O tratamento dado a Eduardo Cunha pela mídia corporativa no início de 2015, quando foi eleito presidente da Câmara, é digno de estudo de caso sobre dissimulação no jornalismo. Uma edição da Veja teve como manchete de capa "A súbita força de Eduardo Cunha". A reportagem elogiava as habilidades políticas e conhecimentos regimentais de Cunha, falando somente de passagem sobre os seus podres, para no final afirmar algo como "se ele deixou para trás as malfeitorias, tudo bem". Na cobertura da Globonews sobre a eleição à presidência da Câmara o tom era o mesmo. Destaque para a capacidade de articulação de Eduardo Cunha e para sua disposição em enfrentar o Planalto. Seu passado tenebroso era solenemente ignorado.
Foi uma jogada arriscada dos barões da imprensa. Os ilícitos cometidos por Cunha são demasiados para serem escondidos por muito tempo sem comprometer a já combalida credibilidade dos grandes veículos de mídia. Mas a jogada deu certo, afinal, Cunha talvez fosse um dos poucos políticos capazes de tratar um pedido de destituição da presidenta da República com tamanha irresponsabilidade. Em dezembro de 2015 ele deu andamento ao pedido de impeachment para vingar-se dos deputados do PT, que anunciaram voto contrário ao peemedebista na comissão de ética da Câmara.
Apesar de todas as suas manobras, que tiveram como resultado o seu afastamento do mandato de deputado pelo STF e também o processo mais longo da história da comissão de ética, com oito meses de duração, o parecer do conselho de ética, no último dia 14, foi pela cassação do marido de Cláudia Cruz. Cunha ainda tem influência sobre um grande número de deputados - ele arrecada recursos para as campanhas dos colegas e depois cobra a fatura -, mas ela é minguante. Provas da existência de contas no exterior, citação por um sem número de delatores com denúncias que vão desde o recebimento de propina à ameaças físicas, escândalo da inclusão de emendas favoráveis aos planos de saúde financiadores das campanhas de Cunha em medidas provisórias. A lista sem fim de ilícitos transformaram Eduardo Cunha em um político radioativo e a confirmação de sua cassação pelo plenário da Câmara é quase inevitável.
Quem não pode se dar ao luxo de afastar-se completamente de Cunha é Temer, pois todos sabem como aquele procede quando se sente abandonado. Por isso o Planalto articula nos bastidores para salvar Cunha da cassação. Um governo ilegítimo, que chegou ao poder após um golpe cuja arma retórica foi a luta contra a corrupção, articular para salvar o maior corrupto de todos seria caso de desmoralização completa. Mas isso não é interesse dos donos da imprensa monopolizada. Portanto, o caso é tratado discretamente, como se não fosse nada de mais. Se falta o Senado confirmar o golpe para que Temer herde de Dilma definitivamente a presidência, em outro posto ele já sucedeu oficialmente Cunha: o de protegido dos barões da mídia.
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