sábado, 27 de agosto de 2016

O impeachment e o futuro em xeque

Por Marcos Coimbra, na revista CartaCapital:

É difícil imaginar o futuro da democracia no Brasil. Após o que aconteceu nos últimos anos, uma coisa é certa: a reconstrução de um sistema político aberto e pluralista será um processo longo, sujeito a complicações e retrocessos.

O maior desafio será convencer os desfavorecidos de que o caminho eleitoral é efetivamente capaz de atender às suas necessidades e preferências. A derrubada do governo Dilma Rousseff e a consequente retomada do poder pelas oligarquias pode sugerir a muitos que a solução pelo voto é ilusória. O fim da “mágica brasileira”, que fez com que tantos acreditassem que era possível solucionar sem traumas e rapidamente nossos problemas de desigualdade e injustiça, cobrará um preço elevado.

Na ânsia de reconquistar seus privilégios e reassumir as rédeas do Estado, a elite brasileira age temerariamente. Recusa-se a aprender com nossa própria história e prefere ignorar o que ensina a experiência internacional.

Comparado a outros países igualmente pobres e brutos, o Brasil teve, no fim do século XX e no início do atual, uma trajetória singular. Saiu de uma longa ditadura e incorporou milhões de pessoas ao sistema político, mantendo-se basicamente em paz, apesar de compartilhar níveis de miséria que, em outros lugares, levaram a problemas crônicos de instabilidade e violência.

Em 1989, na primeira eleição presidencial moderna, tínhamos 82 milhões de eleitores, 67 milhões compareceram e 62 milhões votaram em algum candidato. Em 2014, o eleitorado era formado por 142 milhões de pessoas, 115 milhões compareceram e 104 milhões votaram nominalmente.

No curto espaço de 25 anos, o Brasil trouxe 60 milhões de novos atores para dentro do sistema político. Algo semelhante ao total de votantes nas últimas eleições na Argentina, Peru e Colômbia somados, os países de maior eleitorado na América do Sul (e quase cabia ainda o Chile). Entre nós, a ampliação do eleitorado não se deu apenas em velocidade mais elevada que a de qualquer vizinho, mas em escala várias vezes maior (em intervalo igual, o eleitorado argentino aumentou cinco vezes menos, em termos absolutos).

Na química política, a reação onde entram ampliação acelerada do sufrágio e miséria social persistente costuma produzir faíscas e explosões, na forma de conflitos civis, radicalismo exacerbado, banditismo e fanatismo religioso. No Brasil, nada disso aconteceu. Ao contrário, as novas massas de cidadãos, predominantemente pobres, mantiveram-se fiéis à democracia.

Em retrospecto, não é difícil entender o porquê: com a criação do Partido dos Trabalhadores, constitui-se uma alternativa de representação político-partidária, simultaneamente viável e legítima, que permitiu aos despossuídos imaginar que seus interesses poderiam ser promovidos através do processo eleitoral.

O desempenho de Lula na eleição presidencial de 1989 foi decisivo na consolidação dessa possibilidade. Sua quase vitória sobre Fernando Collor, apesar do jogo sujo do financiamento empresarial e das manipulações da mídia, significou que podia haver esperança. Treze anos depois, a grande maioria do País resolveu apostar nele.

O sucesso de Lula na Presidência demonstrou a tese e produziu o melhor momento vivido pelas pessoas humildes na história brasileira. Por mais que os porta-vozes da elite busquem desconstruí-lo, é sua essa honraria.

As condições materiais que prevaleceram naquele período mudaram, em grande parte por causa de alterações na economia mundial. Dilma, a seu modo e com suas limitações, quis remediá-las, mas foi derrubada tentando. As elites brasileiras escolheram o caminho que melhor conhecem: a imposição, ao conjunto do País, de suas velhas receitas. Recusam-se, por inépcia intelectual ou preguiça, a nem sequer procurar saídas que mantenham o respeito aos interesses dos mais pobres.

Nesse novo/velho Brasil que querem (re)construir, passando a borracha no que foi feito pelos governos do PT e arrasando a imagem do partido e suas lideranças, acham que voltarão a mandar sem questionamento. Estão prontas a utilizar-se do “pau e circo” do passado, com mais repressão e uso desenfreado da máquina de mistificação dos oligopólios de mídia.

A pergunta é se conseguirão, depois da década petista e tudo que representou. Depois que as camadas trabalhadoras obtiveram acesso às novas tecnologias da informação. Depois que adquiriram, na prática, consciência de seus direitos.

Ninguém é capaz de imaginar o que vem pela frente. Mas é bem provável que, no futuro não muito distante, as elites brasileiras tenham saudade de Lula.

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