Por Ayrton Centeno, no site Sul-21:
Lula já deveria ter morrido. Cedo, quando nasceu. Quando veio ao mundo em 1945, a mortalidade infantil no Brasil era de 146 x 1000. Quase 150 óbitos antes do primeiro ano de vida em cada mil crianças. Isto na média nacional que, hoje, a propósito, é dez vezes menor. Mas naquele tempo, para quem vinha aumentar família pobre, da área rural e do Nordeste, os números eram ainda mais atrozes.
Um dos 12 filhos de dona Lindu - quatro não sobreviveram - Lula nasceu em Caetés, então zona rural de Garanhuns/PE. Casa de taipa, erguida em barro e madeira, um quarto, uma mesa, cinco redes. Água? Amarela, das poças de chuva, dividida com o gado e povoada por girinos. Comida? Feijão, arroz e farinha, carne rara, às vezes de preá ou passarinho. Proteína animal acessível era a da içá, nome da tanajura no Agreste pernambucano.
Talvez por isso prosperou na região a prática não registrar os bebês logo após o parto. Aguardava-se o segundo aniversário. Era preciso que a criança “vingasse”. Aquelas que sucumbiam antes dos dois anos eram sepultadas sem nome nem história. Agitava-se então um sininho. Na tradição de vidas tão ásperas, era o sinal para informar que mais um anjinho subira ao céu.
Quem sabe a dieta de formiga frita tenha salvado Lula de virar estatística. É bem provável que aqueles que o odeiam passem a odiar também o inseto providencial que matou sua fome e o ajudou a sobreviver. E o sininho não bateu.
Vendedor de tapioca aos sete anos, depois tintureiro, engraxate, metalúrgico e presidente de sindicato, Lula poderia ter morrido naquele sábado, 19 de abril de 1980, quando seis agentes do Dops empunhando metralhadoras foram prendê-lo em casa às 5h30 de uma manhã nevoenta. Uma “condução coercitiva” em São Bernardo cinco anos antes da ditadura exalar seu último suspiro. Temeu, como diria depois, aparecer morto num “acidente” na via Anchieta. Afinal, sob o regime civil-militar muita gente buscada em casa para “prestar esclarecimentos” nunca mais foi vista. Virou preso político mas, uma vez mais, não morreu.
Lula deveria morrer quando um câncer atacou sua laringe em 2011. Tão logo correu a notícia, as alcatéias uivaram em regozijo nas caixas de comentários. “Tenho dó do câncer ter que comer carniça petralha”, lamentou um piedoso internauta. Outras vozes se juntaram para chamar o presidente adoentado - que batera sucessivos recordes de popularidade atingindo índice de 83% de aprovação, o maior da história do país - de “verme”, “crápula”, “desprezível”, “nove dedos” e “imundo”. Mas Lula os decepcionou. E, novamente, não morreu.
Lula deveria morrer muitas vezes. Antes de fundar a CUT em 1983, a quinta maior central sindical do mundo. Antes de conceber o Partido dos Trabalhadores em 1980 que conquistaria no voto, quatro mandatos de presidente da república. Antes do Bolsa-Família, do Prouni, de retirar 27 milhões de brasileiros da pobreza extrema, do reajuste anual do salário-mínimo acima da inflação, do PAC, da ampliação da distribuição da renda, de implantar 14 novas universidades federais (contra nenhuma de seu antecessor), de criar mais de 200 escolas técnicas, da descoberta do pré-sal, da política externa independente…
Lula deveria morrer quando emergiu da plebe rude para reivindicar a Presidência da República. E conquistar um posto que, até então, era reservado por direito divino aos nhonhôs da Casa Grande. E este foi um pecado imperdoável. Mortal.
Lula deve morrer porque morto o querem os donatários das capitanias hereditárias da mídia. Os mesmos que, agora, estertoram em lenta agonia na senda da descartabilidade e da obsolescência. E se aferram ao golpe por razões políticas, partidárias e ideológicas mas, acima de tudo, mirando os cofres do Banco do Brasil e do BNDES como última esperança de sobrevida. Aqueles mesmos que, em 1954, revoluteavam com as “aves de rapina” a que Getúlio aludiu na sua carta-testamento: “A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a Justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios” – como se vê, ódio já era o combustível que ardia para conduzir o líder trabalhista ao holocausto. Aqueles mesmos para quem Jango, dez anos depois, apontaria no discurso da Central do Brasil: “A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia antipovo, do anti-sindicato, da anti-reforma (…) A democracia que eles querem é a democracia para liquidar com a Petrobrás; é a democracia dos monopólios privados, nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra os governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício”.
Lula deve morrer porque é o desejo de muitos pet-jornalistas: colunistas, articulistas, apresentadores de rádio, jornal e TV e caudatários avulsos. Há quem reproduza a retórica patronal por convicção. E como é benéfico ser abduzido por tais ideias! Sobretudo para preservar a saúde empregatícia, receber aquele tapinha nas costas e, por um átimo, deixar-se levar pelo devaneio de pertencer ao mesmo clube, a despeito do precipício de classe social, renda e poder que cinde mundos tão opostos. Outros o fazem por obrigação, o que é mais compreensível. E existem aqueles que cedem calculadamente por submissão. Neles, é tal a sofreguidão com que entregam suas almas à concupiscência de seu amo que me atrevo a supor que lhe regalariam as polpas com a mesma generosidade caso houvesse algum interesse na oferta.
Lula deve morrer porque tal aparenta ser a aspiração de uma PF cujos delegados agem como militantes da direita nas redes sociais, ultrajando seus superiores. A mesma PF que serviu de polícia política prestando relevantes serviços à ditadura de 1964 sem um só gesto de repulsa ou de contrariedade. E que, na democracia, age sem prestar contas à democracia.
Não é outra, parece, a avidez fundamentalista do MPF, tornado aríete da anquilosada imprensa familiar. E que, nesta quarta, 14, o acusou de obter supostas e milionárias vantagens. E de ser o suposto chefe de um formidável esquema de corrupção. Tão exótico que, nele, quem comanda recebe R$ 3,7 milhões e quem é comandado fatura R$ 100 milhões… Mais fácil crer que tudo se faz com o transparente desígnio de assassiná-lo civilmente. E de barrar sua candidatura nas próximas eleições presidenciais, justamente ele que lidera todas as pesquisas de opinião.
E o que dizer dos anseios de um torquemada de província que se porta como o senhor do universo? Tudo sob o olhar pusilânime e os joelhos tiritantes do STF que, após construir uma breve historia de avanços sociais, acocorou-se na hora de travar os reiterados abusos contra o Estado Democrático de Direito.
Lula deve morrer porque sua morte é o que mais ambicionam as madames botocadas e seus maridos botocudos, a lúmpem burguesia boçal, egoísta e plastificada, clamando pelo golpe nas ruas com seus tênis, óculos escuros e abrigos de grife, seus poodles no colo e seus labradores na coleira. O saudosismo de homens e mulheres brancos, de meia-idade e classe média de um regime assassino que se arrastou por duas décadas de infâmia. A ditadura que seus pais e mães engolidores de hóstias pediram nas Marchas da Família com Deus pela Liberdade empunhando rosários e rezando aves-marias contra “a ameaça vermelha”. Hoje, a fé, o terço e as orações são arcaísmos. Agora, o nome de Roma é Miami, o da igreja é shopping, o da reza é academia, o da hóstia é botox. Ontem como hoje, porém, o medo e o rancor reverberados com a ascensão da ralé é igual. E, de novo, levaram a um governo espúrio.
Lula deve morrer. Está definido. Mas há um problema: ele não quer. Humilhado e ofendido, aos 70 anos prossegue na caminhada. Embora queiram matá-lo, muita gente não quer que ele morra. Gente que acha que, se Lula morrer, morrerá igualmente um olhar horizontal e inédito que percebeu os deserdados e deles cuidou. Olhou para a maioria e não para os dez por cento de sempre. Está dado o impasse. Para Lula morrer, terão que matá-lo. Física ou civilmente. O que terá um custo que ninguém ainda sabe. E 2018 está logo ali. Os dados estão rolando.
Lula já deveria ter morrido. Cedo, quando nasceu. Quando veio ao mundo em 1945, a mortalidade infantil no Brasil era de 146 x 1000. Quase 150 óbitos antes do primeiro ano de vida em cada mil crianças. Isto na média nacional que, hoje, a propósito, é dez vezes menor. Mas naquele tempo, para quem vinha aumentar família pobre, da área rural e do Nordeste, os números eram ainda mais atrozes.
Um dos 12 filhos de dona Lindu - quatro não sobreviveram - Lula nasceu em Caetés, então zona rural de Garanhuns/PE. Casa de taipa, erguida em barro e madeira, um quarto, uma mesa, cinco redes. Água? Amarela, das poças de chuva, dividida com o gado e povoada por girinos. Comida? Feijão, arroz e farinha, carne rara, às vezes de preá ou passarinho. Proteína animal acessível era a da içá, nome da tanajura no Agreste pernambucano.
Talvez por isso prosperou na região a prática não registrar os bebês logo após o parto. Aguardava-se o segundo aniversário. Era preciso que a criança “vingasse”. Aquelas que sucumbiam antes dos dois anos eram sepultadas sem nome nem história. Agitava-se então um sininho. Na tradição de vidas tão ásperas, era o sinal para informar que mais um anjinho subira ao céu.
Quem sabe a dieta de formiga frita tenha salvado Lula de virar estatística. É bem provável que aqueles que o odeiam passem a odiar também o inseto providencial que matou sua fome e o ajudou a sobreviver. E o sininho não bateu.
Vendedor de tapioca aos sete anos, depois tintureiro, engraxate, metalúrgico e presidente de sindicato, Lula poderia ter morrido naquele sábado, 19 de abril de 1980, quando seis agentes do Dops empunhando metralhadoras foram prendê-lo em casa às 5h30 de uma manhã nevoenta. Uma “condução coercitiva” em São Bernardo cinco anos antes da ditadura exalar seu último suspiro. Temeu, como diria depois, aparecer morto num “acidente” na via Anchieta. Afinal, sob o regime civil-militar muita gente buscada em casa para “prestar esclarecimentos” nunca mais foi vista. Virou preso político mas, uma vez mais, não morreu.
Lula deveria morrer quando um câncer atacou sua laringe em 2011. Tão logo correu a notícia, as alcatéias uivaram em regozijo nas caixas de comentários. “Tenho dó do câncer ter que comer carniça petralha”, lamentou um piedoso internauta. Outras vozes se juntaram para chamar o presidente adoentado - que batera sucessivos recordes de popularidade atingindo índice de 83% de aprovação, o maior da história do país - de “verme”, “crápula”, “desprezível”, “nove dedos” e “imundo”. Mas Lula os decepcionou. E, novamente, não morreu.
Lula deveria morrer muitas vezes. Antes de fundar a CUT em 1983, a quinta maior central sindical do mundo. Antes de conceber o Partido dos Trabalhadores em 1980 que conquistaria no voto, quatro mandatos de presidente da república. Antes do Bolsa-Família, do Prouni, de retirar 27 milhões de brasileiros da pobreza extrema, do reajuste anual do salário-mínimo acima da inflação, do PAC, da ampliação da distribuição da renda, de implantar 14 novas universidades federais (contra nenhuma de seu antecessor), de criar mais de 200 escolas técnicas, da descoberta do pré-sal, da política externa independente…
Lula deveria morrer quando emergiu da plebe rude para reivindicar a Presidência da República. E conquistar um posto que, até então, era reservado por direito divino aos nhonhôs da Casa Grande. E este foi um pecado imperdoável. Mortal.
Lula deve morrer porque morto o querem os donatários das capitanias hereditárias da mídia. Os mesmos que, agora, estertoram em lenta agonia na senda da descartabilidade e da obsolescência. E se aferram ao golpe por razões políticas, partidárias e ideológicas mas, acima de tudo, mirando os cofres do Banco do Brasil e do BNDES como última esperança de sobrevida. Aqueles mesmos que, em 1954, revoluteavam com as “aves de rapina” a que Getúlio aludiu na sua carta-testamento: “A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a Justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios” – como se vê, ódio já era o combustível que ardia para conduzir o líder trabalhista ao holocausto. Aqueles mesmos para quem Jango, dez anos depois, apontaria no discurso da Central do Brasil: “A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia antipovo, do anti-sindicato, da anti-reforma (…) A democracia que eles querem é a democracia para liquidar com a Petrobrás; é a democracia dos monopólios privados, nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra os governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício”.
Lula deve morrer porque é o desejo de muitos pet-jornalistas: colunistas, articulistas, apresentadores de rádio, jornal e TV e caudatários avulsos. Há quem reproduza a retórica patronal por convicção. E como é benéfico ser abduzido por tais ideias! Sobretudo para preservar a saúde empregatícia, receber aquele tapinha nas costas e, por um átimo, deixar-se levar pelo devaneio de pertencer ao mesmo clube, a despeito do precipício de classe social, renda e poder que cinde mundos tão opostos. Outros o fazem por obrigação, o que é mais compreensível. E existem aqueles que cedem calculadamente por submissão. Neles, é tal a sofreguidão com que entregam suas almas à concupiscência de seu amo que me atrevo a supor que lhe regalariam as polpas com a mesma generosidade caso houvesse algum interesse na oferta.
Lula deve morrer porque tal aparenta ser a aspiração de uma PF cujos delegados agem como militantes da direita nas redes sociais, ultrajando seus superiores. A mesma PF que serviu de polícia política prestando relevantes serviços à ditadura de 1964 sem um só gesto de repulsa ou de contrariedade. E que, na democracia, age sem prestar contas à democracia.
Não é outra, parece, a avidez fundamentalista do MPF, tornado aríete da anquilosada imprensa familiar. E que, nesta quarta, 14, o acusou de obter supostas e milionárias vantagens. E de ser o suposto chefe de um formidável esquema de corrupção. Tão exótico que, nele, quem comanda recebe R$ 3,7 milhões e quem é comandado fatura R$ 100 milhões… Mais fácil crer que tudo se faz com o transparente desígnio de assassiná-lo civilmente. E de barrar sua candidatura nas próximas eleições presidenciais, justamente ele que lidera todas as pesquisas de opinião.
E o que dizer dos anseios de um torquemada de província que se porta como o senhor do universo? Tudo sob o olhar pusilânime e os joelhos tiritantes do STF que, após construir uma breve historia de avanços sociais, acocorou-se na hora de travar os reiterados abusos contra o Estado Democrático de Direito.
Lula deve morrer porque sua morte é o que mais ambicionam as madames botocadas e seus maridos botocudos, a lúmpem burguesia boçal, egoísta e plastificada, clamando pelo golpe nas ruas com seus tênis, óculos escuros e abrigos de grife, seus poodles no colo e seus labradores na coleira. O saudosismo de homens e mulheres brancos, de meia-idade e classe média de um regime assassino que se arrastou por duas décadas de infâmia. A ditadura que seus pais e mães engolidores de hóstias pediram nas Marchas da Família com Deus pela Liberdade empunhando rosários e rezando aves-marias contra “a ameaça vermelha”. Hoje, a fé, o terço e as orações são arcaísmos. Agora, o nome de Roma é Miami, o da igreja é shopping, o da reza é academia, o da hóstia é botox. Ontem como hoje, porém, o medo e o rancor reverberados com a ascensão da ralé é igual. E, de novo, levaram a um governo espúrio.
Lula deve morrer. Está definido. Mas há um problema: ele não quer. Humilhado e ofendido, aos 70 anos prossegue na caminhada. Embora queiram matá-lo, muita gente não quer que ele morra. Gente que acha que, se Lula morrer, morrerá igualmente um olhar horizontal e inédito que percebeu os deserdados e deles cuidou. Olhou para a maioria e não para os dez por cento de sempre. Está dado o impasse. Para Lula morrer, terão que matá-lo. Física ou civilmente. O que terá um custo que ninguém ainda sabe. E 2018 está logo ali. Os dados estão rolando.
Mas LULA deve morrer quando sua primeira esposa, grávida, foi parir, pelo SUS, e quando ele foi levar, no domingo, a roupa do moleque, soube que ambos, mulher e filho tinham falecidos numa quinta feira e NINGUÉM O AVISOU DO OCORRIDO.
ResponderExcluirA esperança deve morrer p/ os pobres
ResponderExcluirLula só morrerá quando de fato chegar sua hora,determinada por Deus.Antes disso
ResponderExcluirserá novamente nosso Presidente,apesar de tudo o que vem ocorrendo.
Assinado: uma conterrânea e grande admiradora,que nele votou em todas as vezes
em que foi candidato,ou seja:de 1989 a 2006.
Maria Libia, suponho que você tenha avisado o promotor Dallagnol de mais este assassinato do Lula.
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