Por Paul Rosenberg, no site Outras Palavras:
As comparações entre Bernie Sanders e Jeremy Corbyn não são novas. Ambos são idiossincráticos, social-democratas estranhos – “velhos socialistas rabugentos”, dizem alguns – que alcançaram relevância representando pontos de vista populares abandonados pelas elites, particularmente as elites dos partidos institucionais de centro-esquerda em seus países. Ambos foram vistos como candidatos marginais quando surgiram pela primeira vez, ano passado, e as elites mal podem esperar para marginalizá-los novamente – mas isso pode não ser tão fácil, tanto por quem são quanto pelo que representam.
As similaridades começaram a funcionar primeiro quando Corbyn venceu a eleição para líder do Partido Trabalhista, naturalmente recebendo os cumprimentos de Sanders. Mais tarde, quando Sanders venceu as primárias de New Hampshire, as comparações aumentaram. Seus apoiadores, para começar, eram incrivelmente semelhantes. Havia vozes discordantes, mas as amplas correspondências eram tão espantosas que até Tony Blair foi obrigado a notá-las, mostrando sua frustração, o que levou Deborah Orr,principal comentarista do The Guardian, a responder:
Tony Blair admite estar “frustrado” pela ascensão de Jeremy Corbyn e Bernie Sanders por causa da “questão da elegibilidade”. Para ele, essas escolhas simplesmente não são pragmáticas. Não importa quão boas sejam as ideias abraçadas pelos candidatos, para Blair a questão-chave é se eles podem ou não chegar ao poder. Não que ele pense, exatamente, que Corbyn e Sanders estão cheios de excelentes ideias: “Taxas de matrícula grátis: bem, é ótimo”, diz ele. “Mas alguém vai ter de pagar por isso.”
Mas a resposta é óbvia, claro. O próprio pragmatismo parece não ser mais eficientemente pragmático. E as políticas praticadas por Blair acabaram em desastre, a despeito da suposta esperteza da conciliação promovida por ele.
O mesmo poderia ser dito do pragmatismo de Hillary Clinton. Porém, ela foi pragmática o suficiente para mover-se à esquerda em resposta a Sanders – um processo que continuou mesmo depois que foi declarada provável candidata; e que Sanders havia perdido as chances de exercer influência.
Também Corbyn estava supostamente liquidado depois do voto do Brexit. Ele sofreu um voto de desconfiança entre os membros trabalhistas do parlamento por 172 a 40. Para os parlamentares, as únicas questõescolocadas eram como ele sairia, e quem o substituiria. Contudo, ao mesmo tempo a principal candidata para substituí-lo, Angela Eagle, ficouconstrangida quando sua seção local do Partido Trabalhista opôs-se ao voto de desconfiança. Vale lembrar que Corbyn recebeu ampoio maciço dos membros do Partido Trabalhista quando publicou uma mensagemdesafiante, reafirmando seu compromisso com os princípios tradicionais do Partido Trabalhista e com seus apoiadores. Os conspiradores admitiram a derrota:
Um parlamentar veterano disse ao The Telegraph: “Acabou. Ele vai vencer facilmente num segundo turno, se estiver concorrendo — e isso é tudo o que desejamos evitar.”
Democracia! Mas que amolação!
Nos Estados Unidos, os comentaristas da elite estavam intrigados, se nãodesdenhosos, quando Sanders focou na luta por uma plataforma que refletisse seus objetivos. Mas quem presta atenção a plataformas, de qualquer maneira? Sanders viu o desprezo da elite pelo seu programa como algo que podia tornar-se uma vantagem para si. As plataformas são irrelevantes somente quando não há ninguém para levar os líderes partidários a se responsabilizar por elas. Para ter certeza de que haverá alguém, é preciso travar uma luta a seu favor – precisamente o que Sanders fez, ao sustentar seu apelo por uma revolução política. Os resultados foram impressionantes, como notou Steve Bennen:
O documento, que está disponível na íntegra, é surpreendente porsua audácia em tudo, da faculdade comunitária gratuita à expansão da Seguridade Social, à derrubada do financiamento dos partidos pelas empresas, à proibição de armas semi-automáticas eà reforma de justiça penal para revogar a Emenda Hyde, que impede o financiamento público ao aborto.
Espera-se que a campanha de Clinton volte para o centro. Mas a equipe de Sanders alterou a dinâmica – talvez permanentemente. Eles estabeleceram limites – aceitos pelo partido – que podem levar a giros à esquerda no futuro, mas não à direita. Se isso é o que já está na plataforma, as pessoasserão encorajadas a continuar pensando cada vez mais além da lógica “pragmática”.
A questão não se limita à plataforma. A própria Hillary anunciou recentemente uma mudança significativa em sua política para a educação superior, inclusive “eliminando a mensalidade em universidades públicas estaduais para famílias com renda inferior a 125 mil dólares anuais em 2021”. Embora ainda insuficiente, isso representa um avanço significativo:
Ele poderia ajudar a mudar o entendimento sobre onde está o poder. Poderia ajudar mais gente a enxergar o que o ativista e o organizador inteligente já veem: que se a sociedade fosse capaz de se organizar, talvez pudesse identificar o poder fora de onde ele é visto normalmente. Não um poder abstrato, mas o poder para mudar os termos e as condições concretas da vida cotidiana.
Isso é precisamente o que Bernie Sanders quer dizer com uma revolução política. E com todas as deficiências que se pode ainda ver no programa de Hillary, essa significativa mudança torna ainda mais poderoso o reconhecimento de Sanders.
Sim, Sanders e Corbyn são líderes improváveis, precisamente porque todas as estruturas de liderança da elite perderam o rumo, deixando um vazio que só poderia mesmo ser preenchido por estranhos improváveis. A descoordenação das elites, que proporcionou a de ambos, não desaparecerá, ainda que seja possível livrar-se de Sanders e Corbyn da uma hora para a outra. Mas o desejo das multidões por uma democracia que funcione – uma democracia que responda de fato às necessidades das pessoas – também não está desaparecendo. Esse é o significado real de Sanders e Corbyn – eles ajudaram a reacender esse desejo.
As comparações entre Bernie Sanders e Jeremy Corbyn não são novas. Ambos são idiossincráticos, social-democratas estranhos – “velhos socialistas rabugentos”, dizem alguns – que alcançaram relevância representando pontos de vista populares abandonados pelas elites, particularmente as elites dos partidos institucionais de centro-esquerda em seus países. Ambos foram vistos como candidatos marginais quando surgiram pela primeira vez, ano passado, e as elites mal podem esperar para marginalizá-los novamente – mas isso pode não ser tão fácil, tanto por quem são quanto pelo que representam.
As similaridades começaram a funcionar primeiro quando Corbyn venceu a eleição para líder do Partido Trabalhista, naturalmente recebendo os cumprimentos de Sanders. Mais tarde, quando Sanders venceu as primárias de New Hampshire, as comparações aumentaram. Seus apoiadores, para começar, eram incrivelmente semelhantes. Havia vozes discordantes, mas as amplas correspondências eram tão espantosas que até Tony Blair foi obrigado a notá-las, mostrando sua frustração, o que levou Deborah Orr,principal comentarista do The Guardian, a responder:
Tony Blair admite estar “frustrado” pela ascensão de Jeremy Corbyn e Bernie Sanders por causa da “questão da elegibilidade”. Para ele, essas escolhas simplesmente não são pragmáticas. Não importa quão boas sejam as ideias abraçadas pelos candidatos, para Blair a questão-chave é se eles podem ou não chegar ao poder. Não que ele pense, exatamente, que Corbyn e Sanders estão cheios de excelentes ideias: “Taxas de matrícula grátis: bem, é ótimo”, diz ele. “Mas alguém vai ter de pagar por isso.”
Mas a resposta é óbvia, claro. O próprio pragmatismo parece não ser mais eficientemente pragmático. E as políticas praticadas por Blair acabaram em desastre, a despeito da suposta esperteza da conciliação promovida por ele.
O mesmo poderia ser dito do pragmatismo de Hillary Clinton. Porém, ela foi pragmática o suficiente para mover-se à esquerda em resposta a Sanders – um processo que continuou mesmo depois que foi declarada provável candidata; e que Sanders havia perdido as chances de exercer influência.
Também Corbyn estava supostamente liquidado depois do voto do Brexit. Ele sofreu um voto de desconfiança entre os membros trabalhistas do parlamento por 172 a 40. Para os parlamentares, as únicas questõescolocadas eram como ele sairia, e quem o substituiria. Contudo, ao mesmo tempo a principal candidata para substituí-lo, Angela Eagle, ficouconstrangida quando sua seção local do Partido Trabalhista opôs-se ao voto de desconfiança. Vale lembrar que Corbyn recebeu ampoio maciço dos membros do Partido Trabalhista quando publicou uma mensagemdesafiante, reafirmando seu compromisso com os princípios tradicionais do Partido Trabalhista e com seus apoiadores. Os conspiradores admitiram a derrota:
Um parlamentar veterano disse ao The Telegraph: “Acabou. Ele vai vencer facilmente num segundo turno, se estiver concorrendo — e isso é tudo o que desejamos evitar.”
Democracia! Mas que amolação!
Nos Estados Unidos, os comentaristas da elite estavam intrigados, se nãodesdenhosos, quando Sanders focou na luta por uma plataforma que refletisse seus objetivos. Mas quem presta atenção a plataformas, de qualquer maneira? Sanders viu o desprezo da elite pelo seu programa como algo que podia tornar-se uma vantagem para si. As plataformas são irrelevantes somente quando não há ninguém para levar os líderes partidários a se responsabilizar por elas. Para ter certeza de que haverá alguém, é preciso travar uma luta a seu favor – precisamente o que Sanders fez, ao sustentar seu apelo por uma revolução política. Os resultados foram impressionantes, como notou Steve Bennen:
O documento, que está disponível na íntegra, é surpreendente porsua audácia em tudo, da faculdade comunitária gratuita à expansão da Seguridade Social, à derrubada do financiamento dos partidos pelas empresas, à proibição de armas semi-automáticas eà reforma de justiça penal para revogar a Emenda Hyde, que impede o financiamento público ao aborto.
Espera-se que a campanha de Clinton volte para o centro. Mas a equipe de Sanders alterou a dinâmica – talvez permanentemente. Eles estabeleceram limites – aceitos pelo partido – que podem levar a giros à esquerda no futuro, mas não à direita. Se isso é o que já está na plataforma, as pessoasserão encorajadas a continuar pensando cada vez mais além da lógica “pragmática”.
A questão não se limita à plataforma. A própria Hillary anunciou recentemente uma mudança significativa em sua política para a educação superior, inclusive “eliminando a mensalidade em universidades públicas estaduais para famílias com renda inferior a 125 mil dólares anuais em 2021”. Embora ainda insuficiente, isso representa um avanço significativo:
Ele poderia ajudar a mudar o entendimento sobre onde está o poder. Poderia ajudar mais gente a enxergar o que o ativista e o organizador inteligente já veem: que se a sociedade fosse capaz de se organizar, talvez pudesse identificar o poder fora de onde ele é visto normalmente. Não um poder abstrato, mas o poder para mudar os termos e as condições concretas da vida cotidiana.
Isso é precisamente o que Bernie Sanders quer dizer com uma revolução política. E com todas as deficiências que se pode ainda ver no programa de Hillary, essa significativa mudança torna ainda mais poderoso o reconhecimento de Sanders.
Sim, Sanders e Corbyn são líderes improváveis, precisamente porque todas as estruturas de liderança da elite perderam o rumo, deixando um vazio que só poderia mesmo ser preenchido por estranhos improváveis. A descoordenação das elites, que proporcionou a de ambos, não desaparecerá, ainda que seja possível livrar-se de Sanders e Corbyn da uma hora para a outra. Mas o desejo das multidões por uma democracia que funcione – uma democracia que responda de fato às necessidades das pessoas – também não está desaparecendo. Esse é o significado real de Sanders e Corbyn – eles ajudaram a reacender esse desejo.
* Tradução de Inês Castilho.
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