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Um dos primeiros gestos do governo golpista de Michel Temer, iniciado em 12 de maio de 2016, foi suspender o patrocínio da Caixa Econômica Federal (CEF) ao 5º Encontro Nacional de Blogueiros e Ativistas Digitais, que ocorreu na semana seguinte em Belo Horizonte (MG). A medida abrupta e autoritária, já que o contrato de apoio havia sido assinado quatro meses antes, revelou o temor da direita brasileira com a força crescente da blogosfera na disputa de narrativas na sociedade. Apesar do corte da verba contratada, de apenas R$ 100 mil, cerca de 400 ativistas digitais de 23 Estados participaram do evento e reafirmaram sua disposição de luta contra o “golpe dos corruptos” e em defesa da democracia e da liberdade de expressão no país.
A ofensiva para calar as vozes dissonantes prosseguiu nos dias seguintes. Numa ação de caráter fascista, que fere a Constituição e a legislação ordinária, a corja que assaltou o Palácio do Planalto interveio na Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e cassou o mandato legítimo do seu presidente-executivo, o jornalista Ricardo Melo. A medida ilegal foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas os usurpadores não recuaram no seu propósito de censurar a TV Brasil e os outros veículos da EBC, demitindo profissionais e suspendendo vários programas jornalísticos e culturais. Ao mesmo tempo, advogados e outros representantes das sete famílias que controlam a mídia tradicional foram nomeados para cargos estratégicos na área de comunicação do covil golpista.
Já em 14 de junho, o presidente ilegítimo anunciou a quebra dos contratos de publicidade com os sites e blogs progressistas. A censura virou politica oficial de governo! Apesar da verba dos anúncios institucionais e das empresas estatais na mídia alternativa equivaler a apenas 0,6% do orçamento da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, os golpistas confirmaram que temem as suas críticas e denúncias, que não toleram o contraponto. Por outro lado, eles mostraram sua enorme gratidão à imprensa hegemônica, que foi a principal protagonista do “golpe dos corruptos”, criando o clima para desestabilizar o país, para estimular o ódio fascista na sociedade e para viabilizar o impeachment ilegal da presidenta Dilma.
A tática para censurar as divergências
Esta brutal ofensiva contra as vozes divergentes deverá se intensificar caso os golpistas se consolidem no poder. Seus traços gerais já estão definidos em três grandes linhas. A primeira visa asfixiar financeiramente qualquer blog, site ou veículo independente. A verba publicitária oficial, oriunda dos impostos dos brasileiros e que totaliza cerca de R$ 2 bilhões ao ano, será destinada exclusivamente à mídia tradicional. A mesma imprensa privada que apoiou o “golpe dos corruptos” e que agora se converteu em um jornalismo chapa-branca poderá, assim, enfrentar a sua grave crise do modelo de negócios – decorrente da queda crescente de tiragem e de audiência e da fuga de anunciantes privados. Mercenária e venal, ela agora recebe a propina por seu protagonismo na conspiração.
Além da asfixia financeira, os golpistas e a sua mídia chapa-branca farão de tudo para satanizar os veículos alternativos. Em menos de dois meses do assalto ao Palácio do Planalto, o noticiário da mídia privada – com seus colunistas de aluguel – publicou mais de 20 editoriais e artigos com o objetivo de criminalizar a blogosfera e os sites progressistas. Neste mesmo rumo, com o intento de censurar as vozes dissonantes, a tendência é de uma autoritária judicialização da atividade jornalística, com a abertura de processos contra blogueiros e ativistas digitais. O veterano jornalista Marcelo Auler, que denunciou em seu blog as arbitrariedades da Polícia Federal e do “justiceiro” Sergio Moro na midiática Operação Lava-Jato, é uma das primeiras vítimas desta caçada macarthista.
Neoliberalismo não combina com democracia
Como explica o professor Venício Lima, um dos maiores especialistas no tema no Brasil, a cruzada truculenta contra a mídia alternativa já era previsível com a concretização do golpe midiático-judicial-parlamentar no Brasil. “Os governos autoritários sempre começam cerceando a liberdade de expressão. Não é por acaso que a comunicação alternativa ao discurso único da grande mídia foi um dos primeiros alvos desse governo. Isso ficou claro na intervenção ilegal na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), uma empresa de comunicação pública; e na suspensão da publicidade, inclusive de contratos que estavam em vigência, com sites e blogs progressistas que fazem, justamente, a oposição a esse governo interino”, argumentou em entrevista ao site Carta Maior.
Para Venício Lima, “os sites e blogs progressistas e a comunicação pública são o único respiro que existe diante da narrativa dominante da grande mídia. Isso incomoda, mesmo sendo uma luta de David contra Golias. Se você elimina esses veículos, você vai viver uma situação praticamente totalitária, na qual haverá apenas uma voz. Esse é o grande problema. Muita gente não tem consciência do que está em jogo quando se combate a comunicação pública e os sites e blogs, discorde ou não das vozes que são representadas nesses espaços... Do meu ponto de vista, essa é a pior de todas as corrupções: a corrupção da opinião pública. O fato é que com a EBC e os blogs progressistas, por menor que sejam, abre-se uma fenda, um respiradouro nessa dominância de uma narrativa única. É exatamente isso que eles combatem com tanta violência”.
Esta ofensiva confirma uma antiga tese do intelectual britânico Perry Anderson – a de que o neoliberalismo não combina com a democracia. Os golpistas que assaltaram o poder no país têm como objetivos anular os avanços sociais propiciados pelo “reformismo brando” dos últimos anos e implantar um modelo ultraliberal – com o desmonte do Estado, da nação e do trabalho. A retórica das “pedaladas fiscais” ou do combate à corrupção, amplamente difundida pela imprensa privada, visou apenas iludir os “midiotas”, usando as camadas médias como massa de manobra das elites burguesas. Para impor o seu receituário destrutivo e regressivo, os golpistas precisam sabotar a democracia. O ataque aos blogs e aos sites progressistas é parte essencial deste plano fascistizante.
A força do ativismo digital no Brasil
Essa cavalgada autoritária, porém, não conseguirá calar as vozes dissonantes, que hoje usam a brecha tecnológica da internet como trincheiras na luta contra a ditadura da mídia monopolizada. Ela pode até criar obstáculos financeiros e resultar num clima de criminalização dos contrapontos informativos, mas não silenciará a diversidade e pluralidade no mundo digital. Na guerrilha cotidiana contra os exércitos regulares dos impérios midiáticos, o ativismo nas redes já obteve importantes vitórias e ganhou prestígio – e audiência – na sociedade. Ainda há poucos estudos, inclusive na academia, sobre a força crescente dos sites e blogs progressistas no Brasil, mas já há consenso de que eles já adquiriram certa musculatura nos últimos anos – o que explica o ódio dos golpistas.
Vale conhecer um pouco da história deste fenômeno, que é recente no país. Na tese de doutorado para a Fundação Getúlio Vargas, o pesquisador Leonardo Vasconcelos Cavalier Darbilly registra que “o surgimento da blogosfera política no Brasil, caracterizada pela divergência com relação ao posicionamento de grande parte da mídia tradicional, ocorreu ao longo da década de 2000”. Segundo o autor, o primeiro blog do campo progressista foi o Viomundo, criado por Luiz Carlos Azenha em 2003. Em 2005 nascem os blogs de Renato Rovai e Antônio Mello; Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim, e o blog de Luis Nassif aparecem em 2006; no ano seguinte surge o Blog da Cidadania, criado por Eduardo Guimarães; já o blog Escrevinhador, de Rodrigo Vianna, nasce em 2008.
Neste período inicial, por todos os cantos do país brotam centenas de páginas pessoais que se contrapõem às forças políticas conservadoras e que polemizam com a mídia tradicional. Esta força emerge já na disputa presidencial de 2006, que pode ser considerada o primeiro grande teste da blogosfera. Na época, os nascentes blogs desmascaram a cobertura tendenciosa da velha imprensa, como descreve o livro “A mídia nas eleições de 2006”, de Venício Lima. Mas é na batalha eleitoral de 2010 que a blogosfera se consolida como força influente no debate sobre os rumos políticos do Brasil. Neste embate, a mídia hegemônica escancara sua “posição oposicionista”, conforme confessou a ex-presidente da Associação Nacional dos Jornais e executiva do Grupo Folha, Judith Brito. E os blogs, mais fortalecidos, batem recordes de acesso ao denunciar as suas manipulações.
Episódios marcantes do ativismo digital
Alguns episódios ficaram famosos nesta batalha. Num deles, a mídia partidarizada tentou montar uma farsa sobre um pretenso atentado contra o candidato das forças conservadoras, o tucano José Serra. Ele teria sido atingido por um petardo durante uma passeata no calçadão de Campo Grande, na zona oeste do Rio de Janeiro, em 20 de outubro – na véspera do segundo turno do pleito presidencial. A TV Globo chegou a acionar um “perito” para analisar o suposto atentado terrorista e noticiou que o candidato do PSDB fez até uma tomografia. De imediato, a blogosfera e as redes sociais denunciaram a montagem, revelando que o tucano fora alvo de uma “bolinha de papel”, o que tornou a farsa motivo de piada.
Antes disto, em 14 de setembro, a esposa do tucano, Mônica Serra, numa caminhada em Nova Iguaçu (RJ), tentou convencer o ambulante Edgar da Silva, de 73 anos, a não votar na petista Dilma Rousseff. “Ela é a favor de matar as criancinhas”, esbravejou. O seu discurso preconceituoso foi amplificado pela mídia, mas não resistiu à força da internet. Pelo Facebook, a artista Sheila Ribeiro, ex-aluna de balé da tucana, desmontou a sua encenação. “Com todo respeito que devo a essa minha professora, gostaria de revelar publicamente que muitas de nossas aulas foram regadas a discussões sobre aborto, sobre seu aborto traumático. Mônica Serra fez um aborto”, escreveu, constrangendo as forças da direita e a sua mídia.
Outros episódios patéticos, como o da falsa ficha policial da “terrorista” Dilma Rousseff que a Folha de S.Paulo estampou na capa, também foram alvo da intensa guerrilha na internet. No livro “Crimes de imprensa”, os jornalistas Palmério Dória e Mylton Severiano detalham as várias tentativas da manipulação do eleitorado e demonstram a importância que a blogosfera e as redes sociais tiveram nesta batalha. Já no livro “A ditadura continuada”, Jakson Ferreira de Alencar mostra como a internet foi decisiva para desmontar os “factoides e o partidarismo da imprensa na eleição de Dilma Rousseff”. Estas e outras análises comprovam que 2010 foi realmente o ano da consolidação da blogosfera progressista no Brasil.
Este avanço foi reconhecido, meio a contragosto, pelo próprio José Serra durante um seminário da Associação Nacional dos Jornais, em julho de 2010. Diante dos barões da mídia, o tucano explicitou o seu ódio à blogosfera e cunhou o termo “blogs sujos” – rótulo que foi imediatamente adotado pelos irreverentes ativistas digitais. Em editoriais e comentários hidrófobos, a velha imprensa e seus colunistas de aluguel também intensificaram seus ataques à nova mídia. Já em novembro do mesmo ano, o presidente Lula concedeu a primeira entrevista coletiva a onze blogueiros, em pleno Palácio do Planalto, o que reforçou a legitimidade deste jovem movimento e gerou histérica crítica da chamada grande imprensa.
A luta entre David e Golias
Na fase mais recente, os sites e blogs progressistas adquiriram ainda maior força. Enquanto a mídia tradicional assistia as quedas de tiragem e de audiência, que espantavam os anunciantes privados e agravavam sua crise do modelo de negócios, a mídia alternativa conquistava maiores acessos e se legitimava na briga pela publicidade. Este fortalecimento possibilitou maiores investimentos na produção de conteúdo e na ampliação do seu leque de abordagens. Temas sensíveis à sociedade, como na área dos direitos civis ameaçados pelas forças retrógradas, ganharam maiores espaços na cobertura. Os movimentos sociais também passaram a enxergar nesta mídia alternativa um canal decisivo para a difusão da sua luta por direitos.
Nas eleições de 2014, os sites e blogs progressistas reforçaram ainda mais a sua presença no debate nacional. Enquanto a mídia tradicional consolidou a sua conversão em uma organização da direita raivosa – transformando-se, de fato, no PIG (Partido da Imprensa Golpista), segundo o rótulo difundido pelo afiado blogueiro Paulo Henrique Amorim –, a blogosfera passou a ser um instrumento indispensável de contraponto às manipulações. A própria presidenta Dilma, que foi alvo das capas criminosas da revista “Veja”, do noticiário envenenado dos jornais diários e dos comentários hidrófobos dos comentaristas das rádios e tevês, percebeu finalmente a força desta mídia alternativa. Antes do acirrado segundo turno, ela concedeu uma entrevista exclusiva à blogosfera.
A derrota das forças reacionárias no pleito presidencial de 2014, porém, não conteve a fúria dos golpistas. Num cenário de agravamento da crise econômica e contando com um Congresso Nacional de composição majoritariamente fisiológica e conversadora, a direita derrotada nas urnas acelerou a conspiração para abortar a jovem democracia no Brasil. Neste período, a partir da sua unidade na diversidade, os sites e blogs progressistas cumpriram importante papel ao alertar para os riscos iminentes do “golpe dos corruptos”. A própria imprensa internacional, menos contaminada pelas escaramuças brasileiras, passou a ter como fonte obrigatória esta mídia alternativa. Agora, com a concretização parcial do golpe, a luta entre David e Golias realçada pelo professor Venício Lima tende a ser ainda mais empolgante e acirrada.
* Artigo escrito para o livro "Golpe 16", organizado por Renato Rovai.
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