Por Paulo Kliass, na revista Caros Amigos:
Um dos aspectos mais importantes que devem ser creditados ao sucesso da “operação golpeachment” refere-se ao papel exercido pelos grandes meios de comunicação ao longo de todo o processo. A participação da grande imprensa foi essencial para ajudar no estabelecimento de uma leitura hegemônica a respeito da inevitabilidade do afastamento da Presidenta.
Muito já foi pesquisado e escrito a respeito das relações incestuosas da tríade estabelecida entre “mídia, poder e dinheiro”. O caso brasileiro ocorrido entre 2014 e 2016 vai se transformar certamente em objeto de um sem-número de dissertações, teses, livros e filmes. A vitória de Dilma em sua campanha pela reeleição só foi possível graças à intensa mobilização popular que se verificou entre o primeiro e o segundo turnos durante o mês de outubro de 2014. A partir dali tem início uma ampla articulação conservadora visando impedir que Rousseff conseguisse chegar ao final de seu segundo mandato.
Após a divulgação dos resultados, a vencedora do pleito insistiu em ignorar o sinal oferecido pelas urnas e terminou por assumir o programa econômico dos derrotados. Chamou para compor seu ministério um representante explícito do poder da banca e emplacou Joaquim Levy à frente da pasta da Fazenda. Incorporou como lema de seu segundo mandato o mantra do austericídio e, mais uma vez, se iludiu com a possibilidade de acalmar a sede por sangue emanada do financismo.
A estratégia de pautar o impeachment.
Ao frustrar de forma surpreendente todas as expectativas de quem havia apostado no projeto do “coração valente”, a chefe do governo provoca a abertura de um enorme flanco no interior de sua própria base política de apoio. Mantém-se na mesma postura de afastamento do diálogo e da negociação em qualquer espaço. Esse isolamento crescente foi a senha para o bote definitivo. O que antes parecia apenas ser um sonho de uma noite de verão de alguns tucanos tresloucados, pouco a pouco se transforma em uma estratégia muito bem pensada e articulada de promover o afastamento.
A banca parece ter se cansado de apontar seus representantes indiretos nas áreas estratégicas do governo e resolve assediar o poder sem mais intermediários. As poucas “famiglie” que controlam os grandes meios de comunicação também desistem de seguir apoiando governos que satisfaziam plenamente seus interesses desde 2003, mas que não eram compostos por inquilinos do Palácio do Planalto de sua absoluta confiança. A consolidação dessa tendência golpista se operacionaliza por meio da construção de uma narrativa única a respeito dos acontecimentos na cena política econômica brasileira.
Segundo essa leitura parcial ao extremo, o governo seria o único responsável pela desastrosa situação da economia e apenas a ele deveriam ser creditadas todas as mazelas que o Brasil passava a sofrer. A única solução seria o afastamento de Dilma da Presidência da República. Para tanto foi selada uma aliança explícita com o Presidente da Câmara dos Deputados. Afinal, exclusivamente de Eduardo Cunha dependia o início do processo de impedimento. Por outro lado, a cobertura das manifestações políticas contra Dilma mais se assemelhava a uma orientação militante pela derrubada do governo, com direito a maratonas “on line” nas telinhas como se fossem imagens patrocinadas pelas forças golpistas. Tudo isso sendo transmitido de forma unilateral e antidemocrática em um espaço de concessão pública.
O quadro econômico era pintado como catastrófico e a única solução seria um tratamento ainda mais austero para as finanças públicas. Cada notícia ruim na esfera da economia era pintada com todas as cores da desgraça e as páginas dos grandes jornais não abriam espaço para outras opiniões que não fossem as dos chamados “especialistas” do mercado financeiro. O bombardeio ininterrupto pavimentava o caminho da construção de uma unanimidade a respeito da urgência da deposição de Dilma.
Temer interino e blindagem da imprensa.
No entanto, a partir de seu afastamento temporário em 12 de maio de 2016, após a aceitação do início do processo no Senado Federal, tudo muda de figura. Os meios de comunicação dão início a uma verdadeira operação de blindagem do governo interino. Os escândalos envolvendo os integrantes nomeados para o primeiro escalão de Temer não recebem o mesmo destaque que haviam merecido no governo anterior. A continuidade da agenda destruidora do ajuste fiscal é saudada como uma necessidade imperiosa para recolocar o país nos trilhos, depois da assim qualificada irresponsável aventura da “nova matriz econômica”. A ineficácia das medidas da austeridade é escamoteada e escondida pelos contínuos elogios à suposta capacidade técnica dos novos responsáveis pela condução da política econômica
A continuidade do processo recessivo e o agravamento da crise social são sempre ocultados pelo enaltecimento da competência profissional de 2 legítimos banqueiros: Meirelles na Fazenda e Goldfajn no Banco Central. As dificuldades na aprovação das medidas prometidas são, agora, creditadas ao fisiologismo dos integrantes do parlamento.
O discurso unificado dos meios de comunicação se resume a uma nota só: “O Temer bem que tenta, mas o Congresso não deixa”.
A inflação não foi reduzida como prometido? A Selic continua nas alturas? A recessão continua destruindo a economia e o tecido social? O desemprego bate recorde em sequência e se aproxima de 12%? Nada disso importa e pouco destaque é oferecido a tais temas na grande imprensa. Fatos que antes não saíam das manchetes escancaradas contra Dilma, agora perdem-se nas notas de rodapé a respeito de Temer. O grande debate dos analistas chamados a oferecer seus depoimentos é saber se já paramos de piorar muito. Cada nova redução do ritmo de destruição na economia é saudada como o início de uma recuperação das atividades tão ansiosamente aguardada.
A parcialidade e a unilateralidade desavergonhadas evidenciam o suporte dos meios de comunicação ao golpe em vias de ser consumado. Não existe nada de neutralidade ou imparcialidade. Não obstante o imenso apoio político, imagético, financeiro, econômico e tributário recebido pelos sucessivos governos desde 2003, na hora “h” a imprensa muda de conduta e assume seu lado de forma ostensiva na luta de classes. Como reza o conhecido ditado espanhol, “cría cuervos y te sacarón los ojos”.A grande indagação é saber se já atingimos o tão famoso fundo do poço. Afinal, a partir de lá os sinais só podem mesmo ser de melhora. E os jornalões buscam desesperadamente alguma forma de oferecer uma manchete carregada de alguma esperança aos seus leitores. De outra parte, mantêm a insistência em construir uma narrativa unânime em torno da agenda do desmonte. Desde a Reforma da Previdência ceifadora de direitos até a reforma constitucional de limitação dos gastos públicos pelas próximas duas décadas, a todo o instante os meios de comunicação apelam para os riscos do caos e da catástrofe caso nada for aprovado.
É essencial que esse processo seja avaliado de forma profunda por todos os envolvidos em um projeto de transformação democrática e popular de nosso País. Isso significa que não se pode desconsiderar uma reestruturação do poder dos oligopólios dos meios de comunicação e das instituições do sistema financeiro. A ilusão da aposta na política do bom mocismo apresenta sua fatura. E quem paga a conta é nosso regime democrático e os interesses da grande maioria de nosso povo.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Um dos aspectos mais importantes que devem ser creditados ao sucesso da “operação golpeachment” refere-se ao papel exercido pelos grandes meios de comunicação ao longo de todo o processo. A participação da grande imprensa foi essencial para ajudar no estabelecimento de uma leitura hegemônica a respeito da inevitabilidade do afastamento da Presidenta.
Muito já foi pesquisado e escrito a respeito das relações incestuosas da tríade estabelecida entre “mídia, poder e dinheiro”. O caso brasileiro ocorrido entre 2014 e 2016 vai se transformar certamente em objeto de um sem-número de dissertações, teses, livros e filmes. A vitória de Dilma em sua campanha pela reeleição só foi possível graças à intensa mobilização popular que se verificou entre o primeiro e o segundo turnos durante o mês de outubro de 2014. A partir dali tem início uma ampla articulação conservadora visando impedir que Rousseff conseguisse chegar ao final de seu segundo mandato.
Após a divulgação dos resultados, a vencedora do pleito insistiu em ignorar o sinal oferecido pelas urnas e terminou por assumir o programa econômico dos derrotados. Chamou para compor seu ministério um representante explícito do poder da banca e emplacou Joaquim Levy à frente da pasta da Fazenda. Incorporou como lema de seu segundo mandato o mantra do austericídio e, mais uma vez, se iludiu com a possibilidade de acalmar a sede por sangue emanada do financismo.
A estratégia de pautar o impeachment.
Ao frustrar de forma surpreendente todas as expectativas de quem havia apostado no projeto do “coração valente”, a chefe do governo provoca a abertura de um enorme flanco no interior de sua própria base política de apoio. Mantém-se na mesma postura de afastamento do diálogo e da negociação em qualquer espaço. Esse isolamento crescente foi a senha para o bote definitivo. O que antes parecia apenas ser um sonho de uma noite de verão de alguns tucanos tresloucados, pouco a pouco se transforma em uma estratégia muito bem pensada e articulada de promover o afastamento.
A banca parece ter se cansado de apontar seus representantes indiretos nas áreas estratégicas do governo e resolve assediar o poder sem mais intermediários. As poucas “famiglie” que controlam os grandes meios de comunicação também desistem de seguir apoiando governos que satisfaziam plenamente seus interesses desde 2003, mas que não eram compostos por inquilinos do Palácio do Planalto de sua absoluta confiança. A consolidação dessa tendência golpista se operacionaliza por meio da construção de uma narrativa única a respeito dos acontecimentos na cena política econômica brasileira.
Segundo essa leitura parcial ao extremo, o governo seria o único responsável pela desastrosa situação da economia e apenas a ele deveriam ser creditadas todas as mazelas que o Brasil passava a sofrer. A única solução seria o afastamento de Dilma da Presidência da República. Para tanto foi selada uma aliança explícita com o Presidente da Câmara dos Deputados. Afinal, exclusivamente de Eduardo Cunha dependia o início do processo de impedimento. Por outro lado, a cobertura das manifestações políticas contra Dilma mais se assemelhava a uma orientação militante pela derrubada do governo, com direito a maratonas “on line” nas telinhas como se fossem imagens patrocinadas pelas forças golpistas. Tudo isso sendo transmitido de forma unilateral e antidemocrática em um espaço de concessão pública.
O quadro econômico era pintado como catastrófico e a única solução seria um tratamento ainda mais austero para as finanças públicas. Cada notícia ruim na esfera da economia era pintada com todas as cores da desgraça e as páginas dos grandes jornais não abriam espaço para outras opiniões que não fossem as dos chamados “especialistas” do mercado financeiro. O bombardeio ininterrupto pavimentava o caminho da construção de uma unanimidade a respeito da urgência da deposição de Dilma.
Temer interino e blindagem da imprensa.
No entanto, a partir de seu afastamento temporário em 12 de maio de 2016, após a aceitação do início do processo no Senado Federal, tudo muda de figura. Os meios de comunicação dão início a uma verdadeira operação de blindagem do governo interino. Os escândalos envolvendo os integrantes nomeados para o primeiro escalão de Temer não recebem o mesmo destaque que haviam merecido no governo anterior. A continuidade da agenda destruidora do ajuste fiscal é saudada como uma necessidade imperiosa para recolocar o país nos trilhos, depois da assim qualificada irresponsável aventura da “nova matriz econômica”. A ineficácia das medidas da austeridade é escamoteada e escondida pelos contínuos elogios à suposta capacidade técnica dos novos responsáveis pela condução da política econômica
A continuidade do processo recessivo e o agravamento da crise social são sempre ocultados pelo enaltecimento da competência profissional de 2 legítimos banqueiros: Meirelles na Fazenda e Goldfajn no Banco Central. As dificuldades na aprovação das medidas prometidas são, agora, creditadas ao fisiologismo dos integrantes do parlamento.
O discurso unificado dos meios de comunicação se resume a uma nota só: “O Temer bem que tenta, mas o Congresso não deixa”.
A inflação não foi reduzida como prometido? A Selic continua nas alturas? A recessão continua destruindo a economia e o tecido social? O desemprego bate recorde em sequência e se aproxima de 12%? Nada disso importa e pouco destaque é oferecido a tais temas na grande imprensa. Fatos que antes não saíam das manchetes escancaradas contra Dilma, agora perdem-se nas notas de rodapé a respeito de Temer. O grande debate dos analistas chamados a oferecer seus depoimentos é saber se já paramos de piorar muito. Cada nova redução do ritmo de destruição na economia é saudada como o início de uma recuperação das atividades tão ansiosamente aguardada.
A parcialidade e a unilateralidade desavergonhadas evidenciam o suporte dos meios de comunicação ao golpe em vias de ser consumado. Não existe nada de neutralidade ou imparcialidade. Não obstante o imenso apoio político, imagético, financeiro, econômico e tributário recebido pelos sucessivos governos desde 2003, na hora “h” a imprensa muda de conduta e assume seu lado de forma ostensiva na luta de classes. Como reza o conhecido ditado espanhol, “cría cuervos y te sacarón los ojos”.A grande indagação é saber se já atingimos o tão famoso fundo do poço. Afinal, a partir de lá os sinais só podem mesmo ser de melhora. E os jornalões buscam desesperadamente alguma forma de oferecer uma manchete carregada de alguma esperança aos seus leitores. De outra parte, mantêm a insistência em construir uma narrativa unânime em torno da agenda do desmonte. Desde a Reforma da Previdência ceifadora de direitos até a reforma constitucional de limitação dos gastos públicos pelas próximas duas décadas, a todo o instante os meios de comunicação apelam para os riscos do caos e da catástrofe caso nada for aprovado.
É essencial que esse processo seja avaliado de forma profunda por todos os envolvidos em um projeto de transformação democrática e popular de nosso País. Isso significa que não se pode desconsiderar uma reestruturação do poder dos oligopólios dos meios de comunicação e das instituições do sistema financeiro. A ilusão da aposta na política do bom mocismo apresenta sua fatura. E quem paga a conta é nosso regime democrático e os interesses da grande maioria de nosso povo.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
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