sexta-feira, 9 de setembro de 2016

A participação da imprensa no golpe de 2016

Por Iago Montalvão, no site da UJS:

A avaliação sobre a evolução das ferramentas de comunicação em massa e o desenvolvimento tecnológico das corporações da informação, isto é, da mídia e da imprensa, deve ser assunto fundamental para a compreensão das recentes articulações políticas que engendraram em um golpe institucional no estado democrático de direito do Brasil, ou da deposição de uma Presidenta da República por vias conspiratórias.

A imprensa, também apelidada como o Quarto Poder da República, tem o seu modus operandi próprio no Brasil, o tamanho poder desregulado que aqui ela concentra é motivo de curiosidade para todo o resto do mundo, onde os meios de comunicação têm sido cada vez mais regulamentados de acordo com a diversidade de opinião e a descentralização da informação cuja modernidade e o avanço tecnológico insistem em acelerar cada vez mais.

Os múltiplos elementos que configuraram a trama dessa conspiração do impeachment criaram um verdadeiro Kraken (um monstro da mitologia grega, parecido com um polvo gigante com inúmeros tentáculos enormes), cujos tentáculos podem se encontrar por todos os lados e que envolvem o judiciário, o legislativo e outras corporações como a própria Polícia Federal, o Ministério Público Federal, o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal de Contas da União e isso sem falar nos atores internacionais, do qual certamente os Estados Unidos são protagonistas. Tamanha concentração de poder faz com que a análise da construção do impeachment no Brasil tenha a imprensa também como uma integrante fundamental desse processo.

A compreensão histórica, como sempre, se faz necessária como uma ferramenta para um entendimento mais aprofundado no presente do papel de organizações que permearam os processos políticos da constituição do nosso país, justamente pela forma que se comportaram em outros momentos do passado. Nesse sentido devemos avaliar a influência da imprensa em outros episódios importantes da história política do Brasil e ao mesmo tempo refletir sobre como, ao longo do tempo, as ferramentas e os avanços tecnológicos facilitaram ainda mais a sua participação, possibilitando inclusive que seus tentáculos e seu manto da (des)informação se estendesse por um número inimaginavelmente maior de pessoas e de uma maneira tão mais ágil quanto jamais poderíamos conceber.

Ora, há mais de 60 anos um Presidente da República já havia sentido como seria fundamental a participação da imprensa em um processo conspiratório, e a capacidade que esses meios de comunicação sempre desenvolveram de criar, manipular ou desvirtuar as informações de maneira sútil para obter fins desejados. Getúlio Vargas caiu nas garras de Lacerda e da mídia da época, que tramaram com os opositores de seu governo e conseguiram criar uma sustentação que ganhasse lastro na consciência e no imaginário popular, para que enfraquecido, o presidente fosse levado à derrota quase que por conta própria.

Não por falta de vontade das elites e dos militares um golpe militar foi adiado por mais 10 anos, quando em 1964 se consolidou usurpando o legítimo mandato de João Goulart. E lá estava a imprensa novamente, com condições ainda melhores para criar uma narrativa que gerasse um sentimento sine qua non aos seus objetivos.

Nenhuma transformação política ocorre efetivamente sem que com ela existam mudanças também em outras esferas da sociedade, fundamentalmente balizadas pelas relações sócio-econômicas e de produção, mas que buscam espaço também na consciência e no imaginário popular, já que as grandes transformações exigem uma fundamental mobilização da coletividade social, isto é, das massas, e desde que esse elemento essencial não esteja convencido da mudança (ou da manutenção de um status quo) tal desejo não se alcançará, e por isso a imprensa é tão fundamental: a disputa de consciência.

Tais reflexões só podem desaguar no fatídico momento político em que vivemos, talvez num recorte mais amplo, possa se estender à Junho de 2013, onde a presença da imprensa na disputa da linha política das ruas foi nítida e escancarada. Mas passados mais de 60 anos desde o suicídio de Getúlio e mais de 50 anos desde o Golpe Militar, os aparatos tecnológicos que podem gerar e disseminar a informação são muito mais sofisticados e por isso aceleram os processos dinâmicos de transformação de paradigmas do pensamento humano.

A entrada da imprensa com mais assertividade na construção da linha política que mobilizou as pessoas às ruas e a forma com que isso se direcionou à disputa do poder foi fatal. Os grandes oligopólios de comunicação do Brasil, que muito diferente do que defende o livre-mercado, não apresentam absolutamente nenhuma chance para concorrentes, apostaram toda sua estrutura para criar uma narrativa política própria, que convencesse a população brasileira de seu próprio programa político, sem lhes apresentar outras alternativas de reflexão. E o objetivo era um só: derrotar o projeto que se instalou no centro do poder do estado brasileiro, os focos eram Lula, Dilma, o PT, a esquerda, e em grande escala todo o projeto de nacional-desenvolvimentismo progressista.

Usaram toda a expertise daqueles que há dezenas de anos constroem interpretações, selecionam e disseminam informações à sua própria sorte e fazem parte, obviamente, do jogo do poder, ilude-se quem acha que não. Foram sagazes. Souberam dissecar e apontar as lideranças que precisavam ser abatidas, transformaram problemas sistêmicos e históricos da política brasileira em crimes dolosos e personificados, fizeram da informação um objeto a ser olhado por um telescópio defeituoso, equívocos desvirtuados e ampliados à uma escala que deixaria qualquer um abismado. E com o monopólio da informação e todas ferramentas a seu dispor, estavam com todas as condições necessárias.

E assim foi. Disputaram e criaram uma narrativa absurdamente modelada à sua vontade, criaram um clima entre a população e inflavam a cada momento, jogavam subjetivamente às bandeiras e as análises políticas e econômicas que elaboraram, e logo as ruas estavam ocupadas ao som de suas próprias bandeiras. Esse é mais um elo dessa longa corrente do golpe, a consciência do povo é elemento fundamental e deve ser entendido como parte do processo de construção desse absurdo que vivemos hoje e que tem respaldo entre muitas pessoas. Isso ressalta a importância de continuarmos lutando por uma comunicação mais democrática e de estarmos cada vez mais elaborando uma contra-informação que seja honesta e justa, para contestar esse projeto atrasado e elitizado apresentado pelo monopólio da imprensa.

* Iago Montalvão é diretor de Relações Institucionais da União Nacional dos Estudantes.

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