domingo, 24 de julho de 2016

Escândalo do metrô tucano sai do armário

Por Ricardo Kotscho, em seu blog:

Os escândalos envolvendo governos tucanos funcionam no sistema "pisca-pisca" feito vagalume: acende uma luzinha aqui, outra ali, mas logo se apagam, somem de cena.

Só de vez em quando aparece com destaque e farol alto uma denúncia sobre superfaturamento de obras públicas, cartel de trens, acordos que causam prejuízos ao governo, vagões abandonados, processos esquecidos na gaveta, desvios de recursos públicos para bolsos privados no Rodoanel ou na merenda escolar, entre outros.

Em São Paulo, parece ter sido inventada uma corrupção diferente: funciona de um lado só. Até aparecem nas investigações os nomes de corruptos, mas não o outro lado, o dos corrompidos. No máximo, surgem nomes de executivos das empresas privadas e dirigentes de estatais, raramente alguém dos altos escalões dos governos tucanos. Esses estão todos protegidos no armário.

Por isso, até estranhei quando o nome do governador Geraldo Alckmin apareceu na manchete do jornal neste domingo, ao lado da Alstom. "A multinacional francesa Alstom é alvo de uma série de processos e investigações pela suposta participação em esquemas de pagamento de propina para obtenção de vantagens em contratos de estatais paulistas de energia e de transporte, sempre em governos do PSDB", diz a reportagem da Folha, sob o título "Alckmin perdoa dívidas de R$ 116 milhões de acusada de cartel".

Desta vez, a denúncia não foi feita por nenhum juiz, procurador, delegado da Polícia Federal ou advogado de delator, desses que costumam abastecer a imprensa de vazamentos de escândalos federais, mas pelos repórteres Mario Cesar Carvalho e Flávio Ferreira.

Relata a abertura da matéria: "Num contrato em que o Metrô apontou perdas de mais de R$ 300 milhões, o governo de Geraldo Alckmin (PSDB) fez um acordo com a multinacional francesa Alstom no qual perdoou dívidas que somam R$ 116 milhões e aceitou que o produto contratado seja entregue até 2021, com dez anos de atraso".

Que beleza!, como diria o Milton Leite. Assim, até eu quero. Quando se trata de governo tucano, a Justiça e o Ministério Público de São Paulo não têm pressa. As investigações sobre as relações da Alstom com o governo estadual começaram em 2008, quando apareceram os primeiros indícios de que a empresa francesa teria oferecido propinas entre 1998 e 2003 para ganhar obras ainda na gestão de Mário Covas. Até hoje, passados oito anos, o processo ainda não entrou em julgamento e nem há prazo para que isso aconteça.

Quem contratou o sistema da Alstom, que causou este prejuízo de R$ 300 milhões aos cofres estaduais, foi o então governador José Serra, no mesmo ano em que começaram as investigações sobre os contratos na área de energia da gestão Covas. O CTBC (Controle de Trens Baseado em Comunicação) fornecido pela Alstom custou inicialmente R$ 780 milhões e sua entrega estava prevista para 2011, mas funciona em tempo integral só na linha 2-verde. Nas duas outras linhas contratadas, o cronograma prevê a entrega do serviço apenas em 2021, quando muitos de nós talvez já não estejamos mais aqui andando de metrô...

Em resposta ao jornal, a Secretaria dos Transportes Metropolitanos divulgou nota na qual nega que tenha havido prejuízo para o Estado em razão do acordo feito com a Alstom e defende que a decisão foi benéfica para o Metrô.

Até agora, em toda esta história do metrô tucano, que se prolonga por mais de duas décadas, ninguém do governo estadual foi processado, julgado e muito menos condenado. O único punido foi um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Robson Marinho, homem forte do governo Covas. Investigado sob a suspeita de ter ajudado a multinacional francesa a conseguir contratos em troca de propina, foi afastado do TCE em agosto de 2014, mas seu processo ainda não foi encerrado.

Questionado em entrevista, na mesma edição do jornal, se o Ministério Público de São Paulo é mais condescendente com o governo estadual do que o MPF com o governo federal, o novo procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Poggio Smanio, não deu nenhum sinal de que este cenário possa mudar tão cedo:

"Posso afirmar que não há nenhuma condescendência. O que pode ocorrer é que o tamanho dos escândalos que hoje ocorrem na área federal é muito maior do que os que se encontram aqui".

Para saber se esta comparação está correta e a verdadeira dimensão dos escândalos estaduais, é preciso que, primeiro, todos eles sejam tirados do armário.

E vamos que vamos.

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