Por Luis Nassif, no Jornal GGN:
Primeiro Movimento – o nascimento do ativismo judicial
A Constituinte de 1988 foi montada em cima de um retrovisor: o regime militar que se encerrava.
A relatoria da Constituinte tinha subcomissões. A do Ministério Público e do Judiciário foi relatada por Plinio de Arruda Sampaio, do PT. Do lado do MP, recebia assessoria de Álvaro Augusto Ribeiro Costa, Sepúlveda Pertence, Eugenio Aragão, Wagner Gonçalves e Aristides Junqueira, futuro Procurador Geral da República de Itamar Franco.
O Judiciário estava na defensiva. O PT questionou a presidência da Constituinte por Moreira Alves, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e foi apoiado por Ulisses Guimarães;
Mesmo assim, o Judiciário derrotou Plinio impedindo a criação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), derrubando a proposta de mandatos por tempo limitado para Ministros do STF, criando o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e diminuindo para 11 o número de Ministros do Supremo.
Em seguida à promulgação, o Judiciário tomou decisão de recepcionar na nova Constituição as demais normas do Poder Judiciário, como a Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), que vinha da época de Geisel.
Ficaram vazios, de leis regulatórias que precisariam ser votadas, porque nenhum partido tinha maioria parlamentar. Foi o caso dos capítulos da Comunicação, Segurança Pública, Reforma Agrária. Para preencher o vácuo, o Judiciário foi interpretando e cada vez mais ocupando o espaço das decisões políticas.
No debate sobre a regulamentação do capítulo da Comunicação, o Supremo, através de ADINs aprovou que concessões de TV não envolviam sinais digitais, só as TVs abertas. Abriu-se uma avenida pelo Ministro das Comunicações Antônio Carlos Magalhães. Só no período Sarney o número de novas concessões foi similar a tudo que foi concedido de 1946 a 1964.
E aí a esquerda começou a chocar o ovo da serpente.
Derrotada nas eleições de 1989, minoria no Congresso, perdia votação e recorria ao Judiciário, através de ADINs (Ação Direta de Inconstitucionalidade). E passou a recorrer a denúncias sistemáticas ao MPF contra adversários políticos.
Primeiro Movimento – o nascimento do ativismo judicial
A Constituinte de 1988 foi montada em cima de um retrovisor: o regime militar que se encerrava.
A relatoria da Constituinte tinha subcomissões. A do Ministério Público e do Judiciário foi relatada por Plinio de Arruda Sampaio, do PT. Do lado do MP, recebia assessoria de Álvaro Augusto Ribeiro Costa, Sepúlveda Pertence, Eugenio Aragão, Wagner Gonçalves e Aristides Junqueira, futuro Procurador Geral da República de Itamar Franco.
O Judiciário estava na defensiva. O PT questionou a presidência da Constituinte por Moreira Alves, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e foi apoiado por Ulisses Guimarães;
Mesmo assim, o Judiciário derrotou Plinio impedindo a criação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), derrubando a proposta de mandatos por tempo limitado para Ministros do STF, criando o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e diminuindo para 11 o número de Ministros do Supremo.
Em seguida à promulgação, o Judiciário tomou decisão de recepcionar na nova Constituição as demais normas do Poder Judiciário, como a Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), que vinha da época de Geisel.
Ficaram vazios, de leis regulatórias que precisariam ser votadas, porque nenhum partido tinha maioria parlamentar. Foi o caso dos capítulos da Comunicação, Segurança Pública, Reforma Agrária. Para preencher o vácuo, o Judiciário foi interpretando e cada vez mais ocupando o espaço das decisões políticas.
No debate sobre a regulamentação do capítulo da Comunicação, o Supremo, através de ADINs aprovou que concessões de TV não envolviam sinais digitais, só as TVs abertas. Abriu-se uma avenida pelo Ministro das Comunicações Antônio Carlos Magalhães. Só no período Sarney o número de novas concessões foi similar a tudo que foi concedido de 1946 a 1964.
E aí a esquerda começou a chocar o ovo da serpente.
Derrotada nas eleições de 1989, minoria no Congresso, perdia votação e recorria ao Judiciário, através de ADINs (Ação Direta de Inconstitucionalidade). E passou a recorrer a denúncias sistemáticas ao MPF contra adversários políticos.
Segundo Movimento: o pacto com as corporações públicas
A Constituição foi produto de vários relatórios e projetos.
Ao fim do muro de Berlim e da União Soviética, se somou a crise do ABC, com desemprego trazido pela crise econômica. A base social do PT deslocou-se para o funcionalismo público. E o partido começou a construir pontes com a elite do funcionalismo, Ministério Público, Tribunal de Contas, Polícia Federal, juízes de primeira instância, conferindo-lhes os três Ps: privilégios, prerrogativas e promoção, junto com autonomia funcional e administrativa.
Era um relacionamento em clima de companheirismo total. Daí os relatos de que, antes da Lava Jato, Sérgio Moro era eleitor do PT, assim como Rodrigo Janot.
O mesmo aconteceu com a Polícia Federal. Desaparelhada no período FHC, quando entrou o governo Lula, a PF foi buscar alianças com a esquerda para se aparelhar. Quando Lula foi eleito, a PF queria se responsabilizar até pela segurança presidencial, ocupando o lugar das Forças Armadas.
A partir dessa parceria, o PT adotou várias posições pró-MP e pró-corporações públicas.
Ajudou a derrubar projeto do deputado Paulo Maluf, que penalizava procuradores em ações consideradas ineptas pelo Judiciário – projeto similar ao do atual presidente do Senado Renan Calheiros, visando coibir abusos de poder.
Na Lei Orgânica do MP, os procuradores começaram a pressionar para incluir a ideia da lista tríplice. Era um discurso de fácil assimilação pela esquerda, pelo poder dado à corporação e por ser eleição direta. E essa aliança foi fundamental para consolidar o poder do MPF sobre os demais MPs.
O Ministério Público é composto pelo MPF (Ministério Público Federal), integrado pelos chamados procuradores da República, o da União (os MPs estaduais), o do Trabalho e o Militar. O lobby do MP da República, associado ao PT, possibilitou que a escolha do PGR ocorresse apenas dentro do MPF, o menor de todos. Aliás, Lula vivia se vangloriando de sempre indicar o primeiro da lista tríplice para PGR.
Mais que isso, a Constituição conferiu uma série de competências inéditas ao MP, como o de representar, propor ADINs e "exercer outras funções que lhe forem conferidas por lei, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo vedada a representação judicial e a consultoria".
O lobby do MPF retirou do texto o trecho "que lhe forem conferidas por lei". Com isso, o próprio Ministério Público passou a interpretar o que seriam as outras funções.
Hoje em dia, o PGR tem poder para definir tudo da carreira, arbitrar valor das vantagens devidas aos membros do MP, férias, gratificações. Esse poder criou um vício eleitoral similar ao presidencialismo de coalizão: quem está no poder negocia as vantagens e dificilmente perde eleições.
A Constituição foi produto de vários relatórios e projetos.
Ao fim do muro de Berlim e da União Soviética, se somou a crise do ABC, com desemprego trazido pela crise econômica. A base social do PT deslocou-se para o funcionalismo público. E o partido começou a construir pontes com a elite do funcionalismo, Ministério Público, Tribunal de Contas, Polícia Federal, juízes de primeira instância, conferindo-lhes os três Ps: privilégios, prerrogativas e promoção, junto com autonomia funcional e administrativa.
Era um relacionamento em clima de companheirismo total. Daí os relatos de que, antes da Lava Jato, Sérgio Moro era eleitor do PT, assim como Rodrigo Janot.
O mesmo aconteceu com a Polícia Federal. Desaparelhada no período FHC, quando entrou o governo Lula, a PF foi buscar alianças com a esquerda para se aparelhar. Quando Lula foi eleito, a PF queria se responsabilizar até pela segurança presidencial, ocupando o lugar das Forças Armadas.
A partir dessa parceria, o PT adotou várias posições pró-MP e pró-corporações públicas.
Ajudou a derrubar projeto do deputado Paulo Maluf, que penalizava procuradores em ações consideradas ineptas pelo Judiciário – projeto similar ao do atual presidente do Senado Renan Calheiros, visando coibir abusos de poder.
Na Lei Orgânica do MP, os procuradores começaram a pressionar para incluir a ideia da lista tríplice. Era um discurso de fácil assimilação pela esquerda, pelo poder dado à corporação e por ser eleição direta. E essa aliança foi fundamental para consolidar o poder do MPF sobre os demais MPs.
O Ministério Público é composto pelo MPF (Ministério Público Federal), integrado pelos chamados procuradores da República, o da União (os MPs estaduais), o do Trabalho e o Militar. O lobby do MP da República, associado ao PT, possibilitou que a escolha do PGR ocorresse apenas dentro do MPF, o menor de todos. Aliás, Lula vivia se vangloriando de sempre indicar o primeiro da lista tríplice para PGR.
Mais que isso, a Constituição conferiu uma série de competências inéditas ao MP, como o de representar, propor ADINs e "exercer outras funções que lhe forem conferidas por lei, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo vedada a representação judicial e a consultoria".
O lobby do MPF retirou do texto o trecho "que lhe forem conferidas por lei". Com isso, o próprio Ministério Público passou a interpretar o que seriam as outras funções.
Hoje em dia, o PGR tem poder para definir tudo da carreira, arbitrar valor das vantagens devidas aos membros do MP, férias, gratificações. Esse poder criou um vício eleitoral similar ao presidencialismo de coalizão: quem está no poder negocia as vantagens e dificilmente perde eleições.
Terceiro Movimento: dos direitos humanos ao padrão OBAN
A ideia inicial na Constituição era a de que o MP trataria fundamentalmente das questões sociais. Gradativamente, no entanto, a maior parte do MP passou a privilegiar as operações que davam mídia.
Três ações históricas garantiram o prestigio do MP na questão penal:
1. Acre: o trabalho do procurador. Luiz Francisco conseguindo a condenação e prisão do parlamentar que matava a os adversários com motosserra.
2. Espírito Santo, contra o ex-presidente da Assembleia Legislativa José Carlos Gratz.
3. No Rio de Janeiro com o procurador Antônio Carlos Biscaia e a juíza Denise Frossard contra os banqueiros do bicho.
Dali em diante, ganhavam espaço as operações em que a imprensa batia bumbo. Procuradores passaram a fazer media training e a buscar a parceria com repórteres policiais nas suas operações, a se valer dos vazamentos como armas contra a defesa e contra juízes garantistas. Tudo com a contribuição do PT, embarcando na onda das táticas moralistas para provocar investigações contra inimigos do partido.
O Centro de Inteligência do Exército é o único que funciona bem, dentro da máquina pública. Nem todos os coronéis do CIEX passam no funil para se tornarem generais.
Mesmo não tendo poder de investigar, o MPF buscou 13 deles na área de inteligência para assessorar nos grampos, no Guardião, na tecnologia de infiltração e de interrogatório.
Aos poucos, a área penal do MPF passou a incorporar todas as características da OBAN, a Operação Bandeirantes, que marcou o período de maior repressão do governo militar. A OBAN foi responsável por um conjunto de inovações, posteriormente adotada pelo MPF e pela PF.
A primeira delas foi a constituição de forças-tarefas para operações específicas. E toda operação tem que ter uma narrativa, uma marca, uma versão dos fatos que seja verossímil, embora não necessariamente verdadeira, para orientar os trabalhos. Foi assim com a guerrilha, com os dominicanos e no episódio Vladimir Herzog. Herzog morreu porque submetido a torturas para que delatasse suposto conluio do governador Paulo Egydio Martins com o PCB.
A segunda, o princípio básico da guerra revolucionária – bem detalhado pelo jornalista Antônio Carlos Godoy no livro "A Casa de Vovó” -, de que quem prende, quem investiga, quem denuncia e quem julga não podem ter contradições entre si. Tem que haver consenso para impor a versão à mídia e à Justiça. E deve se valer da mídia para espalhar versões ou declarações de arrependimento, dentro do conceito da guerra psicológica adversa.
A Lava Jato recorreu a métodos similares, devidamente aplainados pelos novos tempos: em vez de pau de arara, outras formas de tortura moral, como as prisões preventivas sem prazo para acabar, isolados do mundo e da família.
Não apenas isso.
Criou o conceito do inimigo interno, através da chamada teoria dos fatos, colocando como narrativa central a existência de uma organização criminosa, comandada pelo PT e por Lula, composta de um núcleo dirigente, um núcleo político e um núcleo de operadores.
Foi essa narrativa que permitiu focar as investigações em Lula e PT, deixando de lado o PSDB e outros partidos de fora da base.
Se a narrativa fosse de um conluio de empreiteiras atuando em todos os níveis de poder, as investigações chegariam a Minas Gerais, São Paulo e demais estados. Portanto, a seleção da narrativa não foi aleatória.
Na Força Tarefa há identidade absoluta entre Policiais Federais, procuradores e juiz, atropelando um modelo clássico do liberalismo, segundo o qual quem investiga não denuncia; quem denuncia não julga. Cabe ao procurador fiscalizar o policial e o juiz impedir abusos de ambos. No caso do juiz de instrução acusador, aceito por alguns países, o julgador final precisa ser outro juiz, sem envolvimento direto com o caso.
Prevaleceu o padrão OBAN.
A ideia inicial na Constituição era a de que o MP trataria fundamentalmente das questões sociais. Gradativamente, no entanto, a maior parte do MP passou a privilegiar as operações que davam mídia.
Três ações históricas garantiram o prestigio do MP na questão penal:
1. Acre: o trabalho do procurador. Luiz Francisco conseguindo a condenação e prisão do parlamentar que matava a os adversários com motosserra.
2. Espírito Santo, contra o ex-presidente da Assembleia Legislativa José Carlos Gratz.
3. No Rio de Janeiro com o procurador Antônio Carlos Biscaia e a juíza Denise Frossard contra os banqueiros do bicho.
Dali em diante, ganhavam espaço as operações em que a imprensa batia bumbo. Procuradores passaram a fazer media training e a buscar a parceria com repórteres policiais nas suas operações, a se valer dos vazamentos como armas contra a defesa e contra juízes garantistas. Tudo com a contribuição do PT, embarcando na onda das táticas moralistas para provocar investigações contra inimigos do partido.
O Centro de Inteligência do Exército é o único que funciona bem, dentro da máquina pública. Nem todos os coronéis do CIEX passam no funil para se tornarem generais.
Mesmo não tendo poder de investigar, o MPF buscou 13 deles na área de inteligência para assessorar nos grampos, no Guardião, na tecnologia de infiltração e de interrogatório.
Aos poucos, a área penal do MPF passou a incorporar todas as características da OBAN, a Operação Bandeirantes, que marcou o período de maior repressão do governo militar. A OBAN foi responsável por um conjunto de inovações, posteriormente adotada pelo MPF e pela PF.
A primeira delas foi a constituição de forças-tarefas para operações específicas. E toda operação tem que ter uma narrativa, uma marca, uma versão dos fatos que seja verossímil, embora não necessariamente verdadeira, para orientar os trabalhos. Foi assim com a guerrilha, com os dominicanos e no episódio Vladimir Herzog. Herzog morreu porque submetido a torturas para que delatasse suposto conluio do governador Paulo Egydio Martins com o PCB.
A segunda, o princípio básico da guerra revolucionária – bem detalhado pelo jornalista Antônio Carlos Godoy no livro "A Casa de Vovó” -, de que quem prende, quem investiga, quem denuncia e quem julga não podem ter contradições entre si. Tem que haver consenso para impor a versão à mídia e à Justiça. E deve se valer da mídia para espalhar versões ou declarações de arrependimento, dentro do conceito da guerra psicológica adversa.
A Lava Jato recorreu a métodos similares, devidamente aplainados pelos novos tempos: em vez de pau de arara, outras formas de tortura moral, como as prisões preventivas sem prazo para acabar, isolados do mundo e da família.
Não apenas isso.
Criou o conceito do inimigo interno, através da chamada teoria dos fatos, colocando como narrativa central a existência de uma organização criminosa, comandada pelo PT e por Lula, composta de um núcleo dirigente, um núcleo político e um núcleo de operadores.
Foi essa narrativa que permitiu focar as investigações em Lula e PT, deixando de lado o PSDB e outros partidos de fora da base.
Se a narrativa fosse de um conluio de empreiteiras atuando em todos os níveis de poder, as investigações chegariam a Minas Gerais, São Paulo e demais estados. Portanto, a seleção da narrativa não foi aleatória.
Na Força Tarefa há identidade absoluta entre Policiais Federais, procuradores e juiz, atropelando um modelo clássico do liberalismo, segundo o qual quem investiga não denuncia; quem denuncia não julga. Cabe ao procurador fiscalizar o policial e o juiz impedir abusos de ambos. No caso do juiz de instrução acusador, aceito por alguns países, o julgador final precisa ser outro juiz, sem envolvimento direto com o caso.
Prevaleceu o padrão OBAN.
Quarto Movimento: o pacto eleitoral para a PGR
Cada vez mais, o MPF passou a atuar como partido político, a começar da eleição para PGR.
As eleições para a PGR obedeceram às receitas padrão do presidencialismo de coalizão. Cada candidato atua politicamente, aproximando-se de líderes do governo, de deputados, de senadores e cativando a base. Foi o caso de Janot, levado por Aragão a visitar José Dirceu, mesmo após o julgamento da AP 470, ou oferecendo jantares a José Genoíno em sua casa, comparecendo a jantares com políticos petistas.
Como em todo arranjo político, havia um pacto entre as lideranças do MPF, de ninguém se candidatar à reeleição.
Cláudio Fonteles permaneceu PGR por um mandato. Passou o bastão a Antônio Fernando de Souza. Este pegou a AP 470 pela frente, e pressionou Lula: se não fosse reconduzido poderia parecer que o governo pretendia varrer o mensalão para baixo do tapete. Atropelou o acordo.
Na rodada seguinte, o favorito era Wagner Gonçalves, ex-presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), apoiado por Eugênio Aragão. Foi vetado por Gilmar Mendes, na época presidindo o STF, e inimigo declarado de Wagner e Eugênio. Foi uma das muitas vitórias que Gilmar conseguiu contra Lula, meramente blefando: a outra foi o afastamento de Paulo Lacerda, que liberou o jogo político-partidário na PF.
Restou a Lula indicar Roberto Gurgel que imediatamente transformou a denúncia de Antônio Fernando em representação no STF. E coube o papel de verdugo ao ex-procurador Joaquim Barbosa, do círculo mais próximo dos procuradores progressistas.
Inquéritos volumosos têm muitas razões que os leitores desconhecem ou não conseguem captar. Mas, ali, havia duas informações indesmentíveis:
1. A AP 470 foi montada totalmente em cima da suposição do desvio de R$ 75 milhões da Visanet.
2. O desvio não ocorreu.
O estratagema serviu para que o PGR livrasse Daniel Dantas da operação, mesmo dispondo de um laudo técnico da PF mostrando o pagamento prometido de R$ 50 milhões a Marcos Valério sem contrapartida de serviços.
Ao lado o episódio da helicoca, trata-se de um dos grandes mistérios nesses tempos em que se supunha que nenhuma informação ficasse escondida. Não se tratava de um ato unilateral de um PGR, mas de um artifício endossado por várias instâncias.
O MPF passava a atuar como partido político.
Cada vez mais, o MPF passou a atuar como partido político, a começar da eleição para PGR.
As eleições para a PGR obedeceram às receitas padrão do presidencialismo de coalizão. Cada candidato atua politicamente, aproximando-se de líderes do governo, de deputados, de senadores e cativando a base. Foi o caso de Janot, levado por Aragão a visitar José Dirceu, mesmo após o julgamento da AP 470, ou oferecendo jantares a José Genoíno em sua casa, comparecendo a jantares com políticos petistas.
Como em todo arranjo político, havia um pacto entre as lideranças do MPF, de ninguém se candidatar à reeleição.
Cláudio Fonteles permaneceu PGR por um mandato. Passou o bastão a Antônio Fernando de Souza. Este pegou a AP 470 pela frente, e pressionou Lula: se não fosse reconduzido poderia parecer que o governo pretendia varrer o mensalão para baixo do tapete. Atropelou o acordo.
Na rodada seguinte, o favorito era Wagner Gonçalves, ex-presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), apoiado por Eugênio Aragão. Foi vetado por Gilmar Mendes, na época presidindo o STF, e inimigo declarado de Wagner e Eugênio. Foi uma das muitas vitórias que Gilmar conseguiu contra Lula, meramente blefando: a outra foi o afastamento de Paulo Lacerda, que liberou o jogo político-partidário na PF.
Restou a Lula indicar Roberto Gurgel que imediatamente transformou a denúncia de Antônio Fernando em representação no STF. E coube o papel de verdugo ao ex-procurador Joaquim Barbosa, do círculo mais próximo dos procuradores progressistas.
Inquéritos volumosos têm muitas razões que os leitores desconhecem ou não conseguem captar. Mas, ali, havia duas informações indesmentíveis:
1. A AP 470 foi montada totalmente em cima da suposição do desvio de R$ 75 milhões da Visanet.
2. O desvio não ocorreu.
O estratagema serviu para que o PGR livrasse Daniel Dantas da operação, mesmo dispondo de um laudo técnico da PF mostrando o pagamento prometido de R$ 50 milhões a Marcos Valério sem contrapartida de serviços.
Ao lado o episódio da helicoca, trata-se de um dos grandes mistérios nesses tempos em que se supunha que nenhuma informação ficasse escondida. Não se tratava de um ato unilateral de um PGR, mas de um artifício endossado por várias instâncias.
O MPF passava a atuar como partido político.
Quinto Movimento: o MPF de Rodrigo Janot
Rodrigo Janot sempre pertenceu ao chamado grupo progressista do Ministério Público. Foi subprocurador de Cláudio Fonteles e candidato a vice de Wagner Gonçalves.
Quando dirigia a Escola Nacional do Ministério Público, montou reuniões periódicas para discutir temas nacionais, das quais eram participantes ativos Eugênio, Wagner, o advogado ativista Luiz Moreira, Álvaro Ribeiro da Costa, para o qual eram convidados dirigentes petistas de maior preparo, como José Genoíno. Nesses encontros, discutia-se de nanotecnologia ao papel das Forças Armadas.
Em todo esse período, Janot preparou-se para ser PGR. Valeu-se para tal do estreito conhecimento que tinha da máquina do MPF, como segundo de Fonteles e presidente da ANPR.
Nas eleições, atropelou duas procuradores símbolos do MPF, Ela Wiecko e Deborah Duprat – a quem acusou de ser ligada a José Serra. Computados os votos de todos os Ministérios Públicos, Deborah foi a mais votada. Mas Janot foi o mais votado dentre os procuradores da República.
A esta altura, um novo fenômeno alterava a natureza do MPF, com a ampliação dos quadros e o advento da era dos concurseiros, jovens preparados, com recursos para se dedicar por anos para se preparar para os concursos, não necessariamente com vocação pública, mas encantados pela possibilidade de altos salários iniciais e do poder de “autoridade”.
É nesse momento que Janot passa por uma um processo de conversão ao status quo. Percebendo os novos tempos, foca sua campanha eleitoral em temas de gestão e de atendimento às demandas corporativas da classe. E dando-se conta dos impactos da AP 470 sobre a classe e sobre a opinião pública, preparou-se para transformar a Lava Jato no passaporte final do MPF para o centro do poder.
Reconduzido ao cargo por Dilma, uma de suas primeiras atitudes foi abrir uma ação contra ela, em um gesto considerado desleal por seus antigos companheiros.
Respondeu a uma fala de Lula – em uma escuta ilegalmente divulgada – afirmando que devia tudo ao concurso público e não a ele, Lula. A declaração era inoportuna, visto que respondendo a uma conversa informal ilegalmente divulgada. Mas mostrava que Janot já vestira o avental asséptico do concurso público para se alinhar com a nova clientela, mesmo tendo pavimentado sua carreira na PGR por confabulações políticas de praxe.
Só após muita pressão dos amigos ousou avançar sobre Aécio Neves, o filho dileto do status quo.
Teve papel central na deposição de uma presidente eleita e na condução ao centro de poder de figuras do naipe de Michel Temer, Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima e Moreira Franco. E sua agenda continua em sintonia com a agenda política, ampliando a ofensiva contra o antigo governo sempre que se aproximam datas relevantes, como o da votação do impeachment.
Rodrigo Janot sempre pertenceu ao chamado grupo progressista do Ministério Público. Foi subprocurador de Cláudio Fonteles e candidato a vice de Wagner Gonçalves.
Quando dirigia a Escola Nacional do Ministério Público, montou reuniões periódicas para discutir temas nacionais, das quais eram participantes ativos Eugênio, Wagner, o advogado ativista Luiz Moreira, Álvaro Ribeiro da Costa, para o qual eram convidados dirigentes petistas de maior preparo, como José Genoíno. Nesses encontros, discutia-se de nanotecnologia ao papel das Forças Armadas.
Em todo esse período, Janot preparou-se para ser PGR. Valeu-se para tal do estreito conhecimento que tinha da máquina do MPF, como segundo de Fonteles e presidente da ANPR.
Nas eleições, atropelou duas procuradores símbolos do MPF, Ela Wiecko e Deborah Duprat – a quem acusou de ser ligada a José Serra. Computados os votos de todos os Ministérios Públicos, Deborah foi a mais votada. Mas Janot foi o mais votado dentre os procuradores da República.
A esta altura, um novo fenômeno alterava a natureza do MPF, com a ampliação dos quadros e o advento da era dos concurseiros, jovens preparados, com recursos para se dedicar por anos para se preparar para os concursos, não necessariamente com vocação pública, mas encantados pela possibilidade de altos salários iniciais e do poder de “autoridade”.
É nesse momento que Janot passa por uma um processo de conversão ao status quo. Percebendo os novos tempos, foca sua campanha eleitoral em temas de gestão e de atendimento às demandas corporativas da classe. E dando-se conta dos impactos da AP 470 sobre a classe e sobre a opinião pública, preparou-se para transformar a Lava Jato no passaporte final do MPF para o centro do poder.
Reconduzido ao cargo por Dilma, uma de suas primeiras atitudes foi abrir uma ação contra ela, em um gesto considerado desleal por seus antigos companheiros.
Respondeu a uma fala de Lula – em uma escuta ilegalmente divulgada – afirmando que devia tudo ao concurso público e não a ele, Lula. A declaração era inoportuna, visto que respondendo a uma conversa informal ilegalmente divulgada. Mas mostrava que Janot já vestira o avental asséptico do concurso público para se alinhar com a nova clientela, mesmo tendo pavimentado sua carreira na PGR por confabulações políticas de praxe.
Só após muita pressão dos amigos ousou avançar sobre Aécio Neves, o filho dileto do status quo.
Teve papel central na deposição de uma presidente eleita e na condução ao centro de poder de figuras do naipe de Michel Temer, Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima e Moreira Franco. E sua agenda continua em sintonia com a agenda política, ampliando a ofensiva contra o antigo governo sempre que se aproximam datas relevantes, como o da votação do impeachment.
Sexto Movimento - Próximos passos
Hoje em dia, em que pesem tantos bravos procuradores de direitos da cidadania, o MPF tornou-se peça central no desmonte do estado de bem-estar social.
Desde o início da crise política, sabia-se que não se tratava apenas da disputa entre uma presidente atabalhoada e políticos barras-pesadas, mas de concepções de Estado.
Bem antes da votação do impeachment se sabia que o novo governo entraria ungido pela promessa de limitar as despesas públicas, definindo limites nominais para gastos voltados para os interesses difusos, saúde, educação, sem definir limites para os gastos com juros. Para um leigo, parece medida disciplinadora de gastos. Para quem é do ramo, significará o desmonte do SUS e do sistema educacional público.
Derrubada Dilma, a primeira atitude da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) foi procurar o interino, não para garantir a manutenção dos direitos sociais, mas para assegurar vantagens corporativas já prometidas.
Hoje em dia, o MPF atua como verdadeiro partido político, com assessoria de imprensa, estratégias de marketing, iniciativas parlamentares, discursos políticos, parceria com a mídia e ações sincronizadas com movimentos da política. Como tal, monta alianças, joga de olho na opinião pública, sujeita-se às pressões da mídia. Da mesma maneira que um partido convencional.
Deborah, Ela, Eugênio, Fonteles, Álvaro Augusto, Eugênia, e outros procuradores símbolos de um Ministério Público que não mais há. O atual MPF, do dr. Janot, tornou-se peça central do maior ataque aos direitos sociais desde o regime militar. E poderá se tornar o coveiro da democracia.
No âmbito do governo Temer há um movimento nítido de devolver às Forças Armadas o papel de gendarme. A segurança nas Olimpíadas ficou sob as ordens do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), do general Sérgio Etchgoyen. Não apenas isso. Ele passa a comandar também o Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), que tem sob seu guarda-chuva as áreas de fiscalização da Receita, Banco Central, Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Terá, ao alcance do seu computador, a ficha de qualquer cidadão brasileiro com registro civil.
Conseguirá dispor de um poder de intimidação similar ao aparato do qual se vale hoje em dia o PGR.
No entanto, nos próximos meses, haverá um movimento similar ao que marcou o fim da guerrilha.
Inicialmente, havia uma coesão dentre todos os aparelhos de repressão contra o inimigo comum, a guerrilha. Vencida a guerra, observou-se uma luta intestina dentre eles. Prisioneiros de um aparelho eram ameaçados de tortura se passassem informações quando interrogados por outros aparelhos.
Consumada a vitória final sobre Lula e o PT, provavelmente haverá embates similares entre PF e MPF, entre GSI e Forças Armadas.
O país de hoje não se assemelha ao do início da ditadura. Mas há no ar as mesmas jogadas oportunistas em cima do vácuo político que marcou a agonia do regime militar.
Por enquanto, a melhor tradução da PGR é a imensa catedral brasiliense onde está alojada a sua sede, redonda, permitindo a todos se verem internamente. Mas de vidros indevassáveis, que permitem enxergar tudo o que ocorre lá fora; mas impedem que se veja de fora o que acontece lá dentro.
Hoje em dia, em que pesem tantos bravos procuradores de direitos da cidadania, o MPF tornou-se peça central no desmonte do estado de bem-estar social.
Desde o início da crise política, sabia-se que não se tratava apenas da disputa entre uma presidente atabalhoada e políticos barras-pesadas, mas de concepções de Estado.
Bem antes da votação do impeachment se sabia que o novo governo entraria ungido pela promessa de limitar as despesas públicas, definindo limites nominais para gastos voltados para os interesses difusos, saúde, educação, sem definir limites para os gastos com juros. Para um leigo, parece medida disciplinadora de gastos. Para quem é do ramo, significará o desmonte do SUS e do sistema educacional público.
Derrubada Dilma, a primeira atitude da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) foi procurar o interino, não para garantir a manutenção dos direitos sociais, mas para assegurar vantagens corporativas já prometidas.
Hoje em dia, o MPF atua como verdadeiro partido político, com assessoria de imprensa, estratégias de marketing, iniciativas parlamentares, discursos políticos, parceria com a mídia e ações sincronizadas com movimentos da política. Como tal, monta alianças, joga de olho na opinião pública, sujeita-se às pressões da mídia. Da mesma maneira que um partido convencional.
Deborah, Ela, Eugênio, Fonteles, Álvaro Augusto, Eugênia, e outros procuradores símbolos de um Ministério Público que não mais há. O atual MPF, do dr. Janot, tornou-se peça central do maior ataque aos direitos sociais desde o regime militar. E poderá se tornar o coveiro da democracia.
No âmbito do governo Temer há um movimento nítido de devolver às Forças Armadas o papel de gendarme. A segurança nas Olimpíadas ficou sob as ordens do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), do general Sérgio Etchgoyen. Não apenas isso. Ele passa a comandar também o Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), que tem sob seu guarda-chuva as áreas de fiscalização da Receita, Banco Central, Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Terá, ao alcance do seu computador, a ficha de qualquer cidadão brasileiro com registro civil.
Conseguirá dispor de um poder de intimidação similar ao aparato do qual se vale hoje em dia o PGR.
No entanto, nos próximos meses, haverá um movimento similar ao que marcou o fim da guerrilha.
Inicialmente, havia uma coesão dentre todos os aparelhos de repressão contra o inimigo comum, a guerrilha. Vencida a guerra, observou-se uma luta intestina dentre eles. Prisioneiros de um aparelho eram ameaçados de tortura se passassem informações quando interrogados por outros aparelhos.
Consumada a vitória final sobre Lula e o PT, provavelmente haverá embates similares entre PF e MPF, entre GSI e Forças Armadas.
O país de hoje não se assemelha ao do início da ditadura. Mas há no ar as mesmas jogadas oportunistas em cima do vácuo político que marcou a agonia do regime militar.
Por enquanto, a melhor tradução da PGR é a imensa catedral brasiliense onde está alojada a sua sede, redonda, permitindo a todos se verem internamente. Mas de vidros indevassáveis, que permitem enxergar tudo o que ocorre lá fora; mas impedem que se veja de fora o que acontece lá dentro.
Os próximos anos serão os da polarização entre liberais e conservadores, dentro e fora do Estado brasileiro. Fora do Estado isso se dará pelo retorno das forças progressistas à posição da eterna oposição de antes de 2003 e a polarização dos rivais até agora unidos circunstancialmente pelo "Fora Dilma". Dentro do Estado haverá a prevalência do papel de todas as carreiras do funcionalismo dos três poderes, exceto as dos ministérios e secretarias de Educação e Saúde, que serão paulatinamente precarizadas, com o fim do SUS universal e a terceirização da rede estatal de educação. Não será o sonho do Estado Mínimo dos liberais. Será algo mais conservador, mais ligado ao "Estado necessário", algo citado não por acaso há anos atrás pelo governador Geraldo Alckmin.
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