Republicano enfraquecer e mesmo anular iniciativas progressistas que chegam ao Congresso dos Estados Unidos. O exemplo mais recente é o programa de saúde pública, drama que acompanha a população norte-americana há duas décadas.
Depois de fracassar na montagem da fantasia de um governo envolvido num comportamento ético com alguma diferença notável em relação aos antecessores, o último conto da Carochinha que acompanhou a ascensão de Michel Temer ao Planalto reside na promessa de recuperação econômica.
Está difícil. Num país onde as instituições se embaralharam, a economia e a justiça só podem andar no mesmo compasso. É o que revela reportagem de Fernando Scheller e Monica Scaramuzzo, publicada pelo Estado de S. Paulo (19/6/2016), que aponta os números das 32 grandes empresas investigadas diretamente pela Lava Jato e pela Operação Zelotes e revela um estado de calamidade previsível mas ainda mais grave do que se poderia imaginar.
Com receita combinada de R$ 760 bilhões, patrimônio que equivale a 14% do PIB, elas têm um poder de impacto indireto muito maior sobre a economia, "de proporções incomensuráveis," nas palavras do economista José Roberto Monteiro de Barros. Com poucas exceções, estes foram os grupos privados que, ao lado do setor público, alavancaram o crescimento do país em anos recentes.
Numa combinação de fatores perversos que se alimentam mutuamente, num ciclo vicioso que explica uma recessão sem paralelo, o desemprego em ritmo de galope, a perda de renda e a falta de perspectivas reais para uma retomada, "muitas companhias, sobretudo fornecedoras da Petrobras, quebraram ou estão em recuperação judicial. Grandes grupos estão vendendo ativos e com dificuldade de financiar suas dívidas. Cerca de 1 milhão de trabalhadores foram demitidos ao longo dos últimos doze meses", resumem os jornalistas, citando estimativas da Força Sindical. Nem é surpreendente que, nesse ambiente, a distancia entre a renda de ricos e pobres, que havia caído por mais de uma década, esteja se ampliando, como demonstra estudo do professor Rodolfo Hoffman, da USP, que aponta para um crescimento de 3% a partir de 2015.
Como se o passado não fosse suficiente, o presente não tem oferecido palavras úteis para o futuro. A única divergência real entre aliados que constituem o governo interino consiste em definir qual deve ser a extensão do projeto de austeridade que se pretende implantar como eixo da política economica do país pelos próximos vinte anos. A ideia não é crescimento. É arrocho. Esta é a grande novidade.
Embora se trata de um governo de caráter temporário, não se fala agora de um ajuste temporário, que pode ou não fazer parte da cartilha econômica de muitos governos, inclusive de histórico progressista – como ocorreu com Lula no início do primeiro mandato, com Dilma no segundo.
No Brasil de 2016 corre-se o risco de aprovar uma emenda constitucional que irá orientar a questão básica de toda política econômica – o gasto público, matéria prima original para um país crescer, retroceder ou ficar estagnado – através de um projeto que Henrique Meirelles quer aprovar para durar pelos próximos vinte anos.
Para entender um pouco a proposta, é preciso comparar com os velhos programas decenais da antiga União Soviética stalinista. A diferença é que agora se pretende desregulamentar o Estado, estimular desindustrialização e a abertura absoluta ao capital externo. A finalidade não é construir uma potência econômica autônoma e fechada, nos moldes do socialismo num só país, nem criar regras favoráveis aos trabalhadores e aos mais pobres, mas atrair investimentos externos pela construção de um paraíso dominado pela lógica do mercado financeiro, inteiramente aberta aos grandes grupos estrangeiros, sem o menor sinal, nem simbólico, para expressar algum desejo de soberania nacional – como se viu no projeto de abertura das empresas aéreas.
Isso quer dizer que, por vinte anos consecutivos, o país estará submetido à uma mesma política econômica, sujeita a acertos e ajustes no detalhe, apenas. Como estamos falando de emenda constitucional, e não de lei ordinária, é bom recordar que as futuras gerações terão dificuldades imensas, quem sabe intransponíveis, para alterar a orientação ficar aprovada. Isso porque o rito para derrubar uma cláusula constitucional envolve a construção de maiorias sólidas, nas duas casas, em diversas votações, para poder efetivar-se.
Basta imaginar a dificuldade de aprovar, em situações normais, qualquer medida de caráter progressista pelo Congresso, em matéria que sempre vai envolver grandes interesses econômicos, para se calcular o tamanho da guerra a ser travada, neste caso.
Há outro aspecto. Após a aprovação de uma emenda constitucional, mesmo a troca de governo através de eleições presidenciais será insuficiente para produzir efeitos práticos sobre a vida da maioria da população. É que o raio de ação dos novos governantes já estará pré-definido pelos novos parâmetros constitucionais. A existência de uma legislação semelhante - que limita o endividamento do governo norte-americano - tem permitido ao Partido Republicano enfraquecer e mesmo anular iniciativas progressistas que chegam ao Congresso dos Estados Unidos. O exemplo mais recente é o programa de saúde pública, drama que acompanha a população norte-americana há duas décadas.
Aquilo que foi perdido nas urnas presidenciais, pela vontade da maioria, pode ser recuperado pelos conservadores atrás das regras de controle de gastos do Legislativo - e nada sai do lugar. Com o mesmo controle de ferro, o Banco Central Europeu tornou-se uma instituição capturada pelo mercado financeiro, subordinando os grandes controles da economia a sua lógica. Acima de qualquer outro fator, este elemento explica o prolongado marasmo europeu após o colapso de 2008-2009, raiz da instabilidade permanente da União Européia, consagragada agora pela plebiscito dos britânicos a favor a separação.
No caso brasileiro, a emenda constitucional pretende garantir, de saída, a exclusão de todas as políticas expansionistas, presentes na segunda fase do governo Lula e o primeiro mandato de Dilma. Nem na ditadura militar - regime que se prolongou por 21 anos - o país foi submetido a linha dura da austeridade, como se pretende agora. O regime foi contracionista com Roberto Campos e Mario Henrique Simonsen, mas assumiu uma postura oposta nos anos de Delfim, quando a política econômica se alterou e o país encarou as mais altas taxas de crescimento de sua história.
Responsável técnico-político pelo colapso da economia européia após a crise de 2008-2009, o economista Jean Louis Trichet despediu-se da presidência do Banco Central Europeu cobrando congratulações pela decisão de jamais reduzir os juros para estimular o crescimento. Embora o Velho Mundo mTrichet achava que havia feito o principal – impedir o retorno da inflação, em qualquer nível.
Embora as ambições presidenciais de Henrique Meirelles sejam um dado conhecido, a verdade é sua emenda é a prova de eleitores. Mesmo que nunca seja eleito para ocupar o Planalto, o ministro da Fazenda de Michel Temer terá uma influência considerável, e até decisiva, no destino de todos os governos eleitos em 2018, 2022, 2026, 2030 e 2034. Se aprovada, a emenda constitucional entraria em vigor em 2017 para permanecer até 2037.
Após os primeiros dez anos - prazo equivalente a 2,5 mandatos presidenciais pelas regras de hoje – será possível fazer uma revisão das metas estabelecidas, quem sabe amenizando ou agravando as restrições para gastos públicos, por mais dois mandatos e meio. No total, temos um programa para cinco mandatos presidenciais consecutivos. Constitui amarga ironia no currículo de um grupo político que passou as últimas eleições resmungando sobre a "alternância de poder."
Numa conjuntura em que o sistema político encontra-se em posição de desmanche, na qual o Congresso encontra-se dominado por uma maioria de aventureiros, pretende-se aprovar uma medida de efeitos profundos, duradouros -- e nocivos, do ponto de vista da maioria da população. A ideia é criar uma realidade permanente, acima do poder de decisão de governos a serem eleitos. Acima, portanto, da soberania que autoriza o eleitorado a trocar de governo, e de orientação econômica, de quatro em quatro quatro anos.Você pode até achar que a austeridade é o valor número 1 de qualquer governo. Um ponto de honra num país de botocudos gastadores e pouco civilizados. Ou pode acreditar que, em várias conjunturas, o investimento público elevado contribui para atender a necessidade de criar estímulos para um crescimento necessário para gerar emprego e ampliar o bem-estar da população, ainda mais num país com as características do Brasil.
Em qualquer caso, estamos falando de opções políticas, típicas de uma democracia verdadeira, que permite a todo cidadão dizer em urna sua visão sobre o país que deseja construir. A criação de uma emenda constitucional que é, na verdade, uma plataforma sintética de uma política econômica específica, é uma forma de tolher e condicionar essa discussão, estabelecendo limites prévios a decisão do eleitor. O propósito é travar a democracia. Uma forma de ditadura econômica, ainda que muitas pessoas tenham problemas apenas com a palavra, em vez de ficarem incomodados com a própria coisa que ela designa.
A chance da emenda ser aprovada neste Congresso, infelizmente, é real. O enfraquecimento da bancada progressista da Câmara e do Senado abre espaço para um atividade de rolo compressor. A crise econômica, cada vez mais profunda, sem perspectivas, estimular ideias demagógicas e soluções simplórias, que se tornaram mais complicadas de debater num ambiente político onde opiniões que questionam a visão dominante perdem espaço graças a uma política de esvaziamento deliberado das redes sociais.
Nesta situação, desfavorável, é preciso comprar o debate e compreender, que não está em curso uma medida de emergência nem uma ideia conjuntural, mas uma ideia desastrada e dificilmente remediável.
No caso brasileiro, a emenda constitucional pretende garantir, de saída, a exclusão de todas as políticas expansionistas, presentes na segunda fase do governo Lula e o primeiro mandato de Dilma. Nem na ditadura militar - regime que se prolongou por 21 anos - o país foi submetido a linha dura da austeridade, como se pretende agora. O regime foi contracionista com Roberto Campos e Mario Henrique Simonsen, mas assumiu uma postura oposta nos anos de Delfim, quando a política econômica se alterou e o país encarou as mais altas taxas de crescimento de sua história.
Responsável técnico-político pelo colapso da economia européia após a crise de 2008-2009, o economista Jean Louis Trichet despediu-se da presidência do Banco Central Europeu cobrando congratulações pela decisão de jamais reduzir os juros para estimular o crescimento. Embora o Velho Mundo mTrichet achava que havia feito o principal – impedir o retorno da inflação, em qualquer nível.
Embora as ambições presidenciais de Henrique Meirelles sejam um dado conhecido, a verdade é sua emenda é a prova de eleitores. Mesmo que nunca seja eleito para ocupar o Planalto, o ministro da Fazenda de Michel Temer terá uma influência considerável, e até decisiva, no destino de todos os governos eleitos em 2018, 2022, 2026, 2030 e 2034. Se aprovada, a emenda constitucional entraria em vigor em 2017 para permanecer até 2037.
Após os primeiros dez anos - prazo equivalente a 2,5 mandatos presidenciais pelas regras de hoje – será possível fazer uma revisão das metas estabelecidas, quem sabe amenizando ou agravando as restrições para gastos públicos, por mais dois mandatos e meio. No total, temos um programa para cinco mandatos presidenciais consecutivos. Constitui amarga ironia no currículo de um grupo político que passou as últimas eleições resmungando sobre a "alternância de poder."
Numa conjuntura em que o sistema político encontra-se em posição de desmanche, na qual o Congresso encontra-se dominado por uma maioria de aventureiros, pretende-se aprovar uma medida de efeitos profundos, duradouros -- e nocivos, do ponto de vista da maioria da população. A ideia é criar uma realidade permanente, acima do poder de decisão de governos a serem eleitos. Acima, portanto, da soberania que autoriza o eleitorado a trocar de governo, e de orientação econômica, de quatro em quatro quatro anos.Você pode até achar que a austeridade é o valor número 1 de qualquer governo. Um ponto de honra num país de botocudos gastadores e pouco civilizados. Ou pode acreditar que, em várias conjunturas, o investimento público elevado contribui para atender a necessidade de criar estímulos para um crescimento necessário para gerar emprego e ampliar o bem-estar da população, ainda mais num país com as características do Brasil.
Em qualquer caso, estamos falando de opções políticas, típicas de uma democracia verdadeira, que permite a todo cidadão dizer em urna sua visão sobre o país que deseja construir. A criação de uma emenda constitucional que é, na verdade, uma plataforma sintética de uma política econômica específica, é uma forma de tolher e condicionar essa discussão, estabelecendo limites prévios a decisão do eleitor. O propósito é travar a democracia. Uma forma de ditadura econômica, ainda que muitas pessoas tenham problemas apenas com a palavra, em vez de ficarem incomodados com a própria coisa que ela designa.
A chance da emenda ser aprovada neste Congresso, infelizmente, é real. O enfraquecimento da bancada progressista da Câmara e do Senado abre espaço para um atividade de rolo compressor. A crise econômica, cada vez mais profunda, sem perspectivas, estimular ideias demagógicas e soluções simplórias, que se tornaram mais complicadas de debater num ambiente político onde opiniões que questionam a visão dominante perdem espaço graças a uma política de esvaziamento deliberado das redes sociais.
Nesta situação, desfavorável, é preciso comprar o debate e compreender, que não está em curso uma medida de emergência nem uma ideia conjuntural, mas uma ideia desastrada e dificilmente remediável.
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