quinta-feira, 21 de julho de 2016

E a economia? Agora vai?

Por Lecio Morais, no blog de Renato Rabelo:

Abriu-se um debate sobre como a troca de governo decorrente do golpe parlamentar influenciaria a crise econômica. De modo geral, analistas e articulistas da imprensa são otimistas quanto à resposta positiva do capital ao novo “ambiente macroeconômico” e o início da superação da crise já de imediato, embora haja discrepância quanto à velocidade com que a volta do crescimento acontecerá e a situação fiscal tem uma solução estruturante adequada e já assumida pelo novo governo, mesmo que a mais longo prazo.

No outro lado, nós, os “dilmistas”, tendemos a considerar que após dois meses o governo Temer pouco ou nada conseguiu, com o capital ainda paralisado, em expectativa, enquanto seus apoiadores permanecem cobrando rapidez para iniciar as “reformas” liberalizantes e privatizantes.

Os dados ainda divergem de tal maneira que, se selecionados discriminatoriamente podem apoiar ambas as teses, conforme o gosto. O que me parece estar a acontecer é que ainda não saímos da situação de incerteza trazida pela crise política; pelo descontrole da crise econômica desde o final de 2014; e também por uma conjuntura internacional instável, em boa parte desfavorável à periferia e ao Brasil.

Incerteza, tendência e previsibilidade

Quando falamos de incerteza, referimo-nos a uma situação em que entre seus diversos resultados possíveis, a possibilidade de acontece-los não são quantificáveis, não se pode estabelecer probabilidades a cada um, nem tão pouco atribuir-lhes risco. Na incerteza, não há predição melhor do que outras.

A formação de tendências que permitem soluções é dificultada ou mesmo impedida pela incerteza. Daí a importância dada a mudanças de expectativas, o que permite a geração de novas tendências que restabeleçam a previsibilidade e a tomada de decisões estratégicas, voltando-se à normalidade. O que faz com que os objetivos de Temer sejam ao mesmo tempo políticos e econômicos.
Os três objetivos político-econômicos imediatos de Temer

Não iremos abordar aqui o problema da crise política e de sua solução. Centraremos nossa análise nas questões propriamente econômicas, embora suas soluções estejam obviamente entrelaçadas.

Na verdade, dada a incerteza, parece-me ocioso contrapor-se dados do presente para avaliação se o governo Temer está ou não a conseguir seus objetivos.

O que nos importa é localizar quais as principais ações do governo para iniciar, de imediato, a construção de novas expectativas que resultem na formação de tendência favoráveis à estabilização e a retomada dos investimentos.

A ação do governo Temer, contando com o impedimento definitivo de Dilma, permite entrever que sua política econômica vem se centrando em três objetivos que poderão restabelecer tendências que dissipem a névoa da incerteza, destravando a tomada de decisões dos capitalistas de modo a superar a depressão econômica.

Não podendo atuar no desenvolvimento da crise econômica internacional, seus objetivos centram-se em problemas internos, supostamente isolados, que gerem as novas expectativas necessárias. Essa compreensão só é possível porque se confia que, ao encaminhar soluções aos problemas internos, o capital internacional e as oportunidades externas de comércio estarão automaticamente disponíveis. Em especial quando as opções de medidas do governo estão relacionadas à decisão de Temer em implementar a políticas monetária e fiscal inspiradas na ideologia neoliberal, de superioridade do capital privado frente ao estatal e da necessidade de dar ao capital as condições mais favoráveis e de maior liberdade para se desenvolver.

Os três objetivos imediatos de Temer são:

1. Mobilizar capitais internos e externos para acumulação por meio da privatização de estatais e vendendo concessões. A privatização, embora possa se generalizar, estará centralizada na área energética, pela venda de concessionárias de distribuição da Eletrobras, pelo desmembramento de geradoras de Furnas, e de subsidiárias do grupo Petrobras. As vendas de concessões de imediato se centrarão em logística de transporte terrestre e em infraestrutura aeroportuária, adotando em ambos os casos regras mais favoráveis ao setor privado;

2. Atrair de imediato capital financeiro para o mercado de capitais (no qual a bolsa de ações tem mais visibilidade), com o intuito de promover uma euforia financeira; e

3. Na questão fiscal, aprovar a mais importante e basilar reforma que é a emenda constitucional que cria um teto de gastos primários para congelar a despesa com serviços públicos e investimento por 20 anos, com objetivo direto de reduzir o tamanho do estado na economia e abrir caminhos para outras reformas estruturantes no papel do Estado.
As vantagens comuns às três iniciativas de Temer

O que há de comum nas três iniciativas é a rapidez com que elas podem se concretizar e a sua grande visibilidade. E tempo é o fator principal para o governo se legitimar e exercer plenamente seus poderes.

Para o objetivo de mobilizar capitais, espera-se que o investimento em concessões e privatização possam ser anunciados este ano. A expectativa é que os primeiros leilões de privatização e de concessão se realizem até o final de 2016 com a adoção de regras mais favoráveis aos concessionários.

Para criar o ambiente de euforia financeira, é necessário atrair de imediato um fluxo estável de capital financeiro externo (inclusive hot money), tal como ocorreu no início do Plano Real e também a partir de 2004. Sem capitais financeiros externos não há como sustentar por tempo suficiente a elevação dos preços das ações e de outros ativos financeiros até que ela se transforme em uma tendência firme.

Para tanto, já se antecipou o início do raly da bolsa, embora contando até o momento, com capitais especulativos internos. Na Ibovespa, após um período de hesitação, os especuladores vêm elevando os preços das ações e criando uma pressão de valorização do real, que pode multiplicar o ganho do capital especulador externo (em boa parte de brasileiros) que tragam seus dólares.

Até o momento já se conseguiu com esse movimento elevar o índice da Bovespa, desde o final de junho até o meio de julho, de 48 mil pontos para 55.500 pontos! Uma valorização de10% em 45 dias. No câmbio, o mesmo esquema de especulação vem pressionando a valorização do real, que já se valorizou, em 10% em 45 dias desde o final de maio, ampliando os ganhos em dólar. E eles continuarão a pressionar a cotação do real com uma meta de R$ 3 por dólar (péssimo para a balança comercial).

Por último temos a emenda constitucional do teto do gasto primário, que congelará os valores desses gastos por até vinte anos. Essa iniciativa fiscal, assume importância basilar no curto prazo. Sua adoção é fundamental não só pela radicalidade simbólica do freio à despesa pública, mas, principalmente, porque ao vigorar o congelamento tornará politicamente menos custosa a aprovação das demais “reformas fiscais” estruturantes para uma redução de longo prazo nas despesas com investimento e com os serviços básicos à vida do povo.

Limitadas pelo teto de longo prazo, se criará um modelo orçamentário de soma zero: conquistas de um serviço ou programa significarão perdas para os demais. O jogo da soma zero promoverá uma canibalização entre os programas e tornará inevitável tanto a redução de prestação de serviço como, em especial, a aceitação de novas regras para a previdência, nos regimes geral e especiais, e até na folha de servidores, os dois objetivos politicamente mais sensíveis da reforma fiscal.

Assim como as outras, a emenda constitucional pode ser adotada rapidamente. Meirelles conta com sua aprovação este ano para que comece a valer em 2017. Por isso, no parlamento ela é a prioridade nº 1, já que contra ela, além da oposição, teremos um semestre legislativo curto, perdendo cerca de um terço do número de dias de votação até outubro, em especial na Câmara.

Esta é, sem dúvida, a mais radical medida fiscal já adotada no Brasil, sendo também a mais forte sinalização do compromisso de Temer em aceitar definitivamente a disciplina do capital sobre os objetivos e compromissos do Estado.
Combinaram com os russos?

Mas há problemas no caminho, tanto políticos como econômicos. Os problemas políticos são mais óbvios, pois a fragilidade do governo Temer às investidas da operação Lava-Jato e outras iniciativas judiciais podem desestabilizá-lo, permitindo a continuidade da crise política de uma forma ainda mais extensa.

Mas quero me centrar nos obstáculos econômicos. A principal fonte dos obstáculos à iniciativa do governo localiza-se no exterior, na dinâmica do sistema capitalista internacional. E contrariam a ideia que os determinantes externos, desatados os nós internos, estarão disponíveis.

Na verdade, a instabilidade da crise mundial torna-se cada vez mais crítica. Ameaças a adoção de medidas defensivas por parte das principais potências econômicas (e militares) em defesa de suas moedas, por exemplo, podem ocorrer a qualquer momento. O que aquece as áreas de disputa geopolíticas, as existentes e as novas a emergir.

Qualquer estratégia e expectativa com a economia brasileira tem que considerar primeiro o sistema capitalista internacional. Ele enquadra inapelavelmente nosso desenvolvimento, desde a colônia. No entanto, tem faltado até agora aos estrategistas seguir o conselho de “combinar com os russos”.

É possível, por exemplo, que o Brexit venha dar mais força a uma guerra cambial com forte repercussão no mercado internacional, mas também nos sistemas financeiros nacionais e global, criando riscos imediatos de liquidez e insolvência para bancos em alguns países, como a Itália e países do Leste Europeu e até Turquia.

A consequência sistêmica mais imediata do Brexit, a chamada fuga para a segurança, já se instalou. E essa fuga passou a ser mais uma ameaça à estratégia de Temer.

Apesar dos esforços de criar uma euforia financeira, seu início vem se dando exclusivamente pelo esforço da especulação interna. Ao contrário do que se esperaria, o fluxo financeiro com o exterior, vivem se mostrando negativo desde 2014/2015 e não tem melhorado mesmo após a posse de Temer.

A tabela 1, mostra esses fluxos externos, fontes cruciais para sustentar a euforia planejada, discriminando entre os capitais externos, estrangeiros e brasileiros. A aplicações financeiras vêm numa tendência de queda desde 2014, se agravando neste ano e até o último para o qual dispomos de dados. O interessante é que são os capitais de brasileiros aqueles que vêm se mostrando mais fortemente arredio à aposta no Brasil, muito mais do que os dos estrangeiros.



A tabela 2 mostra o mesmo fluxo, mas detalhado pelas aplicações nos três mercados que formam o mercado financeiro de aplicações em carteira. Na bolsa, em especial, A tendência de saída é clara desde meados de 2015, em especial na bolsa e dos títulos de renda fixa.



E o volume dos fluxos firme necessário para suportar a “euforia” deve abranger dezenas de bilhões de dólares por um período inicial de vários meses.

Para reverter esse fluxo negativo é que o governo Temer e a grande mídia vêm se empenhando a propagandear as “novas expectativas”. Sem falar no o esforço sensacionalista das newletters do mercado financeiro, como o Infomoney (http://www.infomoney.com.br) e o relatório da consultoria Empiricus (http://www.empiricus.com.br). A recente viagem do presidente do Banco Central à Europa e sua extensa e elogiada entrevista ao Financial Times, também se encaixa nesse esforço.

Além da questão do capital financeiro, a crise internacional tem importante reflexo no comércio mundial. E sua instabilidade vem sendo alimentada por expectativas negativas quanto ao desempenho das principais economias, inclusive a da China.

Como se não bastasse, um episódio, obscuro em seu início, o Brexit criou não só uma nova fonte de instabilidade como, em seu desdobramento pode vir a criar uma nova fratura geopolítica entre a União Europeia e a Inglaterra e os EUA. Mas este é outro assunto.

O quadro sucintamente traçado ilustra a incerteza que envolve o momento, e mostra as principais iniciativas de curto prazo do governo Temer que, ao meu ver, são as condições iniciais para reverter as expectativas junto às classes dominantes e outras parcelas da elite para retomar o crescimento e se legitimar. Porém, o sucesso ou não dessas iniciativas – a depender de fatores internos e externos – ainda continuará por certo tempo sob as brumas da crise.

* Lecio Morais é economista e mestre em Ciência Política. Atua como analista legislativo na Liderança do PCdoB na Câmara dos Deputados.

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