Por Paulo Kliass, no site Carta Maior:
A obsessão da turma das finanças em continuar se orientando pelas receitas do ajuste ortodoxo não perdoa o Brasil e muito menos aqueles que dependem apenas da renda derivada de seu trabalho para sobreviver. Esses caras não possuem a menor compaixão ou preocupação para com os efeitos sociais da crise que seu modelito está provocando na grande maioria de nosso povo.
A submissão cega ao esquema do tripé da política econômica não oferece nenhuma válvula de escape, em especial nos períodos de recessão do ritmo da atividade econômica, onde se combinam desemprego crescente e falência generalizada das empresas. Como já sabemos, as três pernas do ajuste pressupõem a política monetária de juros elevados, a taxa de câmbio flutuante e a geração de superávit primário. Essa armadilha foi montada há mais de 20 anos atrás, ainda quando da implantação do Plano Real. E permanece como uma obrigação inescapável - uma auto obrigação sem o menor sentido - para quem quer que se habilite a conduzir a política econômica em nosso País.
Se alguém se atrever a buscar uma síntese de permanência para todo esse período, talvez se contente com a chave expressa na expressão tão batida da “busca de credibilidade”. Mas confiança para que e para quem? Ora, trata-se da preocupação dos sucessivos responsáveis pela condução da política econômica em serem bem aceitos e elogiados pelo mercado financeiro. E ponto final.
O guia orientador do suposto “sucesso” ou “fracasso” da política econômica resume-se na observação dos resultados da pesquisa Focus, organizada pelo Banco Central a cada semana e divulgada toda segunda-feira. O pequeno detalhe é que o universo dos entrevistados restringe-se a dirigentes e analistas de instituições do sistema financeiro. Ou seja, justamente os maiores interessados em uma política monetária que privilegia os interesses do financismo. E o governo segue formulando suas diretrizes para não se queimar com aqueles que são escutados pelo BC.
Em nome da estabilidade da macroeconomia praticou-se uma política ininterrupta de taxa oficial de juros estratosféricos, com o intuito de manter um fluxo positivo de ingresso de recursos externos em nosso mercado de capitais. Esse mecanismo gera uma obrigação de pagamento de um volume expressivo de despesas orçamentárias de natureza meramente financeira. Trata-se do famoso cumprimento das obrigações do Estado com juros e demais serviços da dívida pública.
O compromisso explícito dos diversos governos com a figura do superávit primário assegura ao especulador internacional o cumprimento do acordado, custe o que custar ao povo, internamente. O modelo é perfeito em sua perversidade. O Estado pode até cortar gastos de natureza social, caso necessário seja. Mas as despesas financeiras tornam-se imexíveis. O único jogador que se senta à mesa com certeza de ganho antecipado é o investidor estrangeiro.
A condição de recordista mundial absoluto no quesito taxa oficial de juros converteu o Brasil em um dos destinos preferidos da especulação internacional. Assim, nem mesmo o início do governo Lula em 2003 revelou-se como uma ameaça grave para esse tipo de aplicação. O compromisso firmado por meio da divulgação da famosa “Carta aos Brasileiros” ainda antes das eleições presidenciais e a formação de seu primeiro governo com Pallocci e Meirelles na economia operaram como estímulo da atratividade.
O ingresso permanente de recursos estrangeiros pressionava o mercado interno de divisas, com um volume enorme de dólares e demais moedas externas. Como um dos fundamentos dessa macroeconomia neoliberal dizia que o governo não deveria regular a taxa de câmbio, teve início um dos fatores do verdadeiro desastre que se viu a partir de então. Essa abordagem simplista e irresponsável da política cambial fez com que o ingresso inundante de recursos externos operasse como excesso de “oferta de dólares”. Com isso, o “preço do dólar” caía e a taxa de câmbio ficava sobrevalorizada de forma absolutamente artificial.
Não havia nada de “liberdade de formação da taxa de câmbio” ou “taxa de câmbio livre ou flutuante”. Esse era apenas o argumento retórico com tinturas liberalóides para iludir a população a respeito da farra dos importados (essencialmente produtos de origem chinesa) aqui dentro e das malas cheias das famílias que podiam se dirigir a Miami e arrasar em suas compras. Esse é o triste efeito do colírio de nossa moeda sobrevalorizada. Mas a contrapartida dessa ilusão passageira foi o processo crescente de desindustrialização de nossa economia. A indústria brasileira foi perdendo espaço interno na concorrência desleal com os bens importados e viu diminuir a capacidade de colocar seus produtos como exportação nos países estrangeiros.
Ainda que seja muito complexo e polêmico estabelecer “a priori” uma suposta taxa de câmbio “adequada” a cada conjuntura da economia, parte dos economistas sinceros parece reconhecer quando há um flagrante exagero. Às vésperas das eleições, por exemplo, em outubro de 2002 o dólar chegou a ser cotado a R$ 4,00. Era a evidência do mais absoluto terrorismo dos grandes operadores do mercado financeiro. Nada a ver com algum suposto “equilíbrio sincero das forças de oferta e demanda no mercado de divisas”.
Tanto que, uma vez conhecido o resultado do pleito, a taxa de câmbio começa a declinar logo em seguida. Inicia o ano de 2003 a R$ 3,40 e veio se aproximando da marca simbólica de R$ 3,00 e oscilando em torno dela. Pois bem, desde setembro de 2004 tem início uma tendência resoluta de sobrevalorização. Durante exatos 125 meses contínuos a taxa de câmbio esteve abaixo desse patamar dos R$ 3,00, considerado por muitos como sendo “razoável”. Ou seja, foram mais de 10 anos seguidos de câmbio sobrevalorizado, com uma taxa média de R$ 2,06.
E dentro desse verdadeiro quadro de tragédia, houve um fato ainda mais grave. Quase a metade desse período caracterizou-se pela existência de uma taxa inferior a R$ 2,00. Assim, entre 2007 e 2012 foram 55 meses com o câmbio perigosamente sobrevalorizado. Com isso, nossa economia experimentou por quase cinco anos as agruras de uma taxa cuja cotação média foi de R$ 1,77.
A história recente nos ensinou que não existe a menor possibilidade de construirmos um projeto nacional de desenvolvimento que se sustente no tempo com esse câmbio valorizado. Caso se pretenda romper com a lógica da desindustrialização e da acomodação em nosso papel submisso de exportador de produtos primários, a taxa de câmbio não pode mais ser deixada ao sabor dos interesses dos poucos mega operadores que intervêm livremente nesse mercado tão concentrado das divisas.
O tema voltará com certeza ao centro do debate ao longo dos próximos meses. Por mais adiada que seja a recuperação da economia norte-americana, o fato é que o FED (banco central dos EUA) deverá aumentar sua taxa de juros, que atualmente é próxima de zero. Esse movimento tende a retirar o interesse de parte do capital especulativo que para cá se dirigiu. Caso o governo brasileiro persista no equívoco de aumentar ainda mais nossa SELIC para manter a atratividade desse recurso parasita, a trajetória de sobrevalorização do real poderá ser ainda mais agravada.
O caminho de solução passa pelo tão necessário estabelecimento de limites e condições à livre circulação de capitais. Com isso, mantém-se o interesse em recepcionar o investimento que venha para aumentar nossa capacidade produtiva. Mas definem-se regras para o capital especulativo sem compromisso e que pode chegar de noite e sair na madrugada seguinte. Esse recurso deveria pagar mais imposto e submeter-se a uma quarentena mínima para depois poder voltar ao seu local de origem.
Esse é o procedimento para atenuar o impacto das oscilações artificiais e especulativas no mercado de câmbio. Trata-se de requisito necessário para impedir a continuidade do processo de sobrevalorização de nossa moeda.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
A obsessão da turma das finanças em continuar se orientando pelas receitas do ajuste ortodoxo não perdoa o Brasil e muito menos aqueles que dependem apenas da renda derivada de seu trabalho para sobreviver. Esses caras não possuem a menor compaixão ou preocupação para com os efeitos sociais da crise que seu modelito está provocando na grande maioria de nosso povo.
A submissão cega ao esquema do tripé da política econômica não oferece nenhuma válvula de escape, em especial nos períodos de recessão do ritmo da atividade econômica, onde se combinam desemprego crescente e falência generalizada das empresas. Como já sabemos, as três pernas do ajuste pressupõem a política monetária de juros elevados, a taxa de câmbio flutuante e a geração de superávit primário. Essa armadilha foi montada há mais de 20 anos atrás, ainda quando da implantação do Plano Real. E permanece como uma obrigação inescapável - uma auto obrigação sem o menor sentido - para quem quer que se habilite a conduzir a política econômica em nosso País.
Se alguém se atrever a buscar uma síntese de permanência para todo esse período, talvez se contente com a chave expressa na expressão tão batida da “busca de credibilidade”. Mas confiança para que e para quem? Ora, trata-se da preocupação dos sucessivos responsáveis pela condução da política econômica em serem bem aceitos e elogiados pelo mercado financeiro. E ponto final.
O guia orientador do suposto “sucesso” ou “fracasso” da política econômica resume-se na observação dos resultados da pesquisa Focus, organizada pelo Banco Central a cada semana e divulgada toda segunda-feira. O pequeno detalhe é que o universo dos entrevistados restringe-se a dirigentes e analistas de instituições do sistema financeiro. Ou seja, justamente os maiores interessados em uma política monetária que privilegia os interesses do financismo. E o governo segue formulando suas diretrizes para não se queimar com aqueles que são escutados pelo BC.
Em nome da estabilidade da macroeconomia praticou-se uma política ininterrupta de taxa oficial de juros estratosféricos, com o intuito de manter um fluxo positivo de ingresso de recursos externos em nosso mercado de capitais. Esse mecanismo gera uma obrigação de pagamento de um volume expressivo de despesas orçamentárias de natureza meramente financeira. Trata-se do famoso cumprimento das obrigações do Estado com juros e demais serviços da dívida pública.
O compromisso explícito dos diversos governos com a figura do superávit primário assegura ao especulador internacional o cumprimento do acordado, custe o que custar ao povo, internamente. O modelo é perfeito em sua perversidade. O Estado pode até cortar gastos de natureza social, caso necessário seja. Mas as despesas financeiras tornam-se imexíveis. O único jogador que se senta à mesa com certeza de ganho antecipado é o investidor estrangeiro.
A condição de recordista mundial absoluto no quesito taxa oficial de juros converteu o Brasil em um dos destinos preferidos da especulação internacional. Assim, nem mesmo o início do governo Lula em 2003 revelou-se como uma ameaça grave para esse tipo de aplicação. O compromisso firmado por meio da divulgação da famosa “Carta aos Brasileiros” ainda antes das eleições presidenciais e a formação de seu primeiro governo com Pallocci e Meirelles na economia operaram como estímulo da atratividade.
O ingresso permanente de recursos estrangeiros pressionava o mercado interno de divisas, com um volume enorme de dólares e demais moedas externas. Como um dos fundamentos dessa macroeconomia neoliberal dizia que o governo não deveria regular a taxa de câmbio, teve início um dos fatores do verdadeiro desastre que se viu a partir de então. Essa abordagem simplista e irresponsável da política cambial fez com que o ingresso inundante de recursos externos operasse como excesso de “oferta de dólares”. Com isso, o “preço do dólar” caía e a taxa de câmbio ficava sobrevalorizada de forma absolutamente artificial.
Não havia nada de “liberdade de formação da taxa de câmbio” ou “taxa de câmbio livre ou flutuante”. Esse era apenas o argumento retórico com tinturas liberalóides para iludir a população a respeito da farra dos importados (essencialmente produtos de origem chinesa) aqui dentro e das malas cheias das famílias que podiam se dirigir a Miami e arrasar em suas compras. Esse é o triste efeito do colírio de nossa moeda sobrevalorizada. Mas a contrapartida dessa ilusão passageira foi o processo crescente de desindustrialização de nossa economia. A indústria brasileira foi perdendo espaço interno na concorrência desleal com os bens importados e viu diminuir a capacidade de colocar seus produtos como exportação nos países estrangeiros.
Ainda que seja muito complexo e polêmico estabelecer “a priori” uma suposta taxa de câmbio “adequada” a cada conjuntura da economia, parte dos economistas sinceros parece reconhecer quando há um flagrante exagero. Às vésperas das eleições, por exemplo, em outubro de 2002 o dólar chegou a ser cotado a R$ 4,00. Era a evidência do mais absoluto terrorismo dos grandes operadores do mercado financeiro. Nada a ver com algum suposto “equilíbrio sincero das forças de oferta e demanda no mercado de divisas”.
Tanto que, uma vez conhecido o resultado do pleito, a taxa de câmbio começa a declinar logo em seguida. Inicia o ano de 2003 a R$ 3,40 e veio se aproximando da marca simbólica de R$ 3,00 e oscilando em torno dela. Pois bem, desde setembro de 2004 tem início uma tendência resoluta de sobrevalorização. Durante exatos 125 meses contínuos a taxa de câmbio esteve abaixo desse patamar dos R$ 3,00, considerado por muitos como sendo “razoável”. Ou seja, foram mais de 10 anos seguidos de câmbio sobrevalorizado, com uma taxa média de R$ 2,06.
E dentro desse verdadeiro quadro de tragédia, houve um fato ainda mais grave. Quase a metade desse período caracterizou-se pela existência de uma taxa inferior a R$ 2,00. Assim, entre 2007 e 2012 foram 55 meses com o câmbio perigosamente sobrevalorizado. Com isso, nossa economia experimentou por quase cinco anos as agruras de uma taxa cuja cotação média foi de R$ 1,77.
A história recente nos ensinou que não existe a menor possibilidade de construirmos um projeto nacional de desenvolvimento que se sustente no tempo com esse câmbio valorizado. Caso se pretenda romper com a lógica da desindustrialização e da acomodação em nosso papel submisso de exportador de produtos primários, a taxa de câmbio não pode mais ser deixada ao sabor dos interesses dos poucos mega operadores que intervêm livremente nesse mercado tão concentrado das divisas.
O tema voltará com certeza ao centro do debate ao longo dos próximos meses. Por mais adiada que seja a recuperação da economia norte-americana, o fato é que o FED (banco central dos EUA) deverá aumentar sua taxa de juros, que atualmente é próxima de zero. Esse movimento tende a retirar o interesse de parte do capital especulativo que para cá se dirigiu. Caso o governo brasileiro persista no equívoco de aumentar ainda mais nossa SELIC para manter a atratividade desse recurso parasita, a trajetória de sobrevalorização do real poderá ser ainda mais agravada.
O caminho de solução passa pelo tão necessário estabelecimento de limites e condições à livre circulação de capitais. Com isso, mantém-se o interesse em recepcionar o investimento que venha para aumentar nossa capacidade produtiva. Mas definem-se regras para o capital especulativo sem compromisso e que pode chegar de noite e sair na madrugada seguinte. Esse recurso deveria pagar mais imposto e submeter-se a uma quarentena mínima para depois poder voltar ao seu local de origem.
Esse é o procedimento para atenuar o impacto das oscilações artificiais e especulativas no mercado de câmbio. Trata-se de requisito necessário para impedir a continuidade do processo de sobrevalorização de nossa moeda.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
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